sábado, 31 de março de 2012

sofrer pelo Benfica

Os vizinhos do outro lado da rua têm uma televisão numa dimensão diferente do espaço tempo e gritam golo pelo menos 10 segundos antes de eu ver o golo na minha sportv. O festejo deste golo contra o Braga em períodos de compensação foi semelhante aqueles orgasmos dessincronizados em que um tipo está tempos e tempos a segurar ali no limite e depois vem-se mas sem orgasmo a acompanhar e quando tem o orgasmo uns segundos depois não se vem e fica ali num limbo. Mas é bom na mesma. Para culminar corri pelo corredor e atirei-me de braços abertos para o soalho de madeira com a intenção de deslizar como eles fazem na relva molhada ao pé da bandeirola de canto. Não deslizei. A minha camisola aderiu surpreendentemente ao soalho e o máximo que consegui foi alargá-la para um XXL e um faceplant. Mas já estou bem, obrigado.

sexta-feira, 30 de março de 2012

bloggers, i love you *

Clinic - Baby



verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade

Sim, sim, ainda estou a ler esta merda. Como seria de esperar, o John Gardner dedica um capítulo ao papel da Verdade na ficção. É um tema extremamente interessante, mas não tenho vontade de me alongar sobre ele de forma muito estruturada. Dá trabalho alongar-me sobre coisas dessa forma,  prefiro alongar-me como um gato que tive se alongava em cima do sofá e chegava a triplicar de comprimento só para garantir que não havia espaço para eu me sentar em frente à tv quando vinha da cozinha com as mãos ocupadas pelo tabuleiro da janta.

Este tema persegue-me. Este fim de semana o Miguel Esteves Cardoso disse no Expresso que usar facto reais e autobiográficos para escrever ficção é batota.  Diz que muitos escritores bons o fazem, mas não o deviam fazer, é batota, tem de ser tudo inventado. Isto é típico do perfil "anglófilo", até a própria provocação irónica em que o MEC é mestre.

Eu noto com algum espanto que, quando quero dizer a verdade, às vezes tomam-me as coisas alegremente como sendo ficção, como me sucedeu um dia na escola em que confessei uma asneira valente de livre iniciativa e o professor simplesmente não acreditou. E quando estou a mentir, como na ironia, por vezes tomam as coisas por verdade porque minto de forma muito mais descontraída e natural. Ainda por cima isto varia de individuo para individuo, se é de manhã ou de tarde, se estava com os copos quando o escrevi ou se estava sóbrio. Também não me quero alongar sobre isto.

De facto não me quero alongar sobre nada. Quero ser como um gato que tive que, quando fazia frio, chegava a ficar três vezes mais pequeno ao enrolar-se numa bola compacta. E triplicava de peso e era impossível de retirar do local incómodo que tinha escolhido para colapsar.

quinta-feira, 29 de março de 2012

carreguei esta cruz um ano...

Muito bem, parece que face às revelações da Quadripolaridades, o vencedor do BILF 2011 foi o Pipoco Mais Salgado e não eu. Parece que fui favorecido por alguém que não leva nada disto muito a sério e que este ano está outra vez a não levar nada disto muito a sério. *suspiro* Para mim isto resolvia-se com uma patuscada entre os nomeados e uma jogatana de poker ou um drinking contest.

Em 2011 bem que achei um bocadinho estranho ter ganho tantos votos nos últimos dois dias quando me encontrava em 2º. E como sou humilde, atribuí isso ao meu charme irresistível funcionar com uma espécie de delay!

Passou-se exactamente o mesmo com a Plaft, este delay. Da primeira vez que me viu, não só não ficou apaixonada, como disse que eu não tinha hipóteses nenhumas e ao fim de umas horas deixou-me num estado dostoiévskiano, como ego reduzido a nada, a recitar-lhe alexandre o'neil:

digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


Não quero recordar esses tempos amargos e febris. Até porque, depois de lhe recitar estes versos, tropecei literalmente e estatelei-me ao sair do bar (a única ocasião em que a consegui fazer rir).

Durante 1 ano pendeu sobre mim a aura do BILF, como uma maldição. É  algo que não desejo ao meu pior inimigo. Tudo aquilo que resulta para o comum dos mortais é visto como uma manobra pérfida de BILF. Dou-vos alguns exemplos de interacções em chats:

Tolan: Olá! :)) belo post!
kafkagirl18: vai bilfar para outra freguesia

Tolan: sei o que sentes, já senti isso :\
floribela82: ai sim? então vê lá se sentes esta: get lost bilf

Tolan: gostei do teu blogue. 
s_beauvoirftw: oh please... pensei que um bilf tinha uma abordagem mais original

Tolan: vou linkar o teu blogue! 
pinklife: dispenso, não quero que o meu blogue apanhe uma dst

Tolan: eu cá gosto muito de cães também. És francesa? parle français?
jadore_chiens: afinal a filha do vizinho dizia verdade! bilf!? é assim que tu espere arranjar une mulher decente? no internet?
Tolan: mãe!??
 jadore_chiens:quero netos, merde!

Tolan: também gosto muito de Tolstói :)
gigi86 IS OFFLINE

80% do salário devia ser para isto





mais Banksy (e outros) ao som de Twin Shadow

quarta-feira, 28 de março de 2012

umas coisas


Gosto muito que boa parte dos meus leitores pensem que sou eu que escrevo as cenas da Plaft e que ela é fictícia e fruto da minha esquizofrenia. Primeiro, fico lisonjeado pela confiança que depositais nos meus talentos de criação de uma voz feminina. Segundo, porque eu próprio também me interrogo se não é ficção e gosto que me relembrem dessa hipótese constantemente porque assim tenho de lhe fazer um reality check e isso dá-me uma desculpa clínica para lhe beliscar o rabo.

Terceiro, porque a solidão é aquilo que impele parte da nossa procura pelos outros e por comunicar com os outros e nos blogues isso tem um papel filha da mãe, isto é como o recreio do jardim escola em que perguntávamos "posso ser teu amigo?" e jogávamos ao bate pé e jogávamos à macaca com mestria a ver se a Inês reparava e dizíamos, quando nos zangávamos, "já não gosto de ti!" para, apenas uns minutos depois, partilharmos uma sandes com tulicreme. Gostamos de reconhecer a solidão em quem lemos porque acreditamos que quem não sente o mesmo não nos pode entender e fazer companhia: "se aquela pessoa não precisa de nada de mim, então não estou aqui a fazer nada, sou invisível".

como naquelas festas em que nos apresentam alguém que nem nos vê e não ouve aquela piada espirituosa que timidamente murmurámos para nós próprios, entre dois goles de gin tónico. Ou aquele amigo que mete nojo porque tem uma namorada e nós estamos na merda e o filho da puta não se cala com ela (desculpem L., R., J., J(2) e N.)

E no amor é extremo, nada dói mais do que ser desnecessário, especialmente quando é cristalizado no ciúme de sermos substituídos, é um convite a deixar de existir uma vez que não fazemos falta. Aceitamos ou rejeitamos esse convite em função do factor "personagem de dostoiévski" que há em nós, mas não se chega ao osso das coisas sem, pelo menos uma vez na vida, isso nos passar pela cabeça como um problema concreto a resolver. A minha solução é: não levem nada demasiado a sério porque um dia a vida trata de vos relativizar tudo, nem que seja nos breves segundos que antecedem a colisão frontal com um camião tir desgovernado a vir direito a vós na a1.

