quarta-feira, 31 de agosto de 2011

só uma coisa rápida enquanto o frango está assar no forno

A Pequena Sereia

À noite depois de jantar brinco ao escritor dos anos 50. Fumo, bebo e observo a jovem mãe que, como num quadro de Hopper, se passeia pela cozinha do prédio em frente em camisa de noite. À uma da manhã, com tudo a dormir, costuma surripiar gelado e comê-lo às escondidas, à janela. E oiço oldies e tenho a tv no mute e escrevo. Até me fartar de brincar ao escritor americano e ficar com soninho.

Então vou para a caminha com o meu panda de peluche e o barrete de dormir. Leio-lhe sempre histórias ou então, quando estou cansado demais para ler em voz alta, ponho o livro de maneira que os dois consigamos ler. Às vezes tenho de voltar atrás porque ele é muito lento a ler mas ele critica-me por ler na diagonal às vezes e discutimos e ele pergunta detalhes e eu não me lembro de nada e volto atrás.

Há dias lemos de uma assentada o conto A Pequena Sereia de Hans Christian Andersen.

A Pequena Sereia, a mais jovem das irmãs, apaixona-se por um príncipe no primeiro dia em que lhe é autorizado vir à superfície. Salva-o de um naufrágio e leva-o para uma praia, onde ele é depois recolhido por outra jovem que o ajuda. Obcecada pelo príncipe e pela hipótese de ter uma alma eterna, a Pequena Sereia pede a uma bruxa má que lhe dê pernas em vez da cauda de peixe e que lhe conceda uma alma humana eterna caso consuma o casamento com o príncipe, uma vez que as sereias solteironas vivem 500 anos mas só têm uma existência subaquática.

Em troca ela tem de cortar a língua, ficar sem voz e passar a sentir agulhas e facas espetadas nas pernas de cada vez que anda, uma excelente metáfora do casamento. Ela aceita mesmo assim. E suporta todas as provações. Ou seja, torna-se mulher.

Acaba por viver no castelo com o príncipe mas este considera-a apenas uma amiga. Fica ali na friend zone. O príncipe apaixona-se pela outra que ele julga, erradamente, ser a heroína que o salvou. E pelo menos essa fala sobre bandas e livros. A sereia dança e encanta o príncipe mas não é suficiente. Sem voz, ela não consegue comunicar e o amor e a verdade, pelos vistos, dependem de algo tão inerte e falso como a capacidade de falar.

A bruxa propõe que ela mate o príncipe, se o fizer pode voltar a ser sereia. Mas ela recusa. Presa no seu sofrimento silencioso e abnegação, morre, transforma-se em espuma no mar na noite em que o príncipe casa. Apesar de tudo, arranjam-lhe uma espécie de acordo em que pode ascender à eternidade em função do número de crianças boas e más que há no mundo.

Moral, meninas:

a) precisam de pernas (e sexo) se querem que um tipo goste de vocês
b) têm de usar saltos altos e sofrer ao andar
c) se forem tímidas e esquisitas, não são aulas de dança do ventre que vos vão safar
d) os homens são príncipes e tudo gira à volta deles e a vossa função é salvá-los e não o contrário
e)  a vida terrena não é importante, no céu serão recompensadas
f)  não existe felicidade verdadeira, ela assenta sempre em enganos, existe apenas verdade no sofrimento
g) se tens cauda de peixe e vives no mar, deixa-te estar quieta, apaixona-te antes por um atum.

Posso dizer que o panda se comoveu com isto, ele é muito sensível. Disse-me que achava muito triste o conto e que deve ser muito difícil ser mulher e perguntou-me se eu não era capaz de casar com a pequena sereia tal como ela era, com a cauda de peixe e tudo... Disse-lhe que não e apaguei a luz. Ele demorou muito a adormecer.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

o homem mais inteligente do mundo


Em 2006, Grigori Perelman, o matemático russo, provou a conjectura de Poincaré, um dos sete problemas mais complexos e importantes da matemática, por resolver há quase um século. Esse e outros avanços que conseguiu, foram considerados como dos mais significativos de sempre na matemática do último milénio.

Recusou o prémio Millennium de um milhão de dólares e a Fields Medal (a mais alta condecoração matemática)  e outros prémios de topo. Da European Mathematical Society diz que não têm competências suficientes para lhe dar um prémio. Recusa dar entrevistas. Recusa ofertas para as melhores universidades do mundo, prefere ficar em São Petersburgo, a viver com a mãe, sobrevivendo não se sabe bem como. Também toca violino.

"o prémio era completamente irrelevante para mim. Toda gente percebeu que a prova estava correcta, então nenhum outro reconhecimento é necessário. Não estou interessado em fama ou dinheiro. Não quero estar exposto como um animal no zoo. Não sou um herói da matemática. Nem sequer sou assim tão bem sucedido; é por isso que não quero toda gente a olhar para mim'" - Perelman

Os outros problemas por resolver, caso queiram ganhar um milhão de dólares (o do poincaré já não vale):
  1. P versus NP problem
  2. Hodge conjecture
  3. Poincaré conjecture (solved, see solution of the Poincaré conjecture)
  4. Riemann hypothesis
  5. Yang–Mills existence and mass gap
  6. Navier–Stokes existence and smoothness
  7. Birch and Swinnerton-Dyer conjecture
Só precisam de papel e caneta. Força nisso.

Eu cá acho que passo. Para já, não compreendo os enunciados (excepto um pouco do primeiro, o do P versus NP). Não compreendendo os enunciados, só com muita sorte é que acertava na solução. Licenciei-me em matemática mas fiz o curso todo sem conseguir fazer uma única demonstração. Os testes tinham uma parte prática e outra teórica para quem quisesse ter mais de 16. Simplesmente, eu e 95% dos alunos, nunca dominámos a matemática como "língua" ou "música", apenas como uma ferramenta, um bocado como quem conduz um automóvel sem ter de perceber o funcionamento do motor de combustão. Pela prática, intuitivamente, compreendíamos os fundamentos: era matemática; mesmo assim bem menos complexa do que a relacionada com os 7 problemas do Millennium Prize.

Apesar de ainda ter pesadelos ocasionais com certas disciplinas (acordo a meio da noite a pensar que me falta ainda Análise Matemática IV ou Econometria III), nunca deixei de achar a matemática a mais pura e bela das ciências.

Ninguém consegue explicar a leigos as implicações da solução da conjectura de Poincaré (ainda não encontrei, pelo menos, e gostava de perceber). Para já, parece que Perelman está a trabalhar noutro problema e não diz qual é.

técnica artística #235: "enlatados de melancolia"

Sabemos que a arte de cortar os pulsos é levada mais sério do que outros tipos de arte (especialmente a comédia).  Assim, o Warhol facilmente é desconsiderado como fútil, mas um Francis Bacon ou uma Frida Kahlo têm aquela aura.

O quadro mais famoso do Picasso é o Gernica, inspirado no massacre na referida cidade, e não este aqui de um duplo nipple slip de duas inglesas histéricas em Quarteira.

Do José Luís Peixoto ao António Lobo Antunes, todos praticam a arte de escrever coisas de cortar os pulsos (no caso do José Luís Peixoto, ele consegue induzir essa vontade a toda a gente, fãs ou detractores).

Um dos problemas do artista é fazer coisas assim de cortar os pulsos quando, na verdade, ele até teve um dia um pouco cansativo, a cerveja está fresca e o Benfica ganhou. Não conseguimos imaginar o Munch a tentar pintar O Grito depois de uma patuscada com amigos pois não?

É aí que entram os "enlatados de melancolia". São aquelas músicas que ficam associadas a coisas que eram muito boas e que agora são tristes ou desapareceram. Só por si, isso já induz uma realista sensação de melancolia.

Note-se que o que interessa é apenas o sentimento abstracto em si. Um adepto do Sporting pode, por exemplo, pensar na ex namorada ao ouvir aquela música dos Coldplay, e escrever uma crónica comovente sobre os tempos do Jardel no Sporting.

E é só de carregar no play no mp3. Depois é aproveitar e criar qualquer coisa. Repetir em loop se necessário, até acabar o poema, o texto ou o quadro.


