segunda-feira, 28 de maio de 2012

excertos da correspondência secreta de Bento XVI, revelada pelo seu mordomo espião

O compromisso do mordomo, Paolo Gabriele, em cooperar com os investigadores aumenta o espectro de que prelados com altos cargos poderão proximamente ser relacionados com o escândalo da divulgação de correspondência confidencial do Vaticano que revelam lutas e intrigas aos mais altos níveis da Igreja Católica. - DN


(…)Graças a Deus pelas bonitas fotografias que me enviou Giselle Eloíse. Abençoadas sejam as Vossas formas fecundas, quando se encontra de joelhos a rezar. Obrigado por fazer as poses litúrgicas lhe pedi. É uma mulher de fé. Respondendo ao seu pedido, creio ser cedo demais para lhe revelar a minha verdadeira identidade. Desejei ardentemente encontrar-me convosco na minha primeira viagem ao Brasil, mas não tive tempo. Vim para a Conferência do Episcopado Latino-americano que se realizou em Aparecida, no Santuário de Nossa Senhora. É meu desejo que as mulheres deste “Continente da Esperança” tenham, n’Ele, vida plena. Gostava muito que a querida Giselle Eloíse tivesse nele vida plena porque, tenha fé, sou abençoado com um bastante grande. Também aproveitei para fazer umas compras. Espero que os bikinis lhe sirvam (…) 


 (…)meu querido amigo José António Saraiva, sei como se sente e Deus também. Aqui no Vaticano trabalhamos nesse tipo de jovens que colocam o pé em frente ao outro e põem a cabeça assim de lado, em pecado. Disse-me que nessa zona do “Chiado” em Lisboa havia muitos? Enviarei em breve o nosso scouting department. Temos uma frota de carrinhas a que damos o nome de Papapecados. Podemos enviar algumas para Portugal. Quando detectamos um homossexual, convencemo-lo a aderir ao nosso programa de reeducação por intermédio de panfletos sobre Jesus, uma rede e um dardo tranquilizante. Às vezes pomos a tocar Abba dos altifalantes da carrinha, como isco, parece atraí-los como crianças para uma carrinha de gelados. O programa tem sido um sucesso. Temos muitos pubescentes seminaristas que recolhemos da rua por esse método. Mas o trabalho não termina aí, porque alguns confessam que o seminário é o paraíso. Vestem as batinas negras e ficam todos vaidosos, dormem em camaratas, não há mulheres. São efeminado, vejo-o pela forma como se ajoelham e rezam, com as mãozinhas delicadas, unidas em prece, como abrem a boca de forma lânguida para lhes meter lá dentro a óstia. São uma praga e já nos criaram muitos problemas no passado (…)


 (…) caro Pinto da Costa, quando vem visitar-me de novo? Muito obrigado pela garrafa de vinho do Porto e pelo contacto da Giselle Eloíse. Tenho trocado correspondência com ela. Tenho de lhe elogiar o departamento de scouting, que pérola. Compreendo que com ajuda divina dessa categoria não terá certamente dificuldades em se sagrar campeão mais uma vez (…)

foi o step 3 que te safou, Plaft


  

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Prémio Literário 101

P oema absorto no absurdo
R evoluto mar suave de mim
É agora, é matar.
M orrem as palavras-pombas,
I squémicos seguidores do teu fundo
O rfão. 
L uta a manhã, maior
I nsinuando as minhas pequenas
T inas verdes de vento
E m imensos espaços estelares, em
R aiva
Á rvore maior do reino
R omã apodrecida de angústia redonda
I nterior de ti, de mim

O pacos. 

não tenho tempo

para escrever por isso vou inspirar-me num blogger famoso e despachar isto


Loud And Clear

Acusam-me, mas eu não reconheço autoridade a tribunais de outros. Não tenho medo nenhum, longe vai o tempo em que o tinha. Não encaro essa mudança como algo de positivo, mas pelo menos ando mais sossegado, talvez mais perto da morte, a arrefecer como um uma estrela anã no espaço. Tu foste cruel mas as coisas são o que são, foram essas as tuas palavras e talvez as tenhas dito sem entender o seu significado. Estou a anhar um bocado hoje. Vou ouvir Morrissey a ver se espevito um pouco.

I know I'm unloveable
You don't have to tell me
Oh, message received
Loud and clear 

terça-feira, 22 de maio de 2012

escrever e essas coisas!


A revisão da Plaft ao meu romance está a decorrer a bom ritmo, tenho apenas de rever a revisão dela porque tem a tendência de me alterar a descrição de personagens femininas de forma subtil, introduzindo um “a gorda da”antes de qualquer nome feminino, o que por vezes distorce o sentido original do texto, especialmente nas cenas tórridas de sexo que por acaso são muitas.
Ela tem um notável espírito crítico e sensibilidade para com o meu delicado ego. Gosta muito de um capítulo, diz que é genial e a melhor coisa que já leu e eu concordo, também é a coisa mais genial que eu próprio li e digo-o objectivamente apesar de ser suspeito. É certo que o romance tem mais uns 40 capítulos aos quais ela prefere não se referir e eu também não. As mulheres entendem destas coisas, criticar o draft de primeiro romance a um aspirante a escritor é como criticar a performance sexual de um adolescente virgem. É por isso que não existem escritores adolescentes virgens, é demasiado difícil (a Anne Frank não conta, para além de ser mulher, estava tudo ali à mão de semear, zero de mérito criativo).
Entretanto fiz um conto muito bom, cheio de páginas e se calhar vai para concursos desses das câmaras municipais e que sempre rendem dinheirinho, até porque com o andar das coisas na Grécia, pode dar-se o absurdo da minha profissão actual ser socialmente menos útil que andar por casa a inventar histórias e a mendigar subsídios e queixar-me das pessoas que preferem ir ao Pingo Doce em vez de ler Dostoiévski.