:)

la bombe atomique

Je ne voudrais pas arriver a ce point lá, mais, helas, ma votation ridicule aux BILF 2012 l'oblige. Il faut maintenant que j'utilise mon arme de seduction massive: le post en français. Oui oui mes cheries:

Le post...

...en français. Oh la la... calme.

Quand j'ai connu Plaft, elle c'est fait dificile comme le caraças. Je luis disait les choses les plus belles do monde, mais rien ne semblait l'engaté. On buvait des Marie Sanglantes, une aprés l'autre, j'etait deja un peut ivre, comme le bateau de Rimbaud et j'ai fait le truc do malabarisme avecq trois pamplemousse e j'ai imité le Canard Donalde, rien ne donnait.

Un jour, on est trés bien comme ça à parler de choses en general, et moi, comme qui ne veut pa la chose, je lui dit comme ça:

- Croissant! Fromage!

Oh, ele a fermé ses beaux yeux, et se mis tout a tremeliquer e moi je lui demande:'ó ó, na vês ó? tás a anhar ó quê?*' et elle "cala-te, fala-me mais em francês!" et moi:

- Rien de rien, non, je ne regrete rien. Champagne... Paris... Seine! Belle Dominique... Patin a roulletes... Camembert... Creme brullée... Jean Michel Jare... Alliance Française, Frére Jacques, dormez vous?

E Plaft est tombée dans mes bras, comme une chienne plein de chaleur, la langue de hors, toute atrapé pour moi.

Et voilá, si on parle français, c'est du bouillon de poulet.






*a pronúncia de torres vedras aparece-me quando estou nervoso

qualquer coisa que não batia certo (conto pornográfico)

Ela chateou-se com o marido, uma discussão a propósito de talões de desconto do mini-preço, ela esquecia-se sempre de levar os talões e quando chegavam ao mini-preço ele passava-se.
─ Não trouxeste os talões de desconto para os bifes de peru?
─ Não!
─ Nunca trazes os talões de desconto!
E a senhora da caixa a olhar para eles. A discussão tinha sido à tarde mas foi uma daquelas que a fez ferver por dentro porque ela fazia anos no dia seguinte e estava sensível e com expectativas elevadas. Depois de jantar bifinhos de peru e de deitar os miúdos ela disse:
─ Vou fumar um cigarro à rua.
E ele não disse nada, estava a ver televisão. Era normal ela sair para fumar, ele detestava o cheiro do tabaco e que aquilo envenenava crianças e as tornava estúpidas, mas não reparou que ela pôs saltos altos e que se perfumou.
Ela saiu de casa e estava uma noite bem agradável, nem muito quente, nem muito fresca, os estudantes do Técnico bebiam cerveja na rua e riam. Acendeu um cigarro assim que virou a esquina e entrou na rua das putas. Passou por uma e disse-lhe boa noite, passou por outra e disse-lhe boa noite também.
Depois quando estava sozinha um carro encostou ao passeio, o vidro desceu e um tipo disse:
─ Boa noite.
Respondeu ‘Boa noite’ e entrou no carro, sem sequer ficar surpreendida.
Ele não era muito bonito, parecia um pai de família normal, desses que vão às putas. Ela disse-lhe:
─ Temos de ir para tua casa ou um hotel, escolhe.
Foram para uma pensão no Martim Moniz. O paquistanês levou-os ao quarto e pediu para não fazerem muito barulho, que aquilo era um sítio digno.
─ Não façam muito barulho que isto é um sítio digno.
Ela olhava em volta, muito curiosa, nem sequer estava nervosa. Descalçou os saltos e pousou os pés na alcatifa sintética cheia de nódoas. Sentou-se na cama muito alta, com um colchão muito alto, de molas, que fazia barulho só de uma pessoa se sentar nele. Ele foi à casa de banho e quando saiu fez um ar de surpresa por ela ainda estar vestida.
─ És muito bonita. ─ disse ele.
─ Obrigado! ─ disse ela.
Despiu-se e meteram-se os dois debaixo dos lençóis e fizeram aquilo de várias e diversas maneiras.
Tanto era ele muito generoso para ela…
─ Toma, toma!
─ Dá-me, dá-me!
… como eram os dois muito afirmativos…
─ Sim! Sim!
─ Sim!
… como ele demonstrava preocupação pelos seus sentimentos…
─ Gostas?
─ Sim, dá-me!
... como se espantavam os dois pelo bom que era…
─ Que bom!
─ Que bom, que bom!
Depois de terem feito aquilo, ela pediu 200 euros que ele deu em notas de 50 novinhas. Pagou o quarto ao paquistanês e já na rua ele ia despedir-se com um beijinho mas ela pediu boleia até casa. Não falaram o caminho todo. Ele sintonizou o rádio na Nostalgia e foram a ouvir o It’s My Party da Lesley Gore. Ela gostava muito dessa música e aborreceu-se de chegar a casa antes de acabar de ouvir.
Despediram-se com um beijinho.
Antes de entrar no prédio, fumou um cigarro e trauteou a música mais um bocadinho, na cabeça e teve vontade de chorar mas conteve-se e passado um pouco estava calma de novo. Depois esmagou a beata, subiu as escadas, entrou e ele, já com o pijama vestido, perguntou-lhe:
─ Onde é que andaste?
─ Fui dar uma volta. ─ e deu-lhe um beijinho na testa, alisou-lhe o cabelo despenteado de dormir no sofá.
Lavaram os dentes e foram-se deitar.
Ela dormiu bem, com os 200 euros iria oferecer-se uma malinha da Furla em saldos muito bonita que vira numa montra e ainda sobravam uns trocos para compensar os talões de desconto do mini-preço desperdiçados, mas ele não, ele ficou às voltas, havia qualquer coisa que não batia certo.

terça-feira, 27 de março de 2012

complexo do pénis

Bem, chega de falar no BILF e não sei quê, às tantas até parece que estou a levar o concurso a sério e que é importante para o meu ego. Por isso, hoje quero falar num problema que afecta alguns homens e que me afecta a mim também: o complexo do pénis. Tenho um complexo a propósito do meu pénis.

É muito grande. Grande demais. Quando era adolescente tinha algum orgulho nisso apesar de ter sempre sido um rapaz humilde (não foi agora de repente que comecei a ser assim humilde…). O problema é que a palavra se espalhou e sem saber como, tinha sempre todas as raparigas atrás de mim. E eu, ingénuo, pensava que se devia à minha personalidade, à minha sensibilidade e sentido de humor. Tudo o que queriam era experimentá-lo e confirmar os boatos e as frases escritas nas portas de casas de banho de mulheres.
Quando o viam diziam “posso tocar-lhe?” e estendiam as mãos trémulas ou tornavam-se religiosas: “meu Deus…”, “Jesus…”, “Minha Nossa Senhora”… Deixavam de olhar para mim, eu deixava de existir, era aquilo e só aquilo, ficavam como que hipnotizadas. Claro que sentiam algum desconforto e medo, a princípio, mas eu conseguia ser meigo, com a experiência percebi que tinha de ir com calma ou alguém podia magoar-se.
Mudei de cidade algumas vezes mas rapidamente a palavra se espalhava de novo. Se eu queria conversar, ouvi-las, levá-las a passear, ao cinema, elas só queriam mesmo aquilo e mais nada, às tantas começavam a comportar-se como toxicodependentes em ressaca (uma das minhas alcunhas secretas era “Cavalo”) e a meio de uma conversa sobre Kierkegaard ou Radiohead gritavam de repente “dá-mo! dá-mo já!” e eu tinha de o dar uma e outra e outra vez e outra e outra vez. Para combater a exaustão das constantes solicitações recorria a pau de cabinda, fornecido por amigos africanos que padeciam do mesmo problema e que me aceitavam na sua comunidade como um igual, com quem podiam até desabafar.
De cada vez que recebo spam com “enlarge your penis” no subject, sinto uma alfinetada na minha auto-estima, parece maldade do destino, uma anedota cruel... E é por isso que entre mim e a Plaft, Sílvia existe amor verdadeiro. Ela não sabia de nada, pobrezinha, apaixonou-se pelas cartas, pelo sentido de humor, pela a alma sensível que vocês tão bem conhecem. A única coisa que comentou na nossa primeira noite, para aliviar o meu medo que me passasse apenas a ver como um objecto sexual ao seu dispôr, foi um singelo "jackpot!". Somente isso.