Beach House - You Came to Me from Bella Union on Vimeo.

oração das zebras felizes

Esta oração é a que recomendo para quem sofre insónias, assombramentos ou pesadelos. Resulta muito bem. Deitados na caminha, experimentem por-se de barriga, unam as mãos, fechem os olhos e digam assim:

Oh Zebra Feliz a dançar
minha doce companhia,
não me deixes atrofiar
nem de noite nem de dia

Livrai-me dos pesadelos
e das melgas e mosquitos
quero sonhos muito belos
cheios de m&m's e conguitos

Oh Urso Pardo ressonador
dai-me o ressonar consolado
quero-o antes do estupor
que dorme ao meu lado
ou vou ficar eu acordado
todo lixado e irritado

Oh Guaxinins Neuróticos
deixai-me dormir descansadinho
pois não tomei narcóticos
nem bebi dois litros de vinho

Santo Ratinho da Floresta
meu zeloso roedor
nos sonhos espero que seja desta
que o queijo revele seu esplendor

Com pulgas me deito
com pulgas me levanto
com a graça do Panda
e do Kanguru santo

Ó cachorro da minha guarda,
Que me protege e fareja
Ajuda-me todo o dia
a ter um pêlo de fazer inveja.



E pronto. É a oração das Zebras Felizes. Espero que vos seja útil e tenham uma santa noite.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

é impressão minha, ou este é o melhor desde o Michel Georges Jean Ghislain Preud'Homme?


Depois da época passada em que 88% (pelas minhas contas) dos golos sofridos, directa ou indirectamente, se deveram a Roberto, é uma espécie de euforia ver este senhor na baliza. Nem é apenas pelas defesas impossíveis que todos os guarda-redes, mesmos os maus, podem fazer às vezes (Moretto) - se bem que ele as faz mesmo muitas vezes e mesmo muito impossíveis. É sobretudo por aquele trabalho regular: as saídas aos cruzamentos, o jogo com os pés, a colocação da bola em jogo para contra-ataque, a segurança nas defesas 'fáceis', o entrosamento com os centrais e um semblante que transmite um "I AM A MACHINE AND MY COMMANDS ARE TO DEFEND THIS GOAL". Está a ser um arranque de época de Benfica forte no ataque mas com falhas na defesa e seria fatal, como foi o ano passado, ter sofrido certos golos. Teríamos sido eliminados contra o Twente e perdíamos o jogo com o Feirense, com outro guarda-redes. Espero que o seu trabalho se vá tornando mais discreto na Liga, seria bom sinal. Mas na Champions, é preciso mãos.

elas andam aí

Eu com as mulheres e as suas belezas, é um bocado como as bandas, os filmes ou os livros, sou um bocadinho hipster. Quando uma coisa é mainstream, tenho tendência a desvalorizar ou a ignorar... mas pelos vistos é um mecanismo de defesa.

Aqui há dias houve um casting aqui por perto e então havia um ajuntamento improvável de jovens arrasadoras, dessas modelos. Fui lanchar e ainda vinha com os beiços sujos do rissol de leitão e entretido a lamber os dedos quando dei com aquele rebanho e fiquei paralisado. Estavam todas a sair do casting para a rua e encurralaram-me. Uma jovem dessas é suficiente para me causar algum mal estar e desconforto, mas só vejo uma por semana, talvez mais se passear pelo Chiado ou for ao Lux, o que é raro, mas eram aí umas 20 e apanharam-me de surpresa, ao ponto de perder o equilíbrio e ficar com tonturas. Era uma coisa surreal, excessiva, parecia que algo as tinha atraído ali como a sopa dos pobres em Santa Apolónia atrai os vagabundos e drogados.

Estavam paradas no passeio e eu pensei em mudar de passeio, mas achei que era ridículo e que ia dar mais nas vistas. Então fui em frente, penteei-me pela primeira vez nesse dia, avancei, concentrando-me em andar com um pé de cada vez e não com os dois ao mesmo tempo (o típico "síndrome do kanguru" de que sou acometido neste tipo de situação) e passei no meio delas, mas sem lhes tocar.

Cheiravam a cremes e perfumes e maquilhagem e as mini-saias sobre as pernas bronzeadas rodopiavam quando se riam. E riam-se, e era só dentes e bocas e cabelos longos e curtos, tudo cintilava como diamantes ao sol e eu só tentava demonstrar que não tinha medo.

Cheguei ao escritório pálido e a cambalear, tive de ir ao WC lavar a cara. Os meus colegas estavam todos empoleirados à janela a olhar cá para baixo. As colegas, por outro lado, não pareciam muito entusiasmadas com aquilo.

zombie

Um dos sintomas de privação de nicotina é perda de quase toda a actividade mental durante uns tempos. Quase toda. Sobra ainda um pouco para irritação e ódio ao mundo em geral. Sinto-me como um daqueles zombies do resident evil 3. Já experimentei mascar chiclete mas pareço o Jorge Jesus a fazê-lo.

domingo, 28 de agosto de 2011

os ursos também gostam de apreciar a paisagem?


Hoje, num passeio de BTT pela serra de S.Julião, dei com estes dois sofás:


o cão ressonento

Estou no campo, em casa da minha mãe. É difícil concentrar-me com uma cadela a ressonar copiosamente no sofá. Acho que já percebi porque motivo os escritores têm gatos normalmente. É que isto do cão ressonento dá uma soneira monumental, este roncar intercalado por um ou outro suspiro pacífico que parece querer dizer "estou tão bem a dormir agora" ou por umas hesitações no ronco, como se o coelho do sonho se atrevesse a fugir-lhe.

É só meia noite e meia, já estou a cair para o lado. Ares do campo e ressonares de cão. Vou dormir -_- Pessoas com insónias, que eu sei que as há, arranjem um cão de médio / grande porte.

sábado, 27 de agosto de 2011

1985


O conceito de moda juvenil da minha mãe era muito próprio dela. Ela achava que estar bem vestido era ter peças de roupa a condizer, por exemplo, calças verdes com camisola verde e kispo verde ou calças castanhas, camisola castanha e casacão castanho, calças de ganga e camisa de ganga e blusão de ganga. Eu parecia sempre uma manchinha de cor triste. Também desisti do gorro com pompom em cima. Na Bélgica era algo perfeitamente banal, os gorros de lã tinham um pequeno pompom em cima, mas ali naquela aldeia não se podia usar pompom no gorro ou ele serviria de alvo a torrões e fisgas de grampos, mesmo que estivéssemos com o gorro na cabeça a fugir.

Para ajudar ainda mais à minha integração social, minha avó enviava-me camisolas da Bélgica, roupa que ela própria tinha tricotado, em lã espessa, com padrões apalhaçados, sempre demasiado largas e compridas e que eu só usava dentro de casa porque a minha mãe sentia-se mal se eu nem sequer as vestisse.
Não sei que imagem é que a minha avó tinha de mim, talvez pensasse que com o exercício físico do campo eu tivesse crescido muito. As mangas eram tão compridas que  tinha dificuldades em agarrar nos talheres. Às vezes, quando tentava ver as horas, o Galão pensava que o meu braço a agitar a manga era eu a convidá-lo para brincadeira e ele mordia a manga e não me largava. Quase que me desfazia a camisola quando eu tentava  fugir.
-- Mãaae! Olha o Galão! Está a comer a camisola da avó!

Tinha de vir a minha mãe distraí-lo com um bocado de fiambre. Acho que o Galão deduzia que quando eu puxava pela manga com muita força, estava a brincar com ele. A minha mãe interrompia a brincadeira e o Galão e eu ficávamos envergonhados, ele a cuspir pequenos fiapos de lã com a língua e o focinho arreganhado e eu a recompor a camisola. Nunca conseguimos destruir nenhuma, eram resistentes. A minha avó sabia fazê-las, não há dúvida.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Pedro Soares dos Santos, o presidente executivo da Jerónimo Martins, diz que degusta todos os produtos do Pingo Doce, para garantir a qualidade


Alimento Seco para Cão ActivPet Mix
À base de várias carnes, tais como carne de vaca e frango, resulta numa deliciosa refeição. Contém ainda uma grande variedade de legumes e cereais, contribuindo para uma alimentação equilibrada. ActivPet Mix é rico em vitamina A, D3 e E
.