As pessoas de esquerda que vão tomar conta disto porque são resistentes como as baratas, gostam mais de escritores do que de consultores e vão-me subsidiar com notas de monopólio e galinhas e couves. Vou comprar um calendário de parede e vou preenchê-lo com tudo o que é concurso, como aquele senhor dos anos 80 ou 90 que recortava os cupons todos da tv guia para participar no 1 2 3, mesmo os do cabeleireiro e do dentista e toda gente da aldeia lhe dava os cupons (quero acreditar que isso dos cupons já não existe e que cupons se escreve cupons).

É o terceiro parágrafo consecutivo que termino com uma piada entre parênteses, é um mau recurso, tenho de rever isso (e muitos outros recursos, como dar a entender que percebi uma coisa e depois imediatamente o oposto para efeito cómico).

E estou a pensar há semanas no tema do 2º romance. A minha parte preferida nisto de escrever romances é a que antecede a parte de os escrever. Dá para idealizar um romance diferente todos os dias e são todos muito bons. Não gosto tanto da outra a parte, a de escrever mesmo um. Escrever durante dias a fio...  observar como o argumento se vai desenvolvendo... as personagens florescendo... como tudo se vai compondo numa obra épica e entusiasmante que parece provir do mais fundo meu ser... até culminar  no recycle bin do desktop.

Isto é como os objectos que se lançam para o espaço, há um ponto em que escapam à gravidade do juízo e conseguem viajar no infinito da imaginação para sempre.

Obrigado por terem lido este post. Usei uma técnica no título: colocar um ponto de exclamação. Viram? Deu a sensação de que o post era empolgante e cheio de energia, não deu? Um pontinho de exclamação, é tudo o que é preciso para se ser feliz!

domingo, 20 de maio de 2012

E se todas as equipas jogassem como Chelsea?



─ E começa a partida entre Barcelona e Real Madrid… Cristiano Ronaldo dá para Kaká, Kaká dá para Coentrão. Coentrão recua. Dá para Pepe. Pepe dá para Sérgio Ramos. Sérgio Ramos para Pepe. Pepe para Sérgio Ramos. Sérgio Ramos para… Pepe. E a equipa do Barcelona está toda no seu meio campo, mãos na ilharga, Xavi faz “heh toiro, heeeh toiro”… Cristiano Ronaldo recua, tira a bola a Pepe e vai, e vai , e vai Cristiano Ronaldo, passou o grande círculo, está a descair para a direita e vai direito a Xavi, Xavi foge e minha nossa Senhora! O que é isto! 5 jogadores do Barcelona não contemporizaram e caíram em cima de Cristiano Ronaldo! Perdeu a bola para Messi. Messi dá para trás para Puyol. Mourinho está muito insatisfeito com Ronaldo, diz-lhe para recuar. Messi dá toques no seu meio campo, um, dois, três, quatro, com a cabeça, o ombro, o público aplaude. A equipa do Real já se organizou na defesa e agora são eles a provocar o Barcelona para atacar. Pepe faz sinal com o dedo para Messi vir até ele, “anda Messi” parece dizer, “vem cá Messi, traz cá esse esférico”… E Messi está a dar um show de freestyle, já vai em 30 ou mais toques com a cabeça no meio campo do Barça, protegido por um cordão de jogadores de braços cruzados, parecem porteiros de discoteca, qué isso... Carlos, tu que estás junto ao relvado, aquilo são marcas no chão, onde os jogadores do estão?
─ Sim Júlio, antes da partida começar, os treinadores de ambas as equipas colocaram 11 xis com um pó vermelho no campo, é o sítio onde os jogadores devem estar sempre que estão na defesa e no ataque também.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

para ver os man man ao vivo eu pagava bilhete e tudo

o teatro de tchekhov e a comédia

Fui ver o Vânia na trindade. Fantástico João Lagarto na personagem do tio Vânia. Uma encenação  algo desastrosa, um elenco que conta com dois modelos a fazer de actores que fazem de personagens e ter feito chichi ao lado do Carlos Carvalhas no wc que tinha daquelas luzes automáticas que se apagam ao fim de algum tempo e ficarmos os dois às escuras com o coiso na mão, estragou-me um bocado o espectáculo.

Ignorante como sou, nunca me passou pela cabeça que Tchekhov fizesse comédias. Sempre interpretei aquelas coisas que escrevia no subtítulo das peças, tipo o "comédia em quatro actos" como irónicas mas pelos vistos não são. Acho a Gaivota comovente e triste do princípio ao fim e depois dizem-me que é uma comédia. Mesmo no campo da sátira, podemos comparar com Eça, que também satirizava muitos dos mesmo temas de Tchekhov: o provincianismo, o isolamento, as vãs vitórias, o prestígio e a vaidade social, o sentido da vida, os estereótipos etc. Mas Eça é leve, não tem a gravidade russa. O meu Tchekhov é o dos contos lidos com a minha voz interior e a sua comédia, para mim, resume-se um riso ternurento e melancólico (assim como a sua tragédia que nunca chega às profundezas de cortar à faca de um Dostoiévski). No fundo, acho-o próximo da vida e não consigo ver as suas personagens como caricaturas. Nunca podia prever as gargalhadas gerais como as que encheram a Trindade a espaços e que me desfocavam do drama - como se para isso não bastasse o Pedro Lima e a Teresa Tavares darem a sensação de se assistir a uma espécie de distopia em que Tchekhov viaja no tempo até aos nossos dias e é obrigado a trabalhar como argumentista de novelas para sobreviver.