E pronto. Desabafei, num assomo de humildade e resignação, caso houvesse dúvidas a respeito do meu carácter e da minha vontade ou falta dela para ganhar concursos idiotas como o BILF cuja votação decorre até sexta feira que vem.

domingo, 25 de março de 2012

Caríssimas colegas cibernautas,

daqui fala-vos a Plaft, Sílvia.

Por favor, pousem as vossas forquilhas. O assunto de que venho falar-vos é sério e do vosso interesse.

É bem sabido por todas que começou oficialmente a época da caça ao BILF 2012. Ora, é também sabido que o Tolan não liga nenhuma a estas futilidades e posso assegurar-vos que nunca o ouvi sequer falar sobre isso e muito menos durante o sono, no meio de outras palavras estrangeiras como "Bukowski" e "Saviola".
Voltando ao BILF. Convoquei-vos por achar que se está prestes a cometer um erro irreparável, e com algum receio de que possa ter contribuído para isso. Peço por favor a vossa atenção.
É verdade, desde que arranjou Aquela Gaja, o Tolan pode já não parecer tão apetecível para as massas femininas como dantes. Estar sempre a falar d'A Outra é coisa para irritar qualquer tolanette que se preze, e com toda a legitimidade. Mas, enquanto namorada extremosa que sou, deixem-me contar-vos uma pequena história.

Eu também já fui uma tolanette.

Eu já fui como vós. É verdade. Também eu já passei madrugadas em claro a ler o Tolan, a desejar aquecê-lo nas noites frias de Inverno e quiçá de caminho preencher-lhe o vazio existencial (como sou uma mulher a escrever para mulheres, "preencher-lhe o vazio" é uma expressão que posso utilizar sem medos). Desligar-lhe a playstation, dar-lhe uma alimentação decente que não tivesse como base a pizza congelada do pingo doce, salvá-lo do seu eminente alcoolismo, enfim! e como doce recompensa da minha dedicação construir com o Tolan uma vida a dois sempre plena de romance, existencialismo e cartas de amor. Muitas cartas de amor.

É verdade, caríssimas. Mas o sonho comanda a vida. E assim, por meio de variadíssimas peripécias (sobre as quais falarei oportunamente na minha masterclasse "Como caçar um BILF"), aqui estou eu, com os pés em cima da playstation, e ali está o Tolan, a dar os toques finais num caril de frango extremamente bem cheiroso.

Eu percebo as vossas reservas. Mas reparem bem: Blogger I'd Like to Fuck? Caras amigas, o que é isso senão um apelo à nossa capacidade de sonhar? Sonhem prá frente! Ninguém vive para sempre, e eu tenho uma profissão de risco.


Mantenham o sonho vivo. Tolan a BILF 2012.

e não se pode extingir a ERC?

Apesar da ERC ter sido criada em 2005 pelo PS, em substituição da Alta Autoridade Para a Comunicação Social, ser bem moderna e ter agora a presidente o independente Carlos Magno (nomeado pelo PSD para ajeitar a privatização da RTP), este comunicado a propósito de um programa de natal da autoria do Sinel de Cordes, parece saído de um dossier guardado na Torre do Tombo:

«O regulador dos media assinala que o programa tinha "conteúdos de violência física e psicológica", "referências discursivas à sexualidade", "referências a pessoas concretas (com particular enfoque em figuras públicas)", "referências com incidência na dignidade humana e direitos, liberdades e garantias" e uma "linguagem grosseira", cenários que a ERC condena ainda para mais num programa transmitido na época do Natal, "momento associado a um conjunto de valores sociais e religiosos daquela quadra festiva" (... Cumpre apreciar, no entanto, "aspectos particulares do programa que poderão colidir com os limites legalmente definidos, verificando-se a eventual presença de conteúdos que, de alguma forma, desrespeitem a dignidade das pessoas, influam negativamente na formação da personalidade de públicos mais jovens e/ ou contribuam para a estigmatização de pessoas ou grupos"»

Não está aqui em causa qualidade do humor do Sinel de Cordes, um argumento que, de forma inusitada, tem sido referido por pessoas modernas e politicamente correctas para justificar o processo: «o gajo não tem piada, por isso, é bem feito». O ponto é que aquele comunicado poderia assentar num Ricky Gervais ou num Sacha Baron Cohen ou até num Herman José que em 1988 foi silenciado por rábulas ofensivas a personagens bíblicas e históricas. É uma questão de princípio, só. 

O patético da situação é que a ERC é completamente ineficaz, descredibilizada e anacrónica. Gastam dinheiro dos nossos impostos num organismo que se entretém a mover processos imbecis, a emitir opiniões e pareceres a que ninguém liga. A minha sugestão seria de rentabilizar a ERC e fazerem outsourcing para a Coreia do Norte ou Irão, onde os seus préstimos podem ser certamente mais valorizados.

sábado, 24 de março de 2012

graves irregularidades

Apelo à Comissão Nacional de Eleições para averiguar a campanha BILF 2012. Em última instância apelo a que as eleições sejam acompanhadas por Observadores da ONU. O Alfaiate Lisboeta está a ter apoio de dinheiros públicos da CML para ser eleito BILF 2012.

Em toda Lisboa é possível ver outdoors a promover o Alfaiate e o tema BILF 2012. Na entrevista à Meios e Publicidade o Alfaiate não assume o objectivo BILF 2012, numa tentativa de contornar a lei. Assegura que a campanha é “uma campanha de gente real para gente real".

Aqui uma moça real cheia de calor aprecia um gin tónico na relva, num momento típico da nossa cidade.

Aqui dois jovens reais evitam cair numa pose pindérica ao dar um beijo, não usando os braços e as mãos para demonstrar afecto.



Como se não bastasse o acima exposto, existem graves irregularidades no boletim de voto, com o nome do Alfaiate Lisboeta a surgir em duplicado:


A Ursa, responsável pelo lapso, afirmou que no fim somaria os votos das duas opções, julgando que sou ingénuo e não uma pessoa de direita. Qualquer pessoa de direita que se preze sabe muito bem o princípio da Unilever, Procter & Gamble ou Nestlé: aumentar o número de referências no linear aumenta a quota de mercado em volume.

Façam o que fizerem, vocês acabam por comprar uma merda qualquer à Unilever...