Só no Pingo Doce.

não estou deprimido, não estou sequer triste

O meu método é assim
Tralalala, duridudiduridum dum, hoje vou cozinhar uma pizza congelada… será que ainda há? Ohh, esta é das minhas preferidas! Peperoni cheese! Yey! Uma cervejinha fresca agora, duridumdum, forno 200º circulação, 10 minutos, pizza dentro de forno… meow meow meow meeeoow vamos para a sala… ligar tv… vou escrever um post enquanto a pizza está a fazer
Acender cigarro. Coloca a medalinha de ouro do S. Jorge para me proteger dos espíritos deles.


Espíritos, ó espíritos dos poetas e dos escritores suicidas e decadentes, ó fantasmas angustiados, invoco-vos nesta nuvem de fumo!


toma morte saudade beber sexo
e também faca adeus noite poker dinheiro amor frio
com inferno ferida cripta fogo naufrago seiva
sem esquecer concha ouro mártir corte
um pouco de sempre muito nunca
chora odeia esquece ama cospe

Obrigado espíritos! Obrigado! Mais mais!
 
agora loucura ausência cancro caixão
com corda pérola vinho solidão
e orelhas de gato focinho de cão

*PIIIIIIP*
Pizza! Está pronta.


Obrigado espíritos de poetas e escritores suicidas, até amanhã! :) Acho que este ficou fixe, é um daqueles que elas gostam!


De nada Tolan. Tens a certeza que não queres mesmo juntar-te a nós? Hoje era uma boa noite. Temos muitos poetas e escritores mas por aqui ninguém percebe de blogues.


Ainda não. Tenho de escrever pelo menos três romances, depois logo se vê. E o Benfica este ano está com uma boa equipa. Se me tivessem dito isso quando jogava o Martin Pringle....


Ok, abraço. A vida é sofrimento.

A vida é sofrimento! Abraço.

Ufa :P Já posso tirar medalhinha. Por hoje já escrevi muito. Meaow meaow meaaaow Hmm que cheirinho a pizza de autêntico forno de lenha!

ele gosta delas mandonas




"Admiro-a e estou muito orgulhoso pela forma como se reclina e dá ordens aos líderes árabes... Leezza, Leezza, Leezza. Amo-a muito. Admiro-a e sinto-me orgulhoso porque é uma mulher negra de origem africana." - Kadhafi, à Al Jazeera em 2007 (conferir aqui)

não tenham pena de mim

deram-me este livro e com uma dedicatória que dizia "um beijo" e não foi de um gajo, como costuma ser, mas sim de uma miúda gira.

(aqueles poetas monosexuais estão-me sempre a dar livros a ver se eu fico monosexual)



e a música pós de trabalho de hoje, pós cerveja, pós escrita de hoje é...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

o amor, o amor

'Tens de mudar' disse-me ela. 'Tenho de mudar' concordei. Depois disse-me 'estou a falar a sério' e eu também concordei. Já sabia que ela estava a falar a sério logo da primeira vez. Quando ela falava a sério, cruzava os braços e ficava em pé, muito direita, às vezes em frente à televisão e então eu morria se estivesse a jogar playstation, a um jogo de guerra online em que nem dá para fazer pause. Mas não protestava por ter dado cabo do meu score.

'Nunca saímos, nunca vemos pessoas' disse-me ela. 'Temos de sair e ver pessoas' sugeri como solução. Pensei que era o que queria ouvir. Mas não devia ser isso porque se pôs muito direita e cruzou os braços. Depois disse-me 'então na próxima sexta feira vens comigo ao aniversário da Vera'. 'Quem é a Vera?' perguntei, a sentir-me nervoso. 'É uma amiga do trabalho, ela fica chateada se eu não for'. Então disse que sim, para irmos lá ao aniversário da Vera, mas não devo ter sido credível porque ela insistiu no tema 'nunca saímos, nunca vemos pessoas'. Não percebo porque motivo eu tinha de ver pessoas. Ela não podia ir ver as pessoas dela em paz? Então disse-lhe 'a vida é minha, sabes? não é a Vera que dispõe do meu tempo. Nem tu'. Saiu da sala, foi para o quarto e fechou a porta. Sabia que ela estava a chorar um bocadinho porque quando ia para o quarto era quando ia chorar um bocadinho, sentada na cama. Comecei a sentir-me culpado e a cerveja já nem me estava a saber bem. Nessa sexta feira acabámos por ir ao aniversário da Vera. Até foi agradável e no caminho de volta até lhe disse 'foi agradável, temos de repetir'. Mas nunca mais fui a nenhum.

'Nunca fazemos amor, não pode ser' disse-me ela. 'Temos de fazer amor então, vai para o quarto e prepara-te' disse-lhe, com a melhor das intenções. Mas ela cruzou os braços e pôs-se direita, a mordiscar as bochechas, como que a conter raiva. Não me parecia lá muito excitada e com vontade de fazer amor. Então perguntei-lhe 'O que foi? Queres que ponha música? Queres que te diga coisas queridas como da outra vez?'
'Qual outra vez?' perguntou ela com a voz a falhar. Lembrava-me de lhe ter dito coisas queridas e achei aquilo um bocado injusto. Lembrei-me de uma coisa que lhe tinha dito: 'Estou apaixonado por ti, quero viver contigo para sempre, quero estar dentro de ti todos os dias, quero fazer-te vir sempre para mim e que sejas minha e ser teu.' Era mais ou menos assim, citei de memória. Foi para o quarto e fechou a porta. Ainda hesitei. Tinha ido chorar sentada na cama ou o meu discurso tinha surtido efeito e queria fazer amor? Nunca soube.

Então um dia quando cheguei a casa ela estava a fazer as malas. E estava a chorar e nem era só dentro do quarto e sentada na cama, era pela casa toda. Eu conseguia perceber porque estava a fazer as malas, mas não conseguia perceber porque estava a chorar outra vez. 'Muito choras tu' disse-lhe. Também reparei que estava a arrumar alguns livros que acho que eram meus mas não lhe disse nada, deixei-a levar aqueles livros. Até fiz mal porque um deles era de uma editora que depois faliu e nunca mais o vi à venda.

Depois saiu e bateu com a porta e a casa ficou silenciosa e muito quieta. Sentei-me no sofá mas não liguei a televisão. A noite caiu sem eu dar por isso e tudo começou a ficar escuro e não me levantei para acender as luzes. Começou a chover. Começou a chover ainda mais. Chovia tanto que já entrava água pela fresta na janela da varanda e ouvia o som de pneus de carros a fazer ondas em poças de água na rua. Depois saí à rua e fui comprar cerveja e um mcmenu e voltei para casa, todo encharcado, mas contente por ter conseguido sair à rua. Fui só espreitar ao quarto, pelo sim, pelo não. Não estava lá. Sentei-me na cama. Estava fria.

é o que eu sugiro sempre aos meus amigos com crianças que choram durante a noite


(comigo resulta)

afinal gosto de ballet

mas do chinês.


parte 2

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

moules aux frites, alguém?


(e o Aimar porra, é sempre o melhor em campo)

e falam

Recentemente fiz mais uma viagem de 3 horas de comboio para o Porto e sentaram-se quatro brasileiros, dois homens e duas mulheres, nos seus 50/60 anos, turistas de classe média alta (cada vez mais frequentes devido ao boom económico e valorização do real).

Conversaram em voz alta três horas consecutivas.

Umas vezes falava um para os outros três. Outras os três falavam para um apenas. Às vezes um falava para um e o outro falava para o outro. O que é certo que é falavam todos para mim, que estava sentado atrás deles.

Apesar de se conhecerem obviamente há muito tempo (dois eram irmã e irmão e estavam acompanhados pelos respectivos esposos), não lhes faltou tema, desde novelas, destino de actores, histórias pitorescas disto e daquilo, doenças etc. e tudo num tom suficientemente elevado para que metade da carruagem pudesse desfrutar do seu interessante diálogo. Juro que em três horas não ocorreu uma única pausa nem sequer de um segundo, como é natural de acontecer, aquelas pausas em que todos se calam e um aproveita para dormitar e os outros falam mais baixo ou em que ninguém sabe o que dizer.