As pessoas podem passar do riso ao choro e vice-versa, mas a inércia do riso é maior do que a inércia do choro. É possível acordar de um momento dramático para um riso suave, como quando fazemos rir alguém que está a chorar, com uma palermice qualquer. No teatro, basta uma mímica corporal, como o João Lagarto a fazer de bêbedo. Mas demora mais a entristecer ou abalar alguém que esteja num estado de espírito leve, de riso. Daí a expressão "alívio cómico" (comic relief) pois o alívio cómico serve apenas de respiração e contraste num sentimento dominante de tragédia, sentimento que no meu entender seria dominante no Vânia.

 Leio que encenadores, no início, interpretaram as suas peças como tragédias ou dramas, eliminando a componente de comédia para irritação de Tchekhov. E que depois se fizeram novas interpretações com a introdução da comédia. Talvez a actualidade e o potencial infinito das peças de Tchekhov advenha dessa ambiguidade plástica. As peças que Tchekhov escreveu não têm praticamente direcções nenhumas, estão lá as falas, pelo que o mesmo texto pode ter um sentido e um peso completamente diferente consoante a interpretação, encenação e a sua representação. No caso da leitura, o texto tem a entoação que a nossa voz interior lhe der. No teatro, estamos à mercê da encenação e dos actores e para mim isso é um bocado esquisito ainda, uma vez que implica uma atitude passiva perante intermediários entre mim e o meu Tchekhov. É bom que os intermediários sejam muito competentes.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

bom dia pessoas de diversos campos ideológicos

Ultimamente sinto-me com um pretinho da motown dos anos 60: há muitas injustiças e opressão contra mim e muitos problemas no mundo, mas em vez de roubar ou partir tudo como seria de esperar, eu quero é cantar e dançar e dar beijinhos à Plaft. Não vejo um telejornal há meses. Só vou saber de novidades da crise quando ficar desempregado e o meu cartão não abrir a porta do escritório. E vou ficar contente porque posso voltar para casa mais cedo e passar esse dia todo com ela. E o dia seguinte. E o outro. E um dia vou ao multibanco levantar dinheiro para lhe comprar flores e vão sair notas de cinco contos mas o florista aceita na mesma. Se calhar, com a inflação, uma flor vai vai custar 500 contos ou algo do género, mas não me importo, vai receber uma flor de 500 contos, ainda tem mais valor psicológico. E não como nesse dia, para poupar, digo-lhe que estou mal da barriga e que fico bem a pão e água, enquanto ela come o bife do lombo que me custou 3 mil contos e eu choro de felicidade. Felizes. Sim. E ela continuará a ter as suas peças de teatro que, devido à falência do estado e dos subsídios, se vão desenrolar no meio da rua, com cenários desenhados a giz no chão. E o público elitista trará couves e cenouras, cultivadas nas suas hortas urbanas, para alimentar os artistas. E seremos felizes. Um litro de gasolina custará o seu peso em platina. A relva vai crescer debaixo do carro alemão e cravos vermelhos vão sair do tubo de escape. Um casal de esquilos fará a casa dentro da capota do motor e todos os dias de manhã vai acenar bom dia com as patinhas e nós acenamos de volta, da janela. Não sei porque é que as pessoas se preocupam.

domingo, 13 de maio de 2012

Excertos do livro infantil “A Crise Explicada às Crianças”, por Vitor Gaspar



Os pais de Tomás eram de direita. Trabalhavam muito nos Grandes Mercados e eram muito felizes e bonitos. A mãe de Tomás estava a fazer uma deliciosa tarte de maçã na cozinha e Tomás estava a estudar engenharia, quando o Pai de Tomás chegou a casa muito contente, com um jogo de Playstation muito fixe para Tomás e um perfume francês para a Mãe de Tomás.
─ Uma prenda? É para mim? - perguntou Tomás, muito espantado, pois não fazia anos.
─ Estás tão contente porquê? - perguntou a Mãe de Tomás.
─ Fui despedido querida! Era a oportunidade de que estava à espera! Lembras-te daquela empresa exportadora que sempre quis montar? Pois começo hoje mesmo, depois do jantar.
─ Parabéns! - exclamou a Mãe - Sei como isto era importante para ti. Vou fazer gambas!
─ Sim querida! É uma oportunidade.  E sabes, não aceitei ser formalmente despedido, porque assim o Estado ia dar-me subsídio de desemprego e agravar o deficit. Assim que o chefe me disse que ia ser despedido, despedi-me eu!
E beijou Tomás e a Mãe, unindo-os num abraço. Tomás tinha muito orgulho no pai, mas tinha uma dúvida.
- Ó pai, o que é o deficit?
Os pais de Tomás olharam um para o outro. Chegara a altura da pergunta complicada. Sentaram-se no bonito e confortável sofá italiano.
- Querido filho, já és crescido e tens de compreender certas coisas. Sabes, nem toda gente é como o teu Pai, trabalhadora e optimista. ─ disse a Mãe.
- Não? - perguntou Tomás, muito espantado.
- Obrigado querida. Não, filho. Há pessoas que vivem do dinheiro que o pai faz nos Mercados. O pai tem de trabalhar o dobro para te poder pagar o colégio. Porque grande parte do dinheiro vai para as pessoas de esquerda alimentarem o monstro do deficit.
- O deficit é um monstro, pai? ─ Tomás arregalou muito os olhos.
- Sim filho. Um monstro socialista enorme, com escamas, grande boca cheia de dentes e muito comilão. Come dinheiro e está sempre com fome de mais e mais. As pessoas de esquerda gostam dele e dão-lhe de comer porque em troca o monstro dá-lhes rendimentos mínimos, empregos no estado e subsídios para fazerem filmes. Lembras-te daquele filme que a tua mãe comprou por engano, do Cesar Monteiro, o Branca de Neve?
- Lembro! Era horrível pai! O ecrã todo escuro! Só vozes! Tive muito medo.
- Bom, mas não falemos de coisas tristes! - exclamou a mãe - Vamos para a mesa festejar!