Até porque as pessoas compram e votam ao calhas e tendo o Alfaiate duas opções, tem 2 vezes mais probabilidades de ser escolhido. Mas não é só isso. Reparem, uma opção é "Alfaiate Lisboeta" e a outra é "O Alfaiate Lisboeta". Portanto, temos aqui uma espécie de detergente low cost para tapar o segmento C e D às marcas de distribuição, o informal "Alfaiate Lisboeta". Para os segmentos premium, temos o artigo definido, para conferir estatuto: "O Alfaiate Lisboeta". Quando somamos as duas referências, ele vai à bem à frente. Resulta.

Bom, era só isto...

Para mim o concurso é uma brincadeira, não o levo minimamente a sério e não faço questão nenhuma de ganhar... até porque a Plaft Sílvia me olha de lado quando falo nisso... não que eu fale nisso... se demonstro... se demonstro que queria ganhar, ela faz aquela... aquele olhar... de lado...  humpf. Só acho errado que pessoas como o Alfaiate se esforcem assim tanto e só pensem nisso... tipo, é só um concurso, acho que fica um bocado mal, mas cada um sabe de si.

sexta-feira, 23 de março de 2012

alea jacta est

Começou a votação no BILF 2012. Podem votar. Fui nomeado in extremis pela fiel Luna. Como esperava, tendo em conta a capacidade de mobilização de um certo lobby, o Alfaiate Lisboeta partiu já com grande avanço.

It's up to you ladies...



  Conto que alguns membros do lobby do Alfaiate sejam da onda bear. É a minha única chance.

sei tudo


As mulheres... sei tudo sobre mulheres, a Plaft não teve hipóteses. Sei como o perigo a excita e gosto de brincar com isso, gosto de a levar ao limite do desconhecido. "Onde vamos jantar, Tolan?" e eu não digo onde ela vai jantar e ela "a sério, estamos a ir para onde?" e eu não digo e queimo todos os semáforos laranja e, se não estiver demasiado fresquinho, abro as janelas do carro para o vento nos despentear de forma selvagem. Conheço-lhe as reacções, os instintos. Deixo-a fingir que controla a situação. Quando me diz "nepalês? hoje não me apetece nada nepalês" e eu "tudo bem, vamos a outro sítio então" e conduzo para outro sítio, a queimar mais semáforos, a mudar de faixa sem sequer fazer pisca e ela cheia de medo. "Estamos a ir para onde agora?" e eu digo "é surpresa" e assim sucessivamente até encontrarmos um sítio que ela goste. Não abro a porta do carro, dou a volta, ponho-me ao lado da porta e ela pensa que eu vou abrir mas eu só meto o espelho para dentro, acendo um cigarro e espero. Temos de as tratar assim ou elas fazem de nós o que querem e nenhuma mulher faz de mim o que quer, nenhuma, ouviste mãe? Não vou arrumar o quarto outra vez. Nunca mais. Ponho-as no lugar.

Depois fala dela, dos problemas, dos sonhos, do dia e eu oiço. Falo pouco, falo de trivialidades para disfarçar. Tenho demasiada dor, demasiado passado, para falar assim por toma dá lá aquela palha. Não posso. Iria assustá-la e ela não está preparada para isso. São crianças as mulheres, querem ser felizes, querem viver a fantasia do romance, do conto de fadas... ela não ia entender a profundidade de um escritor que faz flexões quando acorda de manhã para ficar suado e quente porque gosta de tomar banho de água gelada para tonificar os músculos doridos da noite de sexo selvagem e fica assim no chuveiro com o vapor a sair da pele como um cavalo puro sangue no fim de uma corrida antes de fazer a densa barba e vestir o fato italiano de 800 euros feito à medida para se preparar para o dia de negócios muito importantes. Não dá para explicar essas coisas a uma mulher.

Depois volto ao quarto antes de me ir embora, dou-lhe um beijo a cheirar a Denim e ela rosna por causa do meu cheiro másculo e da luz que vem da porta e tapa-se debaixo dos lençóis e eu sei, sei que se esconde e me insulta porque não se maquilhou e não está bonita. Elas são superficiais e inseguras, têm necessidade de projectar uma imagem.

quinta-feira, 22 de março de 2012

bilf 2012, alerta máximo

Vem aí o BILF 2012 e no departamento de marketing soaram os alarmes. Apesar de ser o BILF em título,  nem sequer fui pré-nomeado ainda e começam a aparecer nomes que o ano passado não existiam. A interacção nos social media caiu cerca de 53%, as tolanetes dispersaram-se e não existem mais clubes de fãs hardcore underground especialistas em sabotar os adversários mainstream. A sede da campanha, que em 2011 fervilhava de actividade, encontra-se vazia, cheia de pó, ainda com os confetis da celebração do ano passado espalhados por cima das secretárias e dos telefones.

Na opinião do Autor, isso deve-se a eu ter perdido a componente "ohhh coitadinho quero tomar conta dele" a partir do momento em que comecei a falar na Plaft, aparentando com mestria literária que nutria sentimentos afectivos por ela. Isso terá gerado uma debandada de afecto de leitoras para blogues de outros autores que, apesar de serem claramente uma segunda escolha, pelo menos estão livres e se calhar alguns até são pessoas decentes, com um emprego e tudo. O que é certo é que manifestar afecto por mim seria reconhecer o estatuto da Plaft como 1ª dama do BILF e isso elas não dão de bandeja, nem pensar, preferiam votar no Pacheco Pereira do que dar essa satisfação a uma mulher. Aliás, o Alfaiate Lisboeta está nomeado como BILF, só para dar aqui uma noção da dimensão do desastre que se avizinha.

O departamento de marketing começou por sugerir o despedimento da Plaft, mas essa solução está fora de questão. Indignei-me com o departamento por sequer ousar sugerir uma coisa insensível como essa, depois de todo o trabalho que tive para a conquistar seria uma grande insensibilidade para comigo. O empréstimo também está fora de questão. Talvez a suspensão temporária? Tenho de conversar com ela e tomar esta decisão em conjunto.

Se lhe explicar que ela tem de desaparecer uns tempos para eu poder conquistar as fantasias de cerca de 500 mulheres anónimas, interessantes e giras e que isso é relevante para a minha carreira literária, acho que ela compreenderá certamente, as mulheres costumam ser razoáveis nestas coisas.

quarta-feira, 21 de março de 2012

lição de moral



Tenho um super-poder que se tem desenvolvido com a idade e a experiência. Quando tenho um impulso a minha consciência alerta-me para o erro do impulso e aparece um impulso oposto, anulando o primeiro. Estou a tender para o zero.
Estava a brincar com a história do “super-poder”, é até bastante comum, chama-se maturidade e é por isso que os homens a sério tendem a falar pouco. Eu falo muito ainda, muito, muito, muito… Às vezes não me calo.

É muito injusta a apreciação que fazem de mim às vezes mas já nem reajo, suponho que será injusta a apreciação que eu faço dos outros ao achar que me apreciam mal. Viram? Foi um exemplo da anulação de que eu falava. Tenho medo de me anular num buraco negro. Mas também descobriram que afinal havia informação a sair dos buracos negros, na forma de raios gama. Talvez possa irradiar coisas!