Era sobre-humano, o tom era relativamente estável e constante, como que um chilrear instintivo, assim que um terminava de dizer algo, outro havia que reagia imediatamente, mudando de tema ou respondendo. Imaginei uma carruagem toda cheia de pessoas assim e tive um vislumbre do inferno, mas depois pensei que se calhar era menos grave porque ficaria apenas aquele ruído ensurdecedor mas indistinto que se ouve nos transportes em Espanha... Sim, porque os espanhóis são os campeões dos decibéis, puta que os pariu que eles falam aos gritos literalmente.

E pronto, foi o meu post xenófobo do dia :) Espero que tenham gostado. Amanhã vou postar sobre os hábitos de gorjetas dos turistas judeus.

corrigi

corrigi o post anterior que estava giro só que eu não sabia o que era um bildumnsroman e meti as patas da frente pelas patas de trás com a mania que sei as coisas.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

great technical difficulties e figura de urso


ATENÇÃO: Peço muitas desculpas aos meus leitores que, estranhamente, sabem o que é o Bildungsroman e eu não sabia, pelo que este meu post não faz grande sentido. Dado que comentaram entretanto e que sei que os vossos corações são sensíveis, não apago e fica aqui, ainda acrescento a seguinte nota tidada da wikipedia: É designado com o termo alemão Bildungsroman (romance de aprendizagem ou formação) o tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de uma personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade.

A propósito do Adolescente, um livro de Dostoiévski com um narrador na primeira pessoa (incomum em Dostoiévski e considerado por alguns críticos como um livro mais fraco mas eu vou mostrar que não depois de o ler até ao fim), este blogger estrangeiro escreve isto:

«In a bildungsroman [romance na primeira pessoa], the narrator of the story knows the end before the beginning, and must withhold this information from the reader, both on the level of plot and incident, and on the level of self knowledge. At the same time, the illusion of developing awareness, of evolving consciousness must be self-consciously created.

The first person narrative limits the omniscience and interest of the narrative voice. Other characters’ motivations cannot be examined, other scenes in which the narrator is not present cannot be described, without the risk of breaking the illusion of a central viewpoint. The risk of boring the reader without a breath of fresh air provided by a change of scene or character is very great.

At the same time a first person narrative raises all sorts of questions about narrative provenance: is the story being told to the reader, or written down and ‘discovered’ by the reader? What is the gap in time between the events described and the writing/telling?

The genre is therefore fraught with great technical difficulties.»


Apesar de reconhecer as techical difficulties (ah ah) não creio que seja mais difícil que outros, penso que depende mais da voz interior, do estilo. Em todos os bons bildendumsroman (Catcher in The Rye, todos os Bukowski, Fome do Knut Hamsun, Molloy do Becket, Livro do Desassossego etc.), estes aspectos são irrelevantes. Vejo o bildiungsbergman (agora encontrei um nome fino para isto e não me calo) como a construção de um mundo subjectivo, uma consciência nova, que seja fascinante e que provoque estranhamento.

Nem um género nem outro é melhor ou pior por princípio, mas reconheço facilmente que o bildumgsroman é menos popular e tem menos potencial de sucesso de vendas e mesmo crítico. Contudo, acho o bilbobaginsroman mais natural. O Kerouac pode escrever o blimungsroman do On The Road todo de uma assentada, mas dificilmente faria um não-blinmunsroman de uma assentada. Até porque ele é mau escritor (desculpem) e mesmo assim o On the Road não deixa de ser interessante e poderoso se encontrar a consciência certa. Os diários que se tem na adolescência, as cartas e e-mails que se enviam ou os blogues, são pedaços de blidungsruman. Contamos e escrevemos coisas limitados à nossa consciência e experiência. O esforço de ficção é criar uma consciência nova ou derivações da nossa consciência ou projectar a consciência em experiências novas. Exige voz. Um tipo formidavelmente chato consegue escrever romances não-blidensgruminan e o oposto é completamente falso. Ainda vou no inicio do Adolescente e gosto muito. O Dosto é tudo menos chato e tem sempre truques na manga. Vamos ver.

domingo, 21 de agosto de 2011

lol


E ainda perguntam como é possível que pessoas de classe média alta tenham sido identificadas e presas nos riots de Londres?

 Podia-me ter acontecido a mim :(

- O quê?! Jesus, tanto preto! E vêm todos a correr direito a mim! Por amor de Deus não me façam m... Oh, arrombate the shop of telemobiles? Yeah! Lets all go in this... shop... of telemobiles... and show we are angry against system! YEAH! FUCK! YEAH brohters! ai f##%"-se não me empurrem... yeah we are inside the shop, so many evil things here, racist things made by white corporations! ups estes dois gajos são brancos afinal e um está a olhar para mim de lado No, they evil telephonies angainst all races, white, black, yellow, jew!... deixem-me sair da loja agora, com licença excuse me... No! No! I wasnt leaving! I very angry against this shop! I burn this, let me get my isqueiro... merda, não consigo sair daqui, tenho reunião na sede da Merrill Lynch às 16h, vou chegar atrasado... olha um iPhone, se calhar ninguém dá pela falta dist... Oh sorry! take it brother, sorry! take it! Dont hit me! Nice baseball bat... ufa.... como é que estes gajos não morrem de calor todos enfaixados com estes gorros e lenços a tapar a cara... hei, aquilo ali ao canto no tecto é uma câmara? Estará ligada?

o pior comentário no Facebok

Vejo isto em muitos Facebooks. Uma pessoa posta um vídeo engraçado, uma foto, uma piada qualquer e depois ocasionalmente há um(a) sujeito(a) que interrompe uma cadeia de reacções positivas com um: "e não se trabalha?" ou "isto é de quem não tem nada que fazer lol".

Evidentemente, a pessoa que faz tal comentário é rapidamente colocada na lista do boss e fica com tudo bloqueado, mas o mal está feito.

Que motivação têm essas pessoas que se dedicam a comentar "vê-se logo que não tens nada para fazer" no facebook das pessoas?

Eu identifico algumas:

1) Não é por mal, é assim que reagem sempre que alguém faz uma piada, mesmo no mundo real: se alguém lhes diz algo engraçado numa conversa ao pé da máquina do café eles dizem "ah ah ah vê-se logo que não tens nada que fazer ah ah ah". Mesmo a ver o Herman na TV, em pequenos, já diziam "ah ah vê-se logo que não tem nada para fazer"

2) Existe a possibilidade, embora muito remota, de algumas pessoas das centenas de bons amigos do peito que se tem no facebook, não terem afinidade connosco e com o nosso sentido de humor, mas não quero precipitar-me em conclusões.

3) Querem iniciar um loop interminável. Podíamos responder "e tu, não tens nada que fazer em vez de veres isto e comentares que não tenho nada que fazer?" e eles responderiam "vê-se logo que não tens nada que fazer para comentares o meu comentário a dizer que não tens nada que fazer" e assim por diante.

4) Dizem isso em pessoa em todas as ocasiões em que não se está a trabalhar. Interrompem uma conversa de colegas como o seu "não têm nada para fazer?", tocam no ombro de um colega que está a escolher o disco para ouvir enquanto trabalham com um "não se trabalha?" ou gritam para a sala do café "e trabalhar, não?". Não são muito populares, normalmente.

5) De alguma forma retorcida, querem contribuir e consideram aquilo uma punchline do status dos outros, um pouco como aquele revirar de olhos dos malucos do riso no final de cada piada: "não tens nada para fazer? TOING O_o AHAHAHAH" É muito engraçado e resulta sempre.

6) O emprego deles é, na verdade, ver o facebook dos outros, ler os status ou ver os videos e depois fazer aquele comentário, de modo que para eles aquilo é trabalho e visa aumentar a produtividade dos outros.