Entretanto, na margem sul, Tomé tinha pais de esquerda e brincava com um velho pião de madeira e um carrinho de lata, no chão da cozinha, indiferente aos tiroteio entre ciganos que decorria todos os dias na rua aquela hora. Estava a distrair-se um pouco antes de ter de cozinhar o jantar. A mãe de Tomé não trabalhava, vivia de baixa médica e ficava na cama a fumar o dia todo e a comer chocolates. O pai de Tomé era sindicalista e chegou a casa muito corado e a cheirar a vinho.
- Fizeste o jantar? - perguntou o pai a Tomé.
- Ainda não pai, desculpa.
O pai de Tomé assentou-lhe um estalo com muita força no ouvido. Ele caiu para o lado e ficou atordoado. O pai foi buscar cervejas ao frigorífico e voltou para o pé de Tomé.
- Pequeno camarada, esse estalo, não fui eu que te dei. Foram os mercados, entendes? - disse o pai.
- Sim pai.
- Os mercados é que me obrigam a beber para suportar o terrível trabalho de que sou vítima. Entendes?
- Os mercados são maus, pai.
Do quarto onde dormia a mãe ouviu-se um lamento prolongado, como um uivo de um animal ferido.
- Despacha-te a fazer o jantar, a tua mãe está com fome. Vê o que os mercados lhe fizeram. Ela não era assim. Sabes porque está assim?
- Sei pai,os mercados.
- Os mercados... malditos.... A tua mãe era muito bonita e alegre. Ainda me lembro de quando a conheci na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Tinha uma sexualidade livre, foi o que me atraiu nela. Todos os professores gostavam dela e tinha excelentes notas. Era assim, cheia de amor  para dar a todos, a tua mãe. Às vezes iniciava jovens de cor na vida sexual para combater o racismo. E olha como está agora… E sabes porquê, pequeno camarada?
- Os mercados pai?
- Exacto. Os mercados. Não deixaram que o nosso querido deficit lhe desse o emprego de filosofa que ela pretendia, foi obrigada a trabalhar numa empresa privada, explorada pelo patrão… Às vezes chegava a fazer uma hora a mais de trabalho. Um dia, tinha trabalho para fazer em casa, num fim de semana e foi aí que entrou em baixa médica. Pobrezinha.
 O pai de Tomé chorou lágrimas amargas de socialista, com a mão tapando a cara vermelha e inchada do vinho.


Tomé tentava concentrar-se na cozinha enquanto ouvia o pai choramingar e os lamentos guturais da mãe. Para poder mexer nos tachos tinha de se pôr num banquinho manco e às vezes desequilibrava-se e agarrava-se ao fogão, queimando as pequenas mãos frágeis de criança.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

bom fim de semana

O dia está bom para espetar aqui com o God do John Lennon. Ouvi e senti-me muito comovido, aquela música tem esse efeito, quando ele chega à parte do "the dream is over" e do "goodbye" e do "now I am John" é quase certo que começo a chorar. É tão comovente. Dá vontade de ir tirar fotos em falésias. Mas não pode ser. A música é extremamente útil se tivermos alguma racionalidade na sua aplicação como um antídoto e não como potenciadora de emoções, digamos assim, negativas, que já existem, a não ser para banda sonora de um filme. Só que aposto que as personagens do próprio filme, nas cenas dramáticas, se sentiriam ainda pior se pudessem ouvir a banda sonora que o espectador ouve. O pai da Alice não aguentava um minuto sem se atirar para debaixo de um autocarro. Nós estamos de fora, a ver. Também se pode usar isso no caso de se estar a escrever uma coisa que tem de ter essa atmosfera. É injusto, um escritor pode ouvir uma música comovente para ser comovente a escrever mas um compositor não pode ouvir outra música comovente para compor música comovente (pelo menos, não ao mesmo tempo) tem de partir sempre dele próprio e do silêncio. Para o funeral do meu pai escolhi a Balada do Outono do Zeca Afonso (não houve cá padres, o velório estava cheio de oficiais desertores e alguns haviam de ser comunas, a minha mãe achou que seria perigoso). Pus o CD a tocar com o caixão aberto na sala do velório e a meio da música arrependi-me muito de não ter escolhido o Locomotion da Kylie Minogue (já usei esse truque). Mas não podia voltar atrás a meio da música. Se tivesse ali o meu equipamento de produção de música ainda teria feito um crossfade perfeito para o Sexy Boy dos Air. Tanta gente ali reunida e bem vestida... acho que nunca estive numa festa tão deprimente. Mentira, estou a esquecer-me de uma festa de branco na Kapital para a qual fui arrastado pela minha própria curiosidade mórbida. Meu Deus... Não quero falar nessa festa.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