Estou ficar incapacitado para lidar com o mundo do dinheiro. Cada vez me custa mais. Sinto-me como um psicopata mas ao contrário, ando a dar o dinheiro como raios gama. No outro dia dei um cigarro a um pedinte que me pediu um cigarro e que depois me ofereceu um lacinho cor de rosa com um alfinente e, quando me afastava cheio de pressa, ele gritou:
ISTO FOI UMA LIÇÃO DE MORAL!

Não sei o que quis dizer com aquilo. Afastei-me com pressa e com a desconfiança de que me fosse aborrecer mais. Ele pressentiu o meu desconforto e repreendeu-me à frente de uma dúzia de transeuntes? Ou gostou do cigarro e foi um agradecimento? Ambos? Zero.

CGTPop


GREVE GERAL, 2012
serigrafia
62x60cm
Colecção Berardo CCB

Tolan, agora em 3D







dain fagerholm

terça-feira, 20 de março de 2012

oração

Estou a ler o teu livro à beira do Douro, num banco num cais isolado, foi a Plaft que me o ofereceu pelos anos, mas ela também não te conhecia, tentou ler-te e atrofiou um bocadinho. Está sol mas está muito vento e tenho de pôr o capuz, a minha toca portátil. Para acender um cigarro tenho de fazer uma espécie de tenda com o casaco e aninhar-me todo torcido como os cães quando estão com frio.
A livraria colocou um poema da Florbela Espanca no meio do teu livro, por cortesia, parece que fazem isso em todos os livros que vendem. No Porto têm destas manias, são castiços e condenados à falência. Não li o poema, só vi que era da Florbela Espanca e, como se o vento soubesse da minha relação com a poesia, assim que abri o livro uma rajada levou a folha para a corrente forte do Douro. Que faça bom proveito ao mar.
Felizmente, foi o poema a voar e não o envelope com o salário da Plaft. Ela esqueceu-se do cheque num envelope dentro do livro. Quando vi o cheque pensei que era uma prenda para mim (a verdadeira prenda) e que o teu livro era um preâmbulo da prenda a sério - apesar do seu salário de pessoa de esquerda me dar vontade de rir.
Depois ligou-me muito aflita a perguntar se não havia um envelope com um cheque lá dentro e eu disse-lhe que sim por reflexo, podia ter dito que não.
Não percebo bem o teu livro, tenho de ser sincero, nem eu nem a Plaft, embora perceba uma nota de fundo e me estejas a ensinar qualquer coisa. Acho que o papel de certas coisas na arte, coisas mais radicais na forma, é o de expandir os limites das coisas mais consensuais que se farão amanhã.
Mas tens de nos dar desconto. A Plaft nunca revelou sequer um décimo do entusiasmo por qualquer coisa “cultural” ou “artística” como manifesta por uma francesinha especial ou uma coisa que são uns cachorrinhos que têm queijo e molho picante. Uma vez tinha tanta fome que parecia que ia chorar quando começou a comer. Eu nunca a fiz chorar com as cartas mais bem escritas que podes imaginar, a não ser quando ela já estava emocionalmente fragilizada com qualquer coisa (por exemplo, a tasca dos cachorrinhos estar fechada por ser domingo) e eu vou e aproveito para testar coisas literariamente comoventes que sirvam de elemento catártico para uma dor que não fui eu que pus lá.
E eu, eu tenho os meus preconceitos contra escrita que tem frases que as pessoas não dizem assim no dia a dia. Eu escrevo mais ou menos como falo. Mentira: comecei a falar como escrevo, inclusive, com a pontuação (particularmente as vírgulas) todas mal postas.
Também temos desconfiança de coisas muito sofridas , somos muito desconfiados disso. Tive um cão que tinha medo de ciganos, por exemplo. Há uma idade para a angústia existencial, costuma ser a adolescência, às vezes nas pessoas precoces é a própria infância. Se carregarmos essa sensação até à idade adulta então a profundidade dos abismos pode crescer ao infinito porque já não temos aquela esperança que, ao fim e ao cabo, reside nos corações dos jovens adolescentes, mesmo os mais desesperados, nem que seja o próprio corpo mudar para melhor como por magia e ficar mais bonito no espelho.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Rio de Janeiro



Fui ao Rio pela primeira vez na vida, num avião da Barraqueiro lá do brasil. Logo a chegar pelo ar percebi que era tudo um bocado absurdo, aquelas montanhas verdes, o mar, a água, não percebi muito bem o que ia lá fazer assim de fato e com um computador, não me parecia o género de sítio onde as pessoas levam o trabalho a sério. Também havia muitas casinhas, tipo milhões e milhões de casinhas com aspecto castiço, pareciam cabaninhas de lenhador.

Aterrámos e fiz o percurso Santos Dumont - Leblon, dentro de um confortável taxi com ar condicionado, um táxi "oficial". Paguei 70 reais. Depois de feitos os negócios e contadas as notinhas na mala, voltei para o aeroporto num táxi amarelo, daqueles com os quais sequestram pessoas e paguei apenas 35 reais, apesar de ter dado uma volta muito maior. Pedi ao taxista do taxi amarelo para me levar por "copabacana" (é copacabana, ficam a saber), ipanema e assim e vi aquilo. Foi giro. Vi o Pão de Açucar e o Cristo Rei lá ao longe. Eta mulher bonita, por todo lado. Praia, praia, praia, água de côco, o Arrumadinho a fazer jogging no Calçadão, enfim, tudo muito bonito e com aspecto de paraíso.

Falei com o taxista que era pretinho e honesto, não me assaltou nem sequestrou nem nada, fiquei muito agradecido. Era até bem disposto embora cheio de opiniões políticas de esquerda, preferia a qualidade de vida ao ritmo acelerado de São Paulo (yeah, tipo os alentejanos a criticar Lisboa...), contra a copa do mundo (tinha o argumento absurdo que os governos estoiram dinheiro em estádios e obras megalómanas hiper-inflaccionadas pelos prazos irreais destes eventos e pareceu-me desconhecer os exemplos de sucesso do nosso Euro e dos jogos olímpicos gregos, mas enfim...) e fazia acção social com música nas favelas. À procura de um ponto em comum entre nós, disse-lhe que havia de gostar de conhecer a Plaft que faz cenas desse tipo assim de esquerda e com artes.

Falámos de favelas, perguntei-lhe porque é que eu não tinha sido assaltado ainda e ele disse-me que a vida lá é normal, que o problema é a ostentação, usar fio de ouro e relógio caro é como botar minhoca na água. Disse-me que ali era seguro mas que mais para norte ficava o complexo do alemão e eu perguntei-lhe se esse complexo tinha alguma coisa a ver com a falta de colonialismo na devida altura como o resto dos povos europeus que resolveram esse assunto nos séculos XVI e XVII ou se era da vergonha do que fizeram aos judeus em meados do século XX. Não me respondeu, eles às vezes não percebem o que uma pessoa diz, temos de imitar o sotaque deles.

Ele explicou-me tudo sobre o Rio e as pessoas do Rio e pronto, risca mais uma cidade.

e para festejar os 500 fãs e o meu regresso à Pátria

terça-feira, 13 de março de 2012

e se minha escrita agora aparenta laivos de brasileirismo

... é porque estou lendo Clarice Lispector, a conselho da Plaft Sílvia. É raro ler mulheres ou ler autores sul americanos. Aqui é um dois em um. A ironia, é que gosto muito, combina bem. Talvez o que me enerve seja um homem escrever com aquele jeito de enrolar e inventar frases luxuriantes cheias de apalpadelas e coisas macias. Uma mulher está bem, eu deixo, mas só se for inteligente como a Clarice Lispector. Quando uma mulher deixa de ser inteligente, mas continua a escrever como uma mulher, acaba por escrever como o José Luís Peixoto e não queremos isso.