Lembro-me destas, assim de repente.

sábado, 20 de agosto de 2011

prometam-me que fazem isto quando forem velhinhas, ó jovens frescas e bonitas

(eu serei o senhor de gorro a bater o pezinho e a tamborilar nos joelhos)

consigo ouvir o meu coração a bater de dentro do armário fechado do outro lado da sala




I can hear my heart beat
Across the room, behind the closet door
When I'm laying in my bed in the dark
I can't gather all the love I need when I need it


O despertador toca e eu tenho sempre dificuldades em levantar-me, antes não tinha. Tomo banho e visto-me e faço a barba (private joke).
Tento lembrar-me das coisas que tenho nesse dia antes de me vestir. Às vezes esqueço-me de uma reunião e depois tenho de vir a casa vestir um fato à pressa à hora de almoço e detesto quando isso acontece.
Às vezes tomo o pequeno almoço em casa e às vezes não e tomo no café e peço A Bola emprestada ao senhor Garcia ou leio o Público que posso ter comprado ou não. Ensaio mentalmente opiniões sobre futebol e economia mundial. Depois vou trabalhar.
Antes de trabalhar vou beber mais café e fumar e ver jornais.
Depois vou trabalhar.
Revejo coisas que escrevi na noite anterior e faço posts.
Depois vou almoçar com os colegas. Não gosto de grupos grandes porque se perde muito tempo a discutir para onde se vai almoçar. Mas gosto deles, só que todos ao mesmo tempo tem este problema, há sempre um que não gosta deste ou daquele restaurante.
Às vezes vou almoçar sozinho quando estou a ler um livro bom e aproveito para ler. Jogo matraquilhos e ganho 95% das vezes.
Depois tento não adormecer e penso em como considero grande parte da actividade humana um gigantesco desperdício de amor e de coisas boas.
Depois vou para casa e vejo pessoas nos carros e traço-lhes o perfil e oiço rádio.
Vou ao McDonalds jantar ou comprar um frango.
Passo pela tasca, dou coisas ao esquizóide da rua e compro cerveja e tabaco.
Vou para casa. Está às escuras e acendo luzes. Janto num tabuleiro a ver o noticiário. Jogo PS. Bebo. Fumo.
Depois oiço música, vou para os chats, escrevo que nem um animal, não tenho sono.
Depois fico com sono e vou para cama.
Leio uma página e adormeço.
Depois o despertador toca e eu tenho sempre dificuldades em levantar-me, antes não tinha.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

a matemática das palavras

O Bukowski diz que arte é fazer uma coisa aborrecida com estilo. Esta frase tem muito que se lhe diga. É polémica porque há romances que conseguem a proeza de não obliterar o estilo em momentos muito empolgantes e com argumentos complexos. As descrições de guerra do Tolstói no Guerra e Paz são disto um exemplo, a cena do crime no Crime e Castigo outro. Aquilo que mais facilmente destrói o estilo é a necessidade de contar algo que está a acontecer. É por isso que os romances bestsellers estilo Código Da Vinci, com o devido mérito que têm e que não questiono uma vez que o mercado é livre e competitivo, são normalmente áridos em estilo. Coisas acontecem e o foco está no argumento, na premissa, que é, aliás, a preocupação principal dos cursos de escrita criativa. Não se ensina estilo, é impossível. O conceito, o argumento e a criação de personagens tem técnica que pode ser ensinada como se ensina a arranjar máquinas de lavar roupa. Uns serão melhores nisso e outros piores.

O mais potente, para mim, é o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa. Esse vai ao extremo disto de fazer a coisa aborrecida com estilo: o Bernardo Soares está simplesmente a atrofiar em situações diferentes, todas elas bastante limitadas, limitadas à própria consciência. Ora se encontra no quarto sombrio a olhar pela janela, ora a recordar uma conversa, ora a pensar na morte da bezerra enquanto mastiga um bife num restaurante. Não tem narrativa, são fragmentos ordenados, sem uma ordem especial aparente. O sonho é um tema central, o sonhar-se. Mas também consegue outra coisa que é a fusão da personagem com a obra e a fusão desta com o autor, tanto que os especialistas pessoanos, que os há, dizem que o Livro do Desassossego é o mais próximo da voz de Pessoa e que o Bernardo Soares é o heterónimo menos "afastado" ou o menos circunscrito, de todos os seus heterónimos. Dificilmente consigo pensar num escritor mais fascinante que o Fernando Pessoa. O facto de ser português apenas facilitou a coincidência de o ter lido, uma vez que basta andar pelo Chiado que passamos pela sua estátua. Para mim, está no panteão dos maiores de sempre do universo. E o estilo magnífico consegue transmitir uma coisa límpida, inteligente, natural e familiar, como se resolvesse um problema matemático com a  elegância da melhor solução, aquela que utiliza o mínimo possível de palavras e recursos. É nesta limpidez e inteligência que se faz a diferença para outros escritores e poetas, detentores de um estilo fabuloso, mas que é manejado por uma consciência mais vaga e imprecisa e que deixa a sensação que a única coisa que se quer dizer - magnificamente aliás - é uma ordem: comove-te com isto oh leitor.

Fernando Pessoa a jogar xadrez, cheio de estilo. Obviamente que está no modo Álvaro de Campos, o engenheiro, porque o Bernardo Soares sonharia até perder por tempo e o Alberto Caeiro pastaria os peões em bonitos padrões ordeiros.

**** starfucker ****

O*_*O

Nein Mann, estou aqui a curtir, vai tu andando para casa


e uma vez

Uma vez eu era adolescente e estava a acampar. Tinha uma tenda grande daquelas antigas, com divisões, e depois outra pequena que servia de cozinha. Um dia estava a ler e para me proteger do sol, meti a cadeira dentro da tenda da cozinha e a mesa mesmo à porta e fiquei ali encaixadinho na toca a ler. Nisto passou um grupo de 5 ou 6 putos da minha idade. Eu a partir dos 6 ou 7 anos deixei de conseguir sociabilizar daquela forma natural e estes grupos espontâneos que se formam nas férias sempre me fizeram confusão pois nunca conseguia pertencer a nenhum. Então eles passaram e olharam para mim, ali a ler, e um comentou "olha, aquele ali é que está bem ah ah" e os outros "ya ahahah" e continuaram a andar e senti-me um freak porque de facto podia ter ido para debaixo do chapéu de sol ler ou então simplesmente ignorá-los, mas aquele comentário deixou-me de tal forma perturbado que nem consegui ler mais. Devo dizer que coisas deste tipo sucediam em diversas ocasiões, não muitas, mas mesmo assim algumas. Demorava tempo até ganhar confiança com pessoas e então era-me impensável meter conversa com tipos da minha idade. Não diria que mudei nesse aspecto, mas é certo que já não sou tímido. Penso que a timidez resulta de atribuirmos demasiada importância ao que estranhos pensam de nós. Estranhos, porque nenhum tímido é tímido com quem se sente à vontade e com quem tem confiança. A melhor coisa da maturidade é isso ser cada vez menos relevante, os estranhos. Lembro-me que até a andar na rua me preocupava com a minha maneira de andar, se era estranha e descoordenada ou se era normal e igual à das outras pessoas. Digo com toda a sinceridade que me vai sendo cada vez mais indiferente o juízo de outros e que, paradoxalmente, me parece às vezes pertinente fazer o esforço de pensar no que estranhos podem pensar de mim para continuar a ser o ser sociável que sou, especialmente por exigências profissionais. Por vezes sinto como totalmente absurdas essas expectativas e juízos terceiros quando comparados com a morte ou o infinito do universo ou as palavras de um amigo ou uma lambidela de um cão. São manifestações tão espúrias como a direcção do vento. Por vezes as minhas próprias palavras parecem duras e violentas e maldosas, mas também são apenas isso, direcção do vento. Somos muito parecidos todos uns com os outros.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