o fantasma de pijama

Ler as crónicas do Miguel Esteves Cardoso a propósito do cancro da mama que atacou a sua mulher Maria João e que, entretanto, já criou metástases no pulmão e no cérebro, mexeu comigo. Estão lá as descrições da radioterapia no IPO, a neurocirurgia do hospital de Santa Maria e aquela sensação de passar para um negativo da vida. O meu pai morreu com um tumor cerebral em Fevereiro de 2008, um ano depois do diagnóstico. Eu escrevi, no blogue que tinha então, vários textos sobre isso, desabafos. Se por um lado sentia algum receio de exibicionismo, por outro lado era uma necessidade, ajudava-me (este não foge à regra) e podia ajudar outras pessoas apenas pela ideia de partilha. Foi um inferno mas foi mais duro para a minha mãe que era casada com o meu pai há mais de 30 anos. O diagnóstico que recebemos logo depois da primeira biopsia era de um ano de vida no máximo e a opção que ficou limitava a escolha entre mais qualidade e menos tempo, ou retirar-lhe um bloco do cérebro para viver mais uns meses como um vegetal. Se o diagnóstico tivesse nem que fosse 0,1% de esperança, ter-me-ia agarrado a isso com unhas dentes e espero que ela exista no caso da Maria João. No do meu pai não tinha e havia que encarar isso de frente. Os amigos e familiares mais próximos entendiam a situação, mas as pessoas de uma esfera mais distante tinham dificuldades. Não por culpa deles (bem intencionados) mas por não termos a crueldade de encavacar aqueles que, cheios de boas intenções, perguntavam se ele “está melhor” de um glioblastoma agressivo. As pessoas também precisam de uma reserva de fé para as suas próprias vidas e temos de ser modelos.
No meu local de trabalho, em 20 e tal colegas, talvez só 2 ou 3 mais próximos soubessem da minha situação familiar, para preservar a normalidade. Lembro-me que um dia tive mesmo de calar uma dessas pessoas que me perguntava pelo meu pai todos os dias e tive de lhe dizer não tem cura, é certinho que vai morrer e ela ficou meio em estado de choque por eu estar a fazer o start up ao windows enquanto lhe dizia aquilo mas depois pelo menos deixou-me sossegado a mim, ao meu pai e ao nosso glioblastoma de estimação. A morte foi varrida das casas para os hospitais e temos uma relação algo neurótica com ela. Se alguém sobrevive a uma doença é porque a venceu. Venceu a adversidade. Não consigo pensar assim, uma vez que implica que os outros, os que morreram, não venceram. A vitória é relativa, cada um terá a sua. A minha será não ser maricas nestas ocasiões porque era precisamente esse o meu instinto. Uma vez, em Santa Maria, fiquei petrificado a ver o meu pai ter um ataque de epilepsia, nem me consegui mexer e depois dos enfermeiros se precipitarem sobre ele, saí da sala e vim fumar um cigarro na rua, a tremer. A minha mãe não era mariquinhas, fazia tudo, assistia a tudo, tratava de tudo. Na neurocirurgia lembro-me de ver um miúdo magrinho e franzino, com cicatrizes da operação no crânio e uns olhos enormes. Andava por ali a arrastar os chinelos, curioso, a espreitar para os quartos, como um pequeno fantasma de pijama extralargo. Os pais ofereciam-lhe peluches e forçavam sorrisos debaixo daquelas luzes néon frias. Ele tinha o mesmo tipo de tumor do meu pai. Apesar de imagens assim serem provavelmente comuns em sítios assim, não são comuns para quem neles entra pelas primeiras vezes. E o certo é que saía de lá com a sensação de ver o mundo todo do avesso, como uma criança de seis anos que está a ser traumatizada com filmes do Ingmar Bergman e do Romero.
O que é a vitória? Condicionam-nos para as vitórias erradas toda a vida. Não ser feliz e são é apenas um dos fracassos. Os modelos são de saúde e força. A publicidade vende uma felicidade de plástico, impossível de atingir, a tecnologia faz progressos diários mas a maior parte das vezes fúteis, é ela que cria a sua própria necessidade: precisamos de mais memória, mais ecrã, mais comunicação e por aí fora. Parece que resolvemos tudo ou estamos em vias de resolver. E depois, no que respeita a cancro, apesar dos tímidos avanço da ciência, mergulhamos numa espécie de obscurantismo primitivo, num grande mistério que decorre com regularidade em locais como o IPO ou a neurocirurgia de Santa Maria. Depois do funeral, os dias seguem-se, indiferentes, fica um buraco, um vazio. Se tivermos de pensar em coisas positivas disto, há algumas. A minha mãe ficou muito mais forte. Também se descobriram amigos novos e uma solidariedade até ali invisível. De facto não estamos sozinhos, é isso que sinto ao ler uma crónica do Miguel Esteves Cardoso sobre a sua querida Maria João ou como me sentia na sala de espera da radioterapia do IPO que nunca estava vazia. Também se relativiza mais a noção de "ter azar" ou outro tipo de desgostos como aqueles próprios dos desamores. O funeral é bonito e catártico, aparecem pessoas de que gostamos sem termos de as convidar como sucede nos casamentos e nos aniversários, conhecemos outras pessoas que gostavam do nosso pai e que estão, misteriosamente, ali, vindas de um passado que nos é desconhecido. De resto não se aprende muito. Pode-se pensar numa revelação do que é importante na vida e de todas essas tretas, de sentimentos que muitas vezes se encontram diluídos porque as ambiguidades próprias das relações humanas, especialmente entre família, desaparecem perante o fatalismo da separação em vida. Assim, a sensação de estar sentado ao lado do meu pai a ver as folhas de um pomar a agitarem-se com o vento e cães a correr, passa de visita de rotina de domingo, para o grau de momento sagrado. Mas não é uma lição necessária, é até bastante dispensável. A consciência do momento sagrado advém da consciência da sua inevitável perda. Se para essa consciência é necessário pormo-nos a pensar que todas as pessoas que amamos podem morrer a qualquer momento e que caminhamos sobre o gelo fino da saúde, vamos ser, no mínimo, uma companhia um pouco deprimente. Só somos eternos quando esquecemos que somos mortais. Gostava muito de poder dizer que uma coisa dessas faz uma pessoa ficar mais sábia mas fiquei sem vontade de fazer perguntas, eu que fazia tantas e pensava tanto. Desde 2008 que não meto os pés num médico porque acredito que quando estamos fodidos eles não nos conseguem ajudar e só nos vão dizer para deixarmos de beber e de fumar. É irracional, eu sei e estou a tratar disso. Abrir a caixa de correio tornou-se um suplício porque detesto essa ideia de existir um mundo que exige coisas de mim mas depois não consegue curar a merda de um cancro a um filho, quanto mais a um pai. Às vezes dou comigo melancólico em momentos felizes e simples porque não os posso partilhar com ele e queria, como quando o Benfica joga bem. Ele ia gostar muito da Plaft sem o admitir e depois ia manifestar-me a sua perplexidade por ela gostar de mim, ia tentar descortinar o seu problema, alguma coisa que explicasse aquela improbabilidade. Tendo em conta a personalidade de ambas as criaturas, não me custa adivinhar que em pouco tempo iriam interagir num tom sarcástico tendo por alvo a minha pessoa amuada e as suas idiossincrasias. Também ia gostar do carro alemão sem o admitir e ia manifestar a sua perplexidade por me terem dado um carro assim, quem é que eu tinha enganado, quando é que vão descobrir. Depois ia abrir e fechar a porta para ver se o fabrico é bom, examinar o motor, tecer considerações obscuras de engenheiro, mexer nas coisas perante os meus protestos, com sorte não me desmontava aquilo às peças para examinar e descobrir falhas ou sinais de má manutenção. E pronto, este texto não tem conclusão, mas há temas assim também e uma pessoa se quer conclusões depois acaba por não começar nada.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