Homem que é homem, escreve como um americano ou um russo.

Um pequeno exemplo:


Clarice, no conto "O ovo e a galinha": «E eis que não entendo o ovo. Só entendo ovo quebrado: quebro-o na frigideira. É deste modo indirecto que me ofereço à existência do ovo: meu sacrifício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é, para quem já viu o ovo, um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver. Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe casca e forma. A partir deste instante exacto nunca existiu um ovo.» 


Bukowski: «Fiz uma omelete e estava bem boa.»

segunda-feira, 12 de março de 2012

tropicalia

Hoje na cidade frenética de São Paulo rebentou granizo e uma trovoada monstra com arranha céus em pano de fundo. Abriguei-me num boteco onde bebi uma cerveja. Caiu dilúvio bíblico de trinta minutos que não arrefeceu o calor húmido nem um pouco (amanhã deixo a gravata sossegada na gaveta). As ruas transformaram-se em rápidos e os carros correram mais lentos até a civilização fazer uma breve pausa. Serviu para me lembrar em que continente estou. Isso e a vegetação, verde escura e cerosa, que cresce por onde pode e retesa as fibras com a chuva, como se a cidade fosse um combate contra o chão fértil e misterioso povoado de fantasmas de índios que se esgueiram pelo asfalto e o betão. A luz do crepúsculo é muito bonita, depois de uma chuvada assim. Limpa o ar da poluição intensa e do pó e tudo brilha com muita nitidez.

sábado, 10 de março de 2012

vou ter saudades do carro

Beautiful Girl's reaction - part 2 - 1300hp twin turbo Corvette Z06

emel, não te metas com um passivo-agressivo procrastinador

Sou tão novinho e já tenho duas viaturas alemãs (uma não é exactamente minha e a outra foi o meu pai que me deu metade). A minha rua foi reclamada pela emel e a minha autorização de estacionamento da viatura que é minha expirou sem eu dar por isso. Descobri agora que expirou há uns meses e que fui coleccionando multas a pensar que era publicidade no pára-brisas. Nunca me ocorreu parar para ver que papéis vermelhos eram aqueles, só pensava "a Vodafone está mesmo desesperada, o que é que eles querem de mim!?" de cada vez que passava pelo carro. O outro, o mais potente e bonito, não tem a autorização da emel porque dá trabalho, tem de se tirar senha e esperar e eu não gosto de esperar. Então de vez em quando apanha uma multa se me deixo dormir de manhã e não o tiro da rua antes da emel atacar. É uma espécie de incentivo para acordar cedo. Tenho agora duas unidades de recebimento de multas no activo a competir uma com a outra. Três se contar com a da Plaft, Sílvia que já sofreu um ataque da emel pelo qual me responsabilizei. Como sou de direita, acho muito bem que a emel multe os carros e organize as coisas, desde que não tenha meios para me obrigar a pagar. Eventualmente, a emel fará as contas e compreenderá que pode realizar 20 ou 30% do seu orçamento anual se me aparecer à porta de casa com a PSP e um terminal de multibanco. Até lá, vamos encarar as coisas pela positiva.

Vou para o Brasil amanhã, São Paulo e Rio (em trabalho, claro) e tive de tirar os dois carros daqui da rua e deixá-los no único sítio num raio de 2km onde a emel não entra: o bairro social dos ciganos. Despedi-me das minhas viaturas com ternura e um até sempre e fui-me embora, acendendo um cigarro. Antes de virar a esquina ainda espreitei por cima do ombro. O meu carro alemão velhinho até parecia sossegado e pronto a dormir a sesta, mas o de 200cv tinha os faróis angustiados, entalado entre um 206 kitado e uma Ford Transit branca de 1995.

às vezes não consigo

Isto não é uma apreciação política, é meramente pessoal. Cavaco Silva é um homem anacrónico sem ser clássico, é primário sem ser simples, insensível, não tem humor e nunca brinca mas não é sério, não tem humanismo, defeitos interessantes ou qualidades para lá das que teria um homem remediado e respeitado pelas beatas da aldeia. É um provinciano mesquinho, tacanho, vaidoso, empertigado e ressentido. Pose de estado em frente ao espelho, não consegue existir nem descontrair, tem medo e, diz quem sabe, ele e a mulher chegam mesmo a ser dois azeiteiros sem mundo; duas caras de bacalhau seco, com apertos de mão indiferentes e contrariados, olhares baços, sem uma centelha de humildade e curiosidade. Não é rico, mas gostava de ser pobre só que não o deixam e quando diz que é pobre, todos ralham com ele de forma injusta. O coração, cheio de uma fé vazia. O Requiem de Mozart é uma dor de cabeça ligeira, um enfado, uma sonolência de domingo no sofá com naperons oferecidos pelo rancho folclórico. Cheira a incenso de capelas de Nossa Senhora, a naftalina de bandeiras nacionais bem dobradas na gaveta debaixo da gaveta dos peúgos e das ceroulas, a after shave do minipreço e a flores mortas.

sexta-feira, 9 de março de 2012

quando os matemáticos modernos conversam


─ Que rico lanchinho. Não sobrou nem uma Oreo. E falta pouco para o Dragon Ball, vou meter a gravar.
─ Acho que bebi demasiado ice tea, isto deve ter cafeína, começo com palpitações... O que se passa, Ludovico? Pareces mais stressado que um material com baixa termoelasticidade sujeito a fricção.
─Ontem falei com a tua irmã e disse-lhe que um dia ia descobrir a demonstração da conjectura de Poincaré e ela vai e diz-me “claro que vais, estás no bom caminho, é só procurares na direcção oposta de uma vagina”.
─ Deixa a minha irmã, é uma rapariga, elas não entendem. Devias esquecê-la. Já viste bem a pauta de notas dela? Parece um número binário... 1, 0, 1, 1 ,0... Esquece-a.
─ Eu não me consigo esquecer de nada. Lembras-te daquela vez que só por piada vimos o calendário no computador e andámos muitos anos para a frente?
─ Ainda te lembras de todos os dias da semana?
─ Sim! Até 2068, ainda bem que desviei a cara.
─ 30 de Julho de 2058?
─ Terça Feira. No outro dia quis ver se o rosto da tua irmã obedecia às proporções do número de ouro para perceber se era objectivamente bonita e ela deu-me um safanão quando lhe aproximei a régua e o esquadro da cara.
─ A minha irmã é completamente assimétrica! Se a tua pancada é simetria, porque não preferes antes a Inês lá da escola, é completamente simétrica.
─ E pesa 90 quilos, o rácio altura peso dela é claramente distorcido. Pelo menos não sou tarado por fractais, como o Flávio.
─ O que é que tens contra fractais?
─ Nada, nada, continua a ver o Dragon Ball.
─ Estás mesmo apaixonado, isso é extremamente preocupante. Olha que as olimpíadas são para a semana. Se não consegues ver que a minha irmã é assimétrica, como esperas ter objectividade perante os problemas de…
─ Não é nada assimétrica! Aposto contigo que os olhos estão no ponto intermédio do comprimento da cara, aquilo é claramente um rectângulo de proporção Phi, e a boca e o nariz estão nas secções de de ouro da distância entre os olhos e a base do queixo. É a mulher da minha vida! E aposto contigo a minha colecção de cartas de Magic contra a tua HP gráfica!
─ Os olhos ainda vá, mas o nariz nem penses, muito longe de 1,618 aquela proporção...
─ Não interessa. Eu acho a tua irmã bonita e quero casar com ela.
─ “Achas” Ludovico!? “Achas”? Como é que sabes que é a mulher da tua vida se não fizeste as contas? Não dizias que a Tânia era bonita e depois o Flávio mediu-lhe o rosto e aquilo dava 1,70 logo na forma da cara? Conta-lhe Flávio, conta ao Ludovico quando tu mediste a…
─ Tu mediste o rosto da Tânia?!
─  Eu queria ver se aquilo era um fractal, nem sequer me passou pela cabeça procurar simetria.
─Como pudeste fazer isso? Sem me contar! Eu até a tentei medir à distância com o Nível Topográfico do meu irmão que é topógrafo mas ela viu-me no meio dos arbustos e fugiu.
─ De qualquer forma ela mudou de escola, não sei porquê, não se adaptou à nossa.
─ Ludovico, não tens hipóteses com a minha irmã, mesmo que ela fosse simétrica, ela é tão primitiva que só come pão integral. Ela acha que uma derivada é tipo o queijo que é derivado do leite. Ela gosta de homens mais velhos e mais maduros. Tens de ser homem. Se tivesses barba como eu até podias ter hipóteses...
─ Tu tens barba? Tens um buço de pêlos tão fininhos que nem com um teorema de cauchy somavam um grama!
─ Claro que tenho barba! E se for preciso vou ali buscar a minha lâmina de barbear para vos calar!






(a pedido do vareta)

quinta-feira, 8 de março de 2012

quando as raparigas modernas conversam

Ontem foi o dia internacional da Matemática. Alguém se ralou? Não, pois não? Então agora tomem.


- Eu gosto muito destes modernos pensos.
- Eu também Dina, são tão francamente mais confortáveis do que a palha que a minha querida avó usava e certamente mais práticos que ir à capoeira apanhar pintainhos.
- Eu este mês sangrei profusamente. Estive vai não vai para espremer um destes para uma panela e fazer um arrozinho de cabidela para as visitas de domingo. Veio a casa o Padre Inácio, imaginem só.
- O Padre Inácio no sermão diz que não se pode confiar num animal que sangra e não morre.
- O Padre Inácio não percebe nada de raparigas modernas, minha querida, só de meninos de coro.
- Estes pensos são fabulosamente macios e absorventes, não me assam as bordas da cona como aquela marca mais barata.
- Não te esqueças que uma destas custa 15 escudos e as outras podem adquirir-se por módicos 8 escudos. A minha mãe quer que use a de 8 escudos, que para ela serve perfeitamente, mas a velha está na menopausa, tanto lhe faz... digo eu.
- Passa-me um cigarro minha querida.
- Toma. Celeste, trouxeste a vodka? Ai, graças a Deus, estou a precisar.
- Olhem, descobri uma coisa meninas, é uma lâmina de barbear própria para mulheres, para podermos depilar as pernas para estas apresentarem uma superfície suave e imaculada.
- Qual é a diferença para as lâminas deles?
- Nenhuma acho eu. É cor de rosa.
- Então vou continuar a usar a lâmina do meu irmão. O idiota pensa que tem uma barba forte porque vê aquilo cheio de pêlos e nem se recorda que só faz o buço uma vez por semana.




imagem retirada daqui

cheque mate

Podem assistir em directo e a cores ao Anão Gigante a dar-me uma tareia no xadrez. Por enquanto a igualdade material esconde uma óbvia vantagem posicional do micro desproporcionado que certamente se resolverá numa desvantagem material para o meu lado. Vamos ver. Se ele pensa que eu tenho medo de fazer a troca de rainhas está muito enganado. E vou fazer roque do lado da rainha nem que sacrifique uma peça. Levei duas tareias monumentais de um leitor do blogue que tem um rating de 1700 e tal . Devo dizer, contudo, que tenho 72% de vitórias e um rating de 1524 por enquanto, o que me deixa satisfeito. Ganhei a pessoas de diversas nacionalidades, alemães, ingleses e a um indiano pobre que jogava de um webcafé. Ao contrário do futebol, no xadrez não existe aquilo da surpresa do futebol, aquilo da bola ser redonda. Um jogador melhor ganha sempre a não ser que cometa um erro. E o erro retira o gozo à vitória do vencedor mais fraco. A magia só acontece entre dois jogadores do mesmo nível. Vem isto a propósito dos 5 golos do Messi contra o Bayern e da possibilidade do Benfica encontrar o Barcelona nos quartos. Coitado do Barcelona.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Namorar com uma actriz

Cena #5
─ O quê!?!? ESTÁS A BEIJÁ-LO!
─ Entornaste as pipocas todas!!
─ OLHA! OLHA AQUI! LÁBIOS A TOCAR EM LÁBIOS!
─ Estás encher o ecrã de dedadas. Ajuda-me a apanhar pipocas, está uma no meio das almofadas.
─ Olha o sentimento todo, olha tens as mãos na cintura dele e ele agarrou-te o pescoço aqui aos 32 minutos e 45 segundos, olha aqui as mãos e olha aqui as tuas, era necessário? Olha-me a tua cara de apaixonada! DIZ-ME QUE ISTO É 3D DIGITAL!
─ Tira isso do pause.

Cena #29
─ Estás a mentir. Não? Como é que eu sei? És actriz, podes fingir tudo. Estás mesmo chateada por ter dito aquilo? Desculpa... Mas estás mesmo chateada? Estás a fingir… não? Como é que eu sei? É a tua profissão, podes fingir tudo! Ok, estás mesmo chateada… Espera, volta para a cama! EU TAMBÉM ESTAVA A FINGIR QUE SOU PARVO! Ah ah, estava a brincar, estava a fing... VOLTA!

Cena #34
─ PÁRA TUDO! PÁRA TUDO! * Tolan sobe ao palco do teatro* PÁRA TUDO! Tu, tiras as patas de cima dela ou levas no focinho, não quero cá beijos e tu que estás a fingir que és pai dela, trataste-a mal na cena quatro do segundo acto, não voltas a falar-lhe nesse tom, ensaia lá isso melhor e com mais jeitinho *Tolan volta-se para o público* O que foi? Estão a olhar para onde!? Vão para casa! Não têm nada de melhor para fazer do que pagar bilhete para espiolhar a vida das pessoas?

estava a ver lixo no youtube e encontrei o video do baile de finalistas do meu curso de matemática aplicada



:')

segunda-feira, 5 de março de 2012

escrevi isto a ouvir em loop uma música (a arkansas do damien jurado) que postei no meu facebook mas a letra nem sequer tem nada a ver, é só a música e, tipo, o sentimento.

Às vezes a rever o romance tenho a sensação que aquilo que sou mesmo bom é em ter um blogue e, por exemplo, postar sobre rever um romance. O facto de escrever um romance dá um carácter sério a tudo isto digamos assim. Há dias, li uma citação do Henry James no On Writing do John Gardner a dizer que qualquer ficção longa na primeira pessoa é uma barbárie. E o John Gardner concorda. E chorei muito. É por isso que vou demorar 2 anos a ler o On Writing. Cada parágrafo abala todos os fundamentos da minha fé e preciso de… ahahah estou a brincar.

Mas a sério, não era preciso todo um capítulo sobre aquela cena da vaca da Helena de Tróia que gostava de ver os homens à porrada por causa dela como a Inês no recreio da primária. Não creio que o aspirante a escritor queira estar especialmente consciente da grandeza da Ilíada e de Homero. Foda-se. Isso é um pouco o mesmo que passarem youtubes do Maradona aos juvenis de uma equipa de futebol para os “motivar”. Ok, eu li as cenas todas do Homero (duas cenas). São fixes no sentido épico mas aquilo que mantém uma pessoa à tona da água são os 99% de coisas que se publicam. É disso que precisamos, a mediocridade amiga. O Homero, por exemplo, nem ganhou o prémio Saramago, era mesmo bom. Mas nem era disso que queria falar.
Queria falar de um quarto de hotel, do monstro das pringles, de levar um empurrão violento quando penso que estou acordado e quieto mas estou a ressonar, de um jardim romântico com uma gruta para patos, de peles coladas de suor que magoam quando se separam, de champanhe barato e morangos com nutela, de dois vultos ao longe varridos de um pontão por ondas gigantes enquanto tiravam fotos com iPhone, de patos a ensaiar as formações em ‘V’ e de orgamos de falar francês com tom de voz grave enquanto ela prova uma vieira caramelizada.
A cidade torna-se um musical e uma comédia quando estamos de mão dada ou então é o céu e as nuvens que fazem aquela cena bíblica dos raios a sair das nuvens no mar e eu penso tenho de me lembrar disto quando chegar a minha hora. Porque eu penso nisso às vezes, sem medo, mas mesmo assim um bocado aborrecido disto acabar nem que seja porque o sol vai inchar daqui a milhões de anos e engolir tudo isto numa bola de fogo mesmo que a ciência descubra o truque genético da imortalidade - apenas ao alcance da carteira das pessoas como eu (que escolheram o curso certo e nunca fazem greve). Eu gosto muito de vocês todos *

Bukowski disneyland

Koudlam : 'Alcoholic's Hymn' from Jamie Harley on Vimeo.

quinta-feira, 1 de março de 2012

...e por falar nas portuguesas mais bonitas e no amor e na solidão

testosterona, he has it!

É claramente a Pipoca que veste as calças lá em casa por isso não entendo como é que ele se safa de levar uma sova e uma carta do advogado, com com posts destes que até começam com um "e não é que assim do nada tive a oportunidade da minha vida e fiquei pregado ao chão" a propósito da partilha recente de um espaço físico com a Luísa Beirão que considera a mulher mais bonita de portugal. É que esse post está para uma relação como ir para uma jaula de tigresas esfomeadas barrado de bife tártaro está para a integridade física. Se eu escrevesse 1/10 disso teria provavelmente a minha roupa a voar pela janela ao chegar a casa. À minha casa. Com o cachecol do Benfica a arder, meio carbonizado aos meus pés e a Plafty à janela, pelo meio de fumo de mais merdas minhas a arder, coisas com valor sentimental e que fossem combustíveis.

Nem é correcto dizer que a Luísa Beirão é a nº1 no campeonato da beleza objectiva portuguesa. Objectiva porque, como se trata de uma modelo, é apenas isso que transmite e podemos assumir que não podemos ter sentimentos platónicos por modelos (embora os possamos ter por actrizes, cantoras ou deputadas do bloco de esquerda). No campeonato das modelos, a Helena Coelho por exemplo é a mulher mais brut... mais engraçadinha vá, a Plaft é muito mais gira.

Eu sei que não sou perito em relações embora a culpa não seja minha pois não as deixaram frequentar os workshops ideais para aprenderem a não me desiludir. Contudo, gosto de pensar em mim como um macho alfa que não se deixa subjugar e é espontâneo, viril e livre, até porque a Sílvia Plaft gosta dos homens assim e têm de ser assim todos os dias, 24h por dia ou ela zanga-se e quando ela se zanga é mau e eu tenho medo e tenho de ir a correr meter-lhe rape drugs no vinho.

Fico sempre deprimido quando vejo que estou para o Arrumadinho como o Manuel Luís Goucha está para o Homem de Neandartal no que respeita à masculinidade.

Eu identifico-me com o Bukowski. Eu esforço-me a sério para cultivar a minha misoginia militante e um niilismo afectivo e depois vem um homem que escreve sobre cremes, dietas, escritores tipo ken follet, revistas metrosexuais e sonha com ténis e acessórios de moda e chega ali e tungas, consegue rebentar a escala de i dont give a fuck bitch com uma candura, inocência e espontaneidade só ao alcance dos génios que fingem que são exactamente o oposto.

caixa de correio

Há uma caixa de correio a transbordar de publicidade no rés do chão, é a minha, sempre a vomitar cartas. Entre a publicidade há cartas importantes, das finanças, da emel, da edp, da epal…
Odeio a caixa de correio. Quatro ou cinco vezes por ano abro a caixa de correio e cai-me um chorrilho de publicidade aos pés. Compra-me! Paga-me! Desconto! Saldos! Oportunidade!

Já fiquei sem luz, sem gás, sem net e sem água, umas quantas vezes. Já me aconteceu ligar a água quente e ela não vir e pensar “ok, tenho de contactar a lisboa gás ou que raio é” e encaro isso com normalidade e resignação.

Em dias bons, depois de ler livros de auto-ajuda, vou lá abaixo e faço a triagem pacientemente, com dois sacos de plástico, um para as cartas que interessam e as outras que são para a reciclagem, a publicidade, os catálogos da la redoute, do ikea, as cartas dos inquilinos que já morreram ou que já partiram. O desespero dos filhos da puta que distribuem publicidade é tão grande que às tantas já enfiam os panfletos à força pelas goelas da minha caixa de correio aos murros. Panfletos da worten amarrotados, fliers da remax a perguntar se quero vender a minha casa meio rasgados pelo ódio. O ódio é recíproco.

E as cartas do Estado para o meu avô que já morreu ou da PT para a minha ex que já foi. E tenho de explicar tudo? Tenho de explicar que algures numa base de dados certos nomes deviam ser substituídos pelo meu? Para quê? Vou morrer! Eles também.

As cartas que interessam (que me pedem cenas de dinheiro de diversa índole) vêm sempre num filho da puta de um crescendo cronológico.

Estimado cliente, encontra-se a pagamento a factura referente ao período de xis a xis

Estimado cliente, na ausência de pagamento até xis seremos forçados a cortar o fornecimento de xis

Etc. e por aí adiante.

Oh como os odeio e aos papeis, às cartas. Eu pago tudo. Eu pago para não me chatearem. Não me chateiem. Eu sou um contribuinte líquido para o PIB português, eu ainda agora vendi uma cena para o estrangeiro, dinheiro em caixa para Portugal. Façam de conta que não existo, tomem o meu código do multibanco.

Tenho a sensação que um dia tudo vai cair de repente. Estou a fazer amor e arrombam a porta e sou levado pela PSP num carro patrulha algemado e espreito pela janela e ela diz-me adeus, em roupão, na rua e na esquadra espancam-me e eu dou o nib e o pin e o puk e o paf e o plim, só quero que não me chateiem, eu compro, eu pago, eu aproveito a promoção, tomem, só quero que não me chateiem.