responsabilidade social

Já escrevi sobre ele mas, finalmente, o cabrão do esquizofrénico de Alvalade reconheceu-me. Ando há um ano a dar-lhe merdas, cigarros aos três de cada vez e trocos e ele nunca fala ou esboça um sorriso, apenas fica assim assustado na passadeira, de mão estendida. Hoje finalmente sorriu. O dia estava-me a correr mal e isto deixou-me bem disposto, como aquelas velhinhas tiazocas que dão coisas aos pobres na igreja de Alvalade e ficam assim paradas à espera que eles façam aquelas vénias de infinita gratidão e as fazem sentir-se como a Madre Teresa Calcutá com camarote reservado no Céu. O tipo lembra-me o meu tio. O meu tio era esquizofrénico e tinha exactamente a mesma postura e mímica corporal, o mesmo cerco de timidez que o fazia mover-se lentamente como se tivesse os músculos presos, o mesmo olhar fixo nos outros, a mesma pele meio avermelhada e aspecto desleixado, o mesmo excesso de roupa em dias de calor. Este aparece no McDonalds onde vou jantar regularmente, como o velho das barbas e do boné de que acho que já falei uma vez. Chega ao balcão e pede um copo de água e depois tira uns pacotes de açúcar. Senta-se na mesa mais encafuada que houver, virado para a parede, despeja o açúcar para o copo, mexe com cuidado, bebe um pouco, mexe mais um bocadinho e bebe um pouco, prolonga o prazer, na sua toca no McDonalds.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

gostos

O Tolan sabe que os gostos em si não são uma característica moral ou ética, isto é, uma pessoa não é melhor ou pior pessoa por gostar disto ou daquilo (e pessoas com bom gosto às vezes confudem ambos), nem é mais ou menos interessante à partida.

Dito isto, o Tolan acredita que as coisas não são relativas e que o gosto está intimamente ligado a características como independência e curiosidade. E foco-me só nessas duas.

Ter bom gosto pode ser gostar de coisas boas, e mau gosto, o gostar de coisas más. Nenhum existe na forma pura. Todos gostamos de coisas más e de coisas boas, em maior ou menor grau. Mas alguém que gosta de coisas más provavelmente nem sabe que existe diferença entre mau e bom, nunca pensou nisso. Nunca se preocupou em procurar e experimentar. E se essa pessoa pensa assim sobre livros e cinema, porque não havia de pensar assim sobre tudo? De novo, nada disto é condenável, mas não é certamente sinal de independência, antes de passividade e não é sinal de curiosidade, mas sim de preguiça.

É um dado adquirido que a esmagadora maioria das coisas de sucesso são más enquanto que a maioria das poucas coisas boas não têm sucesso contemporâneo, mas tendem a perdurar no tempo. Isto é um facto incontornável, estatístico. Há excepções, elas existem, mas são a minoria. Basta olhar para o top 10 dos livros ou discos mais vendidos, para a televisão e revistas, de cada época, para admitir este fenómeno: a maior parte daquilo é lixo e o que foi sucesso há mais de um ano desapareceu da memória. E isto é constante ao longo dos tempos. Já se observava isto há quinhentos anos, há mil anos. Algumas pessoas pensam que não e que a situação agora é pior, mas isso é porque o tempo entretanto apagou 99,9% do lixo que se fez até chegarmos aqui a 2011.É verdade que há um aumento do lixo pelos simples facto de que as coisas se democratizaram e se tornaram mais acessíveis, havendo pois mais mercado, mais gente a consumir, e por isso mais oferta de lixo.

Não significa que o que não tem sucesso é bom, é importante fazer a distinção. Há coisas que tentam ser boas e não só não têm sucesso como não são boas. Há coisas que tentam apenas ter sucesso e não conseguem. Há também muito mais gente e com mais meios profissionais a tentar ter sucesso do que a fazer coisas boas, na mesma proporção do público e do seu dinheiro. Porque ter sucesso é humano, exige trabalho e profissionalismo, enquanto que fazer coisas boas exige talento, que é algo atribuído divinamente e é estatisticamente mais raro. A intenção a priori é mesmo irrelevante, pois a história está cheia de obras primas que o foram por mero acaso e o autor não tinha intenção ou consciência disso e apenas queria fazer uma coisa que fosse engraçada ou que pagasse as dívidas do jogo ou que corrigisse moralmente uma nação.

Alguém que é exposto a bom cinema e boa música, torna-se mais interessante? Melhor? Mais inteligente? É muito discutível. Tudo me leva a crer que não, olhando apenas para os críticos. Podia pegar no exemplo oposto, nas pessoas simples, néscias, que, quando falam, contam histórias ou anedotas, debitam poesia pura. Mas estas pessoas são muito raras. Peguemos antes no exemplo oposto, no crítico.

Um crítico, por formação e hábito profissional, lê, ouve e vê muitas coisas. Mas um bom crítico é tão raro como um bom artista, visto que para comunicar com o público e para ter sensibilidade ao que está a ver, ele precisa também de características que não abundam nas pessoas, a começar pela independência e curiosidade, culminando no talento. E isto leva a um dos fenómenos que, esses sim, aborrecem o Tolan, porque é um embuste (ao contrário do mercado do sucesso que é puro) que é ver coisas más serem consideradas como boas pela crítica, apenas porque colam pedaços de coisas que normalmente se encontram em coisas boas que já foram feitas e que eles viram ou, ainda pior, porque não têm sucesso e servem para consolidar a hierarquia de gosto face às massas. E, por outro lado, os críticos tendem a rejeitar coisas objectivamente boas porque são feitas de pedaços de coisas que, ou não compreendem porque são novas e questionam tudo ou porque as referências são de coisas más, ou, ironicamente, porque têm sucesso.

Acresce a isto ainda a obrigatoriedade da crítica, do prémio, da laudatória, como se o espírito humano estivesse sincronizado com "um ano" civil e os ciclos comerciais. Em anos (décadas por vezes) em que tudo é mau, as coisas são atribuídas e elogiadas na mesma. Por outro lado, em anos excelentes (mais raros), existem coisas que não são devidamente valorizadas, porque tiveram azar de ser contemporâneos de outras igualmente boas. Penso por isso que os "prémios", pela importância que têm nas artes todas, deviam quase todos ser de carreira, que é aquilo que Hollywood inventou para descalçar a bota de ter na sua história enormes realizadores e actores que perderam para outros que o tempo resolveu, e bem, apagar.

Oração da impressora do escritório

Pai Nosso que estais na rede,
não me digas paper jam remove cover
nem para ser eu a fazer o replace do toner
não ponhas o meu relatório urgente em espera,
atrás dos prints das fotos das crianças da Vera,
vou ter de entregar isto agora ao Presidente
trata-se de um print muito urgente
e se o Júlio voltou a imprimir pornografia
que eu esteja atento e de vigia
que não me passe ao lado na encadernação
e que eu acabe com a mesma reputação
da Maria João
que nunca deu por nada
e está muito intrigada
porque o Senhor Doutor
lhe pisca o olho no elevador
Amen

Um deles não é escritor. Qual será?







não sei se foi dos carneiros que contei

Mas tive um sonho intenso e para não o esquecer tomo nota dele aqui. Estava num apartamento antigo, na cidade de X, onde vivi a adolescência. À parte uma mobília velha e minimalista, a casa estava praticamente vazia. Era sábado. Estava acompanhado pela Y, pelos vistos tinha conseguido levá-la para casa e íamos ter sexo. Era noite e víamos um filme em DVD. Ela tentava criar um ambiente romântico para conferir um pouco de dignidade aquilo tudo. Sentia-me deprimido porque ela dizia coisas como "às vezes as pessoas recusam-se a ver um filme em alemão, eu não tenho problema nenhum com isso" e eu perguntava-lhe "com que espécie de pessoas é que tu te dás?" e depois sentia-me mal. Não havia bebida em casa, nem sequer frigorífico. Então lembrei-me que era Sábado e que podia dar-se o caso da minha mãe aparecer naquele apartamento, para ver obras ou o seu estado, antes de o alugar. Afastei-me da Y e fui para o escritório virado a oeste e quando olhei para o telemóvel, estava a fazer uma chamada há meia hora pelo menos, e ouvia a voz da minha mãe preocupada.
- Estou?
- Filhe? És tu? Ah merde, estava preocupade! Não quer vir jantar connosque?
- Com quem? Onde estás?
- Em X, com a A, B,C. Anda!
- Não, não, estou com alguém aqui no apartamento.
- Ah... estou a passar aqui na porte em baixo agora mesme, ainda bem que tu avise.
- Eu vou aí abaixo cumprimentar.
Desci as escadas a correr, esquecendo-me da Y.