o pior realizador de sempre é o Tim Burton

O Tim Burton é o pior realizador da história do cinema. Faltam-me palavras para descrever a náusea crescente que sinto a cada novo cartaz com o Jonhy Depp com maquilhagem gótica e a Bonham Carter nos créditos. Desde a Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), ver filmes do Tim Burton começou a ser cada vez menos agradável e neste momento, um filme como aquele das sombras, ameaça tornar-se numa experiência semelhante à do visionamento do filme do Castelo Branco no menage com o empresário do norte e a saca de batatas, uma espécie de "porque é que eu estou a ver isto? já estou de novo naquela parte da internet, foda-se"

Ao contrário de Ed Wood, o "pior realizador de sempre" e por quem o Tim Burton nutre um fascínio que resultou no excelente filme homónimo,  Tim Burton foi um génio nos finais de 80e durante a década de 90 e o mau nele acabava por ser bom porque era o mau dele.

Depois, desde que se amancebou com a Bonham Carter aí em 2002, arranjou filhos etc, acabou-se. Está no seu direito,mas podia ser só um bocadinho menos mau, como o Spielberg que até faz umas coisas fixes de vez em quando e compensa e, sobretudo, diferentes foda-se, diferentes. Cada filme do Tim Burton parece uma versão estúpida de um filme melhor que fez antes, é uma espécie de Margarida Rebelo Pinto dos filmes alternativos. Como vive dos louros de ser um tipo que fez cenas de culto e muita fixes, e tem o Jonhy Depp que é fixe e indie, consegue ainda o extra de não ser considerado assim tão mau e até fixe e até artístico, que não é, pois desapareceu completamente o lado experimental do seu cinema, triturado por uma mentalidade de estúdio fábrica de efeitos digitais. É deprimente ver toda aquela matéria prima a ser destruída, a sensação de "isto podia ser um bom filme de entretenimento" e não, fica tudo transformado numa espécie de cruzamento de Filipe La Féria com Disney financiado por um Rui Rio que descobriu petróleo nos jardins de Serralves.

E é por estes motivos que ele é o pior realizador de sempre, lembra-nos a pior coisa que nos pode acontecer na vida: a perda de curiosidade. É nesse momento que se fica velho.

Em breve volto a escrever sobre os The National. Estou a brincar... estou?




terça-feira, 8 de maio de 2012

vinho da madeira e cerveja

Acordei com os palavrões da Plaft e o som de uma roçadora a gasolina a desbastar a sebe do jardim da frente, mesmo por debaixo da janela do quarto. A minha almofada foi puxada num safanão. Os palavrões esbateram-se abafados pelas penas do meu travesseiro que apertou contra a cabeça, numa espécie de casulo de insonorização. Acalmou-se a pouco e pouco, os últimos palavrões foram já proferidos em sono profundo e dissolveram-se a meio, em sílabas imperceptíveis como na linguagem secreta de sonolentos elfos estivadores. Saí da cama. Entorpecimento dos sentidos, os caminhos todos fechados, desespero existencial, olhos baços com ocasionais sombras de morte, qual é o sentido da vida, hmm? Qual é? Diz-me, diz-me. Nota mental: nunca mais misturar cerveja com vinho da madeira, a não ser que queira viver num romance do  Lobo Antunes. Enquanto tomava banho e a dor de cabeça latejava com o vapor da água quente, seguiram-se toques frenéticos à minha campainha que rapidamente foram acompanhados por mais imprecações vindas do quarto. No início achei que era apenas um distribuidor de publicidade no primeiro dia de trabalho, entusiasmado e profissional. Depois seguiu-se a imagem mental de um carteiro com parkison. A campainha não parava, a Plaft já estava a gemer convulsivamente debaixo da almofada. Fui à janela ver porque motivo a minha campainha se tinha tornado no centro do universo. O meu carro estava estacionado em frente às sebes e eles precisavam de lhes aceder com as roçadoras a gasolina e adivinharam que o dono do carro devia morar naquele andar.

