sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

títulos de romances

Dar um título a um romance é uma tarefa mais complicada que dar nomes a bebés rapazes (raparigas é fácil). Aprendi (para a próxima) que o truque é precisamente esse, arranjar um nome fixe para um protagonista masculino e depois dar o nome do gajo ao romance. Suttree, Huckleberry Finn, Frei Luís de Sousa, Dom Quixote... Também podemos ir para nomes de famílias: Bruddenbrook, Os Maias... Ou inventar monstrengos e dar-lhes nomes, como Malone, Molloy, Watt, Moby Dick, Bambi...Tenho a certeza que existem péssimos títulos de romances que acabaram por colar com o tempo, só que agora não dá para ver que eram péssimos. Talvez Guerra e Paz seja um título péssimo. Francamente, manteve-me afastado desse grande romance durante muito tempo. Guerra e Paz é um título desumano, temos imediatamente a sensação de ler algo enciclopédico, sem detalhe e vida, e depois é precisamente o oposto que se verifica. É um péssimo título. Há título bestiais à primeira, como o Espuma dos Dias. O Boris Vian tem os títulos melhores com o pseudónimo Vernon Sullivan: Morte Aos Feios, Irei Cuspir-vos nos Túmulos, Elas Não Sabem Nada... Fico atónito com os títulos de António Lobo Antunes. É que não me parece possível haver títulos mais bonitos que os dele. Não entres tão depressa nessa noite escura. O que farei quando tudo arde. Fado Alexandrino. Arquipélago da Insónia. Foda-se... (foda-se é uma interjeição minha, não é um título de António Lobo Antunes).  É uma tristeza uma pessoa ouvir dizer de três pessoas diferentes, que lhