O Bukowski diz que arte é fazer uma coisa aborrecida com estilo. Esta frase tem muito que se lhe diga. É polémica porque há romances que conseguem a proeza de não obliterar o estilo em momentos muito empolgantes e com argumentos complexos. As descrições de guerra do Tolstói no Guerra e Paz são disto um exemplo, a cena do crime no Crime e Castigo outro. Aquilo que mais facilmente destrói o estilo é a necessidade de contar algo que está a acontecer. É por isso que os romances bestsellers estilo Código Da Vinci, com o devido mérito que têm e que não questiono uma vez que o mercado é livre e competitivo, são normalmente áridos em estilo. Coisas acontecem e o foco está no argumento, na premissa, que é, aliás, a preocupação principal dos cursos de escrita criativa. Não se ensina estilo, é impossível. O conceito, o argumento e a criação de personagens tem técnica que pode ser ensinada como se ensina a arranjar máquinas de lavar roupa. Uns serão melhores nisso e outros piores.
O mais potente, para mim, é o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa. Esse vai ao extremo disto de fazer a coisa aborrecida com estilo: o Bernardo Soares está simplesmente a atrofiar em situações diferentes, todas elas bastante limitadas, limitadas à própria consciência. Ora se encontra no quarto sombrio a olhar pela janela, ora a recordar uma conversa, ora a pensar na morte da bezerra enquanto mastiga um bife num restaurante. Não tem narrativa, são fragmentos ordenados, sem uma ordem especial aparente. O sonho é um tema central, o sonhar-se. Mas também consegue outra coisa que é a fusão da personagem com a obra e a fusão desta com o autor, tanto que os especialistas pessoanos, que os há, dizem que o Livro do Desassossego é o mais próximo da voz de Pessoa e que o Bernardo Soares é o heterónimo menos "afastado" ou o menos circunscrito, de todos os seus heterónimos. Dificilmente consigo pensar num escritor mais fascinante que o Fernando Pessoa. O facto de ser português apenas facilitou a coincidência de o ter lido, uma vez que basta andar pelo Chiado que passamos pela sua estátua. Para mim, está no panteão dos maiores de sempre do universo. E o estilo magnífico consegue transmitir uma coisa límpida, inteligente, natural e familiar, como se resolvesse um problema matemático com a elegância da melhor solução, aquela que utiliza o mínimo possível de palavras e recursos. É nesta limpidez e inteligência que se faz a diferença para outros escritores e poetas, detentores de um estilo fabuloso, mas que é manejado por uma consciência mais vaga e imprecisa e que deixa a sensação que a única coisa que se quer dizer - magnificamente aliás - é uma ordem: comove-te com isto oh leitor.
Fernando Pessoa a jogar xadrez, cheio de estilo. Obviamente que está no modo Álvaro de Campos, o engenheiro, porque o Bernardo Soares sonharia até perder por tempo e o Alberto Caeiro pastaria os peões em bonitos padrões ordeiros.
9 comentários:
E aqueles que forçam um estilo?
Odeio-os.
bucouskie lololol
És um gajo fixe. Tenho a certeza.
Toma lá: http://youtu.be/FvbCV6E0Wro
Porra anónimo, obrigado, isso é muito bonito.
anónimo anterior: wtf? :D
Alberta: sim, sim, há tanto disso e é do que mais odeio também :P
e ricardo reis não jogaria xadrez porque tinha medo de se apegar ao jogo e depois sofrer.
poça, esqueceste-te logo do melhor...
olá tolan, gosto muito de ti, não consigo ver relógio nesse jogo de xadrez
há aqui um bar chamado bukowski. é grande e acolhedor, mas escuro e baço. umas ruas acima há um outro chamado lebowski.
anónimo, acho que senhor inglês com quem ele está a jogar tem um relógio de pulso em cima da mesa e está com a mão em cima dele. Parece-me.
sim maat, ou então sempre que morria um peão desatava a chorar, não me lembrei dele :)
Pessoa num misto de místico e jogador de xadrez frente a um gajo que não batia muito bem dos cornos. Ou um gajo que não batia muito bem dos cornos frente a um gajo que não batia muito bem dos cornos. No caso de Pessoa, com estilo.
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