Despachei-me a tomar banho e a fazer a barba, vesti-me e despedi-me da Plaft como pude, por entre almofadas e edredons. Quando cheguei à minha viatura, estavam dois jardineiros de fato macaco fluorescente e máscaras, com roçadoras enormes, à espera. Pedi-lhes licença, um pouco envergonhado de ser tão novo e da minha vida ser tão fácil.

Depois, no caminho, vi dois acidentes daqueles em que um carro de uma mulher bate por trás no carro de um homem nos seus 40-50 e não se nota absolutamente estrago nenhum e o  senhor está de cócoras a fazer festinhas no pára-choques, a ver se detecta um afundamento ou uma irregularidade e não sai dali até encontrar uma.


sábado, 5 de maio de 2012

afinal o Brasil é capaz de estoirar mais depressa do que eu pensava

«O Brasil de hoje não justifica isso [juros altos]. Os bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresas e para o consumidor, enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra, com honestidade, os seus compromissos", afirmou a presidente na noite de ontem (madrugada de hoje em Lisboa). Rousseff disse ainda que a economia brasileira só será "plenamente competitiva" quando for feita a redução dos juros para produtores e consumidores e quando as taxas se equipararem às praticadas no mercado internacional. » - DN

O Brasil conseguiu a proeza de criar uma bolha imobiliária (e não só) com taxas de juro superiores a 10% e com uma banca comercial ainda num estado semi-primitivo. Podem acompanhar aqui http://www.bolhaimobiliaria.com/.  Enquanto a economia "cresce", não se vê grande crescimento estrutural. O Mundial de futebol, pago a peso de ouro para cumprir prazos irrealistas, é simbólico e familiar. A rede de transportes é de 3º mundo, a burocracia e leis favorece a corrupção generalizada, preparam-se para aniquilar a Amazónia com o novo Código Florestal, os impostos são draconianos, as medidas ultra-proteccionistas estrangulam a concorrência das empresas brasileiras nos mercados internacionais e o fosso entre ricos e pobres não pára de crescer. Mas o problema, dizem eles, é o crédito que não é barato que chegue. É isso aí.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

pronto, ganhou mais uma


Pinto da Costa: o bitó pereira ganhou a liga, viste? lol
Mou: vi, parabéns
Pinto da Costa: lol é só para veres que num és nada de especial
Pinto da Costa: para o caso de achares que sim
Pinto da Costa: sabes se o Florentino precisa de frutinha portuguesa? lol

Abramovitch: 20 million euros +  nice car + protection from russian mafia
Mou: no. i told you, money is not everything to me
Abramovitch: whores.lots and lots of whores.
Mou: no
Abromvitch: a bimbi?
Mou: no

Moratti: mio bambino speciali, vieni qui al Inter, 15 millione de aerofichi!
Mou: Morattini mio amiguini... non puó..
Moratti: la mamma va fare molto pizza al fromaggio e funghini.. che ti piace!
Mou: :) si, ma non puó
Moratti: :(

Vieira: o jorje jesus fika.
Mou: mas... prometeu-me :(
Vieira: mudei de ideias, ele fika. talves para o ano. abrasso
Mou: dei 30 milhoes pelo coentrão e pelo di maria e agora o witsel
Vieira: faltou o combinado.
Mou: 200 mil euros pelo emerson!? impossível
Vieira: azar. abrasso, até pro ano
Mou: :(

quinta-feira, 3 de maio de 2012

têm razão..

... os que se indignam contra a manobra do Pingo Doce que é comum noutros países,como em inglaterra no Boxing Day e mesmo cá quando começaram os outlets ou como a feira de viagens abreu ou até a merda do IKEA às quartas feiras com o dia do quarto que dá xis de desconto em mobília de quarto e que me fez ter um semi-esgotamento quando pensei que podia aproveitar (saí sem comprar nada, abandonei o carro na fila). E se fez dumping, pois que seja punido. E pela escolha da data, que foi filha da putice mesmo. No entanto, nós vivemos no facebook e no blogger e nos jornais. Num nível menos sério, isto é um pouco como aquele horrendo anúncio do pingo doce de janeiro a janeiro, sempre encher os bolsos o ano inteiro etc. e que me fez, na altura, jurar nunca mais meter os pés num supermercado que puxa ao patriotismo serôdio e depois não tem fruta ou vegetais portugueses à venda (pelo menos nos de Alvalade e Alcântara é quase tudo estrangeiro, até o caralho das cebolas) e muda a sede para a Holanda. Mas as pessoas assobiavam a música e até fizeram versões e tornou-se viral. Tudo bem. Eu também continuei a ir lá porque na minha curva de utilidade, a proximidade de casa e do trabalho é o factor mais importante, aqueles filhos da puta sabem disso. Enfim. Vou-me adaptando e depois desta iniciativa, vou reservar o sábado de manhã para ir à praça aqui do bairro e combinar com o Mini Preço. É a minha contribuição. E se o Pingo Doce pensa que pode ir dando tiros nos pés junto de um target premium que não precisa de ir a correr por uns descontos e/ou que eventualmente pode ter alguma ideologia e se sinta ofendido com a história do 1º de maio, pois que pode ver a rentabilidade pura e dura a mudar. É beleza da livre escolha. Eu que conheço pessoas que foram. Eu tenho contacto com essa gente oprimida, desde um colega consultor que é obcecado por promoções, até ao senhor do café que foi abastecer o estabelecimento de whiskey a preços mais baixos. E na tv, diria que 9 em 10 pessoas que foram entrevistadas (e tinham ido) aprovaram a iniciativa. Olha não. Então iam, submetiam-se aquilo e achavam que a dignidade deles tinha sido posta em causa? Essas pessoas ficaram contentes com os descontos que fizeram. E não, não tem absolutamente nada a ver com o contexto actual de crise. Lembro-me que há uns anos passava pela Repsol em frente ao Estádio de Alvalade que fazia um desconto de 4 ou 5 cêntimos por litro e a puta da fila era de 30 minutos pelo menos (para poupar 2 euros no máximo) pelo que acho compreensível que conseguir poupar 150, 200 ou mais euros seja algo apelativo a uma franja enorme da população. Quando abriu o IKEA, tinham uma merda qualquer de meter casais a dormir em camas na rua e fazerem figuras de parvo no telejornal das 8, para um desconto qualquer de merda. E sempre que era um concerto dos U2, as pessoas até dormiam na rua dias a fio para comprar um bilhete. Meu deus, para os U2. O mundo é assim. Também me intriga muito aquilo do Pique Nique do Continente ou as vuvuzelas da Galp e a bandeira humana e essas merdas. Ou pessoas que gostam de José Luís Peixoto ou de The National ou os congressos do PCP. Cada um tem a sua curva de utilidade que inclui, entre outras coisas, preocupações ideológicas e a sensação de ser manipulado. Não significa nada. É completamente subjectivo e relativo. Se uma pessoa se sente bem com isso, está tudo bem. É de uma enorme condescendência e paternalismo generalizar e considerar os portugueses que foram como uns desgraçados esfomeados e oprimidos. Eu digo isto porque sinto o mesmo que vocês, só que sei que é um sentimento errado e tento combater isso. Façam um esforço também. Pronto.