Estava a chover torrencialmente. Então a minha mãe disse-me que no carro tinha a última carta que o meu pai escreveu e perguntou-me se eu a queria ler. Hesitei mas disse que sim. Abriu a bagageira (era o velho peugeot 504 da minha infância). À volta do carro estavam pessoas da minha infância, em silêncio. Abriu uma pasta, tinha muitos papéis confusos e deu-me uma folha amachucada.
Tentei ler mas tinha dificuldades em focar. Algumas palavras estavam escritas a lápis, outras a tinta negra. As frases eram curtas e só conseguia ler pedaços, palavras, não conseguia entender o sentido e atribuí a confusão ao seu estado no fim. Mas conseguia perceber o sentimento, no início era uma raiva grande, estava cheia de expressões como "o caralho!" como quem está fodido com a desilusão de descobrir no fim que o enganaram em criança com as promessas de que a vida é uma coisa e afinal é outra. Depois explicava porque tinha fugido e comprara uma casa pequena numa aldeia, ia recomeçar. A carta era paranóide e disconexa, cheia de raiva e de autorecriminações que nunca na vida o ouvira fazer, coisas como "fiz tudo mal" ou "falhei". Anexada à carta estava uma fotografia dessa casa, recortada de uma foto maior. Ele dizia que não tinha sido ele a tirar foto mas sim uma equipa de filmagens a escolher locais, por coincidência, e que ele lhes pediu a foto que por acaso era da casa dele. A meio da leitura da carta uma gigantesca nave espacial pairou no ar num monte em frente ao carro e começou a explodir, a desfazer-se (os meus sonhos têm sempre um cunho do Michael Bay). Ignorei-a completamente, continuando a ler a carta. Tinha esquemas complicados da casa e do jardim, com rabiscos a lápis a desenhar árvores. E acabava com um desenho de uma casota engraçada, muito naif, parecida com a do snoopy, com uma bola de futebol e um baloiço ao pé e dizia "a casa para o meu filho XXXXX" e eu colapsei numa espécie de choro-uivo durante muito tempo. A minha mãe desculpava-me às pessoas "está a ler uma carte que o pai escreveu". Despedi-me, voltei para casa à chuva e quando estava a subir as escadas de volta ao apartamento, acordei. Faltavam três minutos para o despertador tocar.

Bom dia!

há quem conte carneiros



boa noite, durmam bem :*

terça-feira, 16 de agosto de 2011

o boogaloo triste

James Brown, o verdadeiro "rei", está entretido a dançar o boogaloo em directo na tv nacional em 1965, completamente na dele, apenas a ser awsome em cada molécula, e eu a beber a minha cerveja e a menear a cabeça, quando somos interrompidos aos 0:32 pelo apresentador branquelas que pede ao James Brown para dançar o boogaloo como um homem feliz e o James pergunta se pode antes dançar o boogaloo como se estivesse triste. E realmente, ele dança um boogaloo triste, um paradoxo portanto, que ele resolve com mestria. Tiro notas mentais, mas somos interrompidos de novo pelo apresentador branquelas que lhe diz "allright that's enough" e que lhe pede para ensinar aos jovens figurantes, todos brancos e mui fremosos, como se dança o boogaloo e eles imitam-no.

debater, manual

Primeiro, muitas opiniões são herdadas. É preciso passar todas as opiniões para um campo neutro e depois daí ir fazendo a filtragem. Se opiniões herdadas resistem a testes, não há problema. Apesar de existir quem tenha paciência didáctica, eu não a tenho.

Segundo, temos de ter sempre predisposição para ouvir e questionar aquilo em que acreditamos, com base em factos e argumentação racional. Passar de comunista a liberal ou vice-versa, com base num argumento ou facto novo, deve ser sempre uma hipótese, pois só ela credibiliza a opinião actual face a pessoas que pensam de maneira diferente.

Terceiro, não misturem boas intenções com as soluções e os meios. O provérbio "de boas intenções está o inferno cheio" é uma excelente máxima. Torna-se muito cansativo discutir com pessoas que se julgam donas de uma superioridade moral e ética quando, no fundo, querem o mesmo que qualquer pessoa. Normalmente esta superioridade ética está fundada em preconceitos herdados e não em opiniões baseadas na observação, no estudo e na procura de soluções para os problemas.

Quarto, o facto de pertencerem a algo que tenha "nome" e que represente uma forma comum de pensar (como ser de esquerda, direita, católico, ateu, anarquista, ecologista etc.) deve resultar de um acaso. Por acaso, as vossas opiniões que passaram pelo crivo do ponto um, dois e três, calham em ser parecidas com a de um grupo de gente que tem um nome abstracto para o denominar. Não é isso que vos vai atribuir mais ou menos razão. O oposto diminui a razão, porque alguém que quer pertencer a um grupo que considera moralmente superior, tem tendência a procurar argumentos e factos de forma enviesada para justificar a sua escolha irracional ou herdada e fazer oposição a grupos que cristalizem posições adversas à sua.

"slow-motion moral collapse" & "tough love"


a verdade

Uma das coisas que mais me aborrece nos filmes é quando usam truques desonestos para criar twists. Acabei de ver um assim, o Alta Tensão, filme francês de terror. O filme seria aceitável sem o básico truque inspirado no Fight Club / Sixth Sense: aquilo do "o que vês não é a realidade". Ou seja, estamos na cabeça de uma personagem do filme e aquilo que vemos não é a realidade.

Não é este o psicopata, este senhor nem sequer existe.

Este senhor existe na cabeça desta lesbiana, ela é que é a psicopata.

É giro uma vez, pronto, está feito. Chega. Não que tenha algum problema com uma filmagem subjectiva à mente de uma personagem, como na Repulsa de Polanski ou o Spider do Cronenberg. O que acho idiota é que o espectador não saiba disso e que isso sirva de base a um twist: "ah, afinal não era ele o psicopata, era a lésbica e estamos a ver o filme pela mente da lésbica obcecada pela Alex". Não me lembro de Hitchcock alguma vez ter recorrido a estes atalhos para criar twists nos argumentos. Que mal tinha o Alta Tensão ser só um filme de um psicopata dos bons e dos antigos?

Além disso são filmes que envelhecem muito mal, tira-se aquele truque ao Fight Club ou ao Sixth Sense e o filme perde 90% do interesse. Não consigo compreender o que está na cabeça de um argumentista para cometer um erro tão patético quando não há um único clássico que faça estes malabarismos. Nem vai haver.

SPOILER ALERT

Se calhar devia colocar o spoiler alert no início do post. Mas o filme já tem uns anos, por isso, que se lixe.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

há pais que confiam na catequese para isto mas comigo foi mais assim

Tolan aprende a reconhecer e a defender-se dos perigos do dia a dia.


Enquanto os pais assistem a mais um episódio do Dallas, Tolan compra preservativos.


Não é muito discreto.

Tolan tem a sua primeira namorada. E na escola ainda acham que ele é geek :D


Tolan vai à disco dançar e ensaia os passos que o tornarão famoso e quebrarão a coluna cervical à S. em dois sítios.

Tolan aprende qual a função de divesos objectos.


Tolan, a ir buscar frango since 1985.


Tolan depressa sente uma afinidade com o universo de Charles Bukowski e afoga as mágoas.


Enquanto os pais vêem um episódio de Uma Casa na Pradaria na tv da sala, Tolan joga sossegado.


"Não fiques em casa o dia todo a jogar!" diz a mãe. Tolan não compreende tal repreensão, pois ele estava precisamente na praia e ao ar livre.



custa 2.500$ ao dia alugar uma camera phantom flex, estão à espera de quê?

8 Hours in Brooklyn from Next Level Pictures on Vimeo.


pode-se alugar uma aqui

domingo, 14 de agosto de 2011

o mundo interior


Encontro-me a ler o Viagens de Gulliver do senhor Jonathan Swift (ainda).