terça-feira, 1 de maio de 2012

night drive

Saí da cama sem te acordar. Fiz-te uma festa no cabelo  e suspiraste, a tua mão adormecida procurou-me mas desistiu e caiu inerte no edredon de penas como se tivesse um súbito ataque de narcolepsia. Depois peguei-te no pulso e arrumei-te o braço debaixo do edredon para não te constipares. Eram duas da manhã e chovia torrencialmente. Vesti-me às escuras, fui buscar umas cervejas ao frigorífico, escrevi-te uma nota num post-it, peguei no pequeno gravador sony e saí. Nas escadas confirmei que tinha meias de cores diferentes, mas não me importei, não estavas ali e só tu é que reparas nessas coisas. Entrei no carro, fiz reset ao contador dos km, meti uma música de dor de corno e arranquei para a A2 Sul, dando assim início à experiência.



Primeiro afastei-me de ti devagar e de forma intermitente por causa dos semáforos e do trânsito da ponte, mas uns quilómetros depois abri uma cerveja e comecei a afastar-me de ti a 160km/h, uma boa média. 

Liguei o gravador e comecei a gravar notas:

0240 horas, Delta +34km de Amor Da Minha Vida, doravante designado por ADMV. Velocidade +160km/h, música… nightdrive, chromatics.

Sinto a gravidade do ADMV a puxar-me, o universo a ficar num plano inclinado com ADMV no centro. As gotas de chuva rolam até aos extremos do pára-brisas e são pulverizadas em sua direcção. Pode eventualmente dever-se ao vento e à deslocação da viatura automotora. Música induz um estado mental melancólico. Hipótese de lágrimas fracas ocasionais. Over and out.

0300 horas, Delta +92km de ADMV, velocidade +160km/h, música: only the lonely, roy orbison

Calor do corpo do ADMV a ficar mais distante. Aumentei temperatura do carro para não correr risco de hipotermia. A noite ficou mais escura. Sentimento de ciúmes dos condutores dos carros que vêm na direcção oposta, para mais perto de ADMV. Tentativa de abrir a janela para fumar cigarro, hesitação, receio de que a chuva estrague os comandos eléctricos dos vidros. Para efeitos de simulação de sentimento de “quero lá saber”, abertura total de todos os vidros da viatura. Cigarro apagou-se. Over and out.

0330 horas, Delta +180km de ADMV, velocidade 170km/h, música… perfume de mulher, ágata 

Chuva torrencial. Vidros fechados, excepto o vidro da porta direita da frente, deixou de funcionar. Registar resultados para sentimentos futuros de “quero lá saber”. Saudades de ADMV, vida não é possível sem a proximidade física de ADMV. Lágrimas frequentes e sentimento de desespero existencial, possivelmente ampliado de alguma forma pela expectativa de custo monetário da reparação do comando eléctrico do vidro na BMW. Over and out.

0355 horas, Delta +220km de ADMV, velocidade 170km/h, música… strange little girl, stranglers

Necessidade de interromper o afastamento a grande velocidade, formação de poça de água no banco de pele, orçamento para experiência ultrapassado, possível corte de financiamento para experiências futuras. Saída para área de serviço de Almodôvar. Estacionamento com cobertura. Cervejas integralmente consumidas. Solidão extrema, forte sensação de que não vale a pena viver sem ADMV misturada com sono e estimativas de orçamentos de reparação. Over and out.

Só gravei estas, de manhã fui tomar o pequeno almoço a Almodôvar e vim para cima nas calmas pela nacional. Lamento muito ter-te assustado quando acordaste sozinha de madrugada. Desculpa também não ter atendido o telemóvel e só chegar a casa a horas de almoço, cheio de fomeca. A propósito disso, dadas as circunstâncias, compreendo perfeitamente que não tenhas cozinhado o Empadão do Amor como disseste que ias fazer... E admito que o post-it com “adeus mundo cruel” pode ter-te induzido alguma preocupação desproporcional face à discussão que tivemos ontem à noite a propósito de margarida ou manteiga na massa (margarina?!…) Mas é preciso fazer estas experiências em nome da ciência. De forma controlada, sim, mas o mais realisticamente possível, para estarmos precavidos para este tipo de situação e procurar evitá-la. E da próxima vez, talvez penses duas vezes antes de meteres um bocadão de margarina no meu prato de esparguete.