Quando Gulliver viaja, leva consigo a sociedade e o pensar ocidental, nomeadamente o inglês, e coloca-o em confronto com mundos diferentes mas que são emanações absurdas do mundo inglês do século XVIII. Assim, também há cortes, leis, cidades, ciência, arte, exércitos etc. nesses novos mundos. Não são mundos "selvagens" e "inocentes" como os que se desbravavam na época e cujas questões fundamentais que suscitam são retratadas, por exemplo, no maravilhoso Robinson Crusoe do Daffoe, também mais ou menos da mesma época.

Gulliver é como um diapasão da nossa identidade, vemos as coisas pelos olhos dele: os outros mundos parecem absurdos e desproporcionados e ele, por comparação, ora é um gigante que vence batalhas sozinho, ora é um ser pequenino e desprezível explorado numa feira de curiosidades.

O mecanismo de Swift é subtil e contém uma poderosa auto-ironia à sociedade inglesa, pois Gulliver, que é um inglês civilizado, humanista e justo e profundamente convicto da superioridade da sua nação e cultura, é sucessivamente desarmado pelas circunstâncias e pelo contexto que varia com as suas viagens. O seu sistema de valores  vai sendo desmistificado, seja directamente, quando o Rei da terra dos gigantes faz uma mordaz crítica à sociedade descrita por Gulliver, seja pela caricatura, quando reconhecemos nos mundos descritos por Gulliver, o nosso próprio país e os seus defeitos, levados a um extremo absurdo. Por exemplo, uma nação que é governada por pessoas obcecadas por números e que os analisam e contabilizam à exaustão mas que, por outro lado, são cegas e surdas à realidade próxima  que os rodeia (sendo necessários "batedores" que lhes dão pancadinhas nos olhos e nos ouvidos para que oiçam e vejam quando alguém fala com eles) não é mais do que uma caricatura de uma característica nossa (ocidental). O que é curioso é que apesar destes sucessivos choques, nada em Gulliver indica que ele pense de forma diferente ou que as viagens o transformem. Apenas aparenta ser louco quando conta as suas histórias a pessoas do seu país.

O retrato satírico que ele faz da Inglaterra de 1726 podia perfeitamente ser aplicado ao Portugal de 2011, com alguns ajustes.E a forma de Gulliver analisar e descrever estas sociedades estranhas, é muito semelhante à nossa, quando comentamos a actualidade de países que nos são estranhos e distantes ou de fenómenos que não conhecemos, mesmo dentro do nosso país. Esta é talvez a última conclusão que se retira do As Viagens de Gulliver. O único referencial, absoluto, somos nós, na nossa solidão e mundo interior e tudo o resto é potencialmente absurdo ou moralmente errado se destoar do nosso mundo interior.


O Jonathan Swift é este senhor ó:



lua cheia

Ela diz-me agora que eu estou bêbado, para não ir escrever, porque só vou fazer figura de parvo. Ela diz que está "fodida dos cornos" e que parece a Amy Whinehouse naquela figura e parece genuinamente preocupada com isso. Saí à rua há pouco e as tascas já estavam fechadas, apenas o restaurante fino da avenida estava com gente lá dentro, embora tivesse a placa austera do FECHADO na porta. Bati à porta e, mantendo-me sóbrio e angélico, perguntei se podia comprar cerveja. O empregado disse que sim e comprei muita cerveja. Quando ia para casa com o saco de plástico cheio de cerveja passei por um carro estacionado com dois alcoólicos a sério, costumo vê-los na minha rua, ali a beber e a fumar e a falar de coisas que os entusiasmam muito porque estão sempre a gesticular a falar muito assertivos. Estavam dentro do carro a beber e a fumar. Está lua cheia e sopra uma brisa muito agradável, gosto quando à noite arrefece e não está aquela estufa do dia. Em casa ela está deitada no sofá à espera da cerveja, provavelmente adormeceu a ver o biggest loser.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A família fantasma

Tenho imaginado uma família que não existe. Uma mulher e dois filhos, um rapaz e uma rapariga. E um gato. Podiam ser reais acho eu, mas não são, seja porque numa ou noutra ocasião eu fugi a sete pés do compromisso, seja porque noutra fugiram de mim, é assim que as coisas funcionam, não há drama nisso. Dou-lhes características, especialmente defeitos que me irritam ou aborrecem e me fazem sair de casa à noite para não os aturar ou fechar-me dentro do escritório a tocar guitarra mas que no fundo me fazem gostar muito deles. Estão a tornar-se verosímeis ao ponto de achar que um dia se vão fartar de mim. Ela vai pedir-me o divórcio e depois ficar com a custódia deles e deixar-me o gato, a que eu sou alérgico. Tenho medo de os tornar demasiado reais, especialmente ela. Ontem apercebi-me disso quando fiquei excitado a meio de uma cena que imaginei quando estava no meu jardim com a palmeira, a fumar um cigarro à noite. Ela vinha de robe para o jardim, sentava-se de pernas cruzadas no meio das ervas selvagens. Ouviam-se grilos e as ervas sussurram com o vento e depois ela começa a baloiçar lentamente, como se estivesse a ouvir uma música e vejo-lhe um bocadinho do seio nu, pelo robe entreaberto. E eu sinto-me muito longe dela apesar de estar ali ao pé. Não consigo ouvir a música. Ela está triste e deve ser por causa de mim. Apesar de não lhe conseguir ver a cara de forma definida, é a mulher mais bonita que já vi.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Conto infantil: o Don Ursan

Era uma vez um urso chamado Don Ursan. O Don Ursan era muito conquistador e muito falador, estava sempre a dar uma flor e a piscar os olhos e a dobrar as orelhas às fêmeas da floresta.

"Olá, tudo bem? Toma uma flor *wink* Toma uma flor *wink* Olá tudo bem? Flor. " dizia o Don Ursan. Um dia o Don Ursan lanchou pão com tulicreme e bebeu um leite com chocolate ucal e foi à danceteria. Chegou lá e havia duas gémeas a dançar! Depressa se pôs a conquistar!

"Olá, toma uma flor. Olá toma uma flor *wink*", disse o Don Ursan.
"Olá, obrigada." disse a Carina, que era a gémea da esquerda.
"Olá, obrigada." disse a Vânia, que era a gémea da direita. Eram ambas da margem sul do rio do bosque e vinham muito aperaltadas.
A festa estava muito animada e o Don Ursan já quase não tinha flores para oferta. Eis quando chega o Axel Pixel, o melhor bailarino da floresta.

"what's up" disse o Axel Pixel em estrangeiro.
O Don Ursan ficou muito arreliado, porque o Axel Pixel era mesmo muito dotado e depressa as Gémeas foram dançar com ele.

"Wuhuuu!" disse a Carina.
"Yeaah!" disse o Axel Pixel.
"Wuuuhhuuu!" disse a Vânia.
A situação era desesperante. O Don Ursan afastou-se cabisbaixo, mas depressa encontrou outra rapariga interessante, a dançar o twist.

"Olá, toma uma flor" disse o Don Ursan, dobrando as orelhas de forma muito atraente.
"Obrigada" disse a rapariga do vestido "mas estou acompanhada".

Muito desanimado, o Don Ursan foi para o piso de baixo. Pediu um leite ucal on the rocks ao balcão e ficou ali sentado. Era uma noite de disco na danceteria e havia muitos homens que gostam de outros homens.

"Então e a nós, não nos dás flores?" perguntaram os homens que gostam de outros homens.
"Estão é mas é malucos!" disse o Don Ursan, enquanto tentava conquistar outra senhora que, ele não sabia, mas só gostava de outras senhoras.

Nisto, disparado da outra ponta da pista de dança veio um menino que gosta de meninos, muito determinado, em direcção ao nosso urso desanimado.

"És homemfóbico? Vou-te en***r que é para aprenderes!" disse o menino determinado.
Nesse momento apareceu o Anjo Gabriel que o menino repreendeu:

"Não senhor, não podes andar por aí a en***r pessoas!" disse o Anjo Gabriel.
E lançou uma bomba nuclear na discoteca.

"Buuum" disse a bomba nuclear.
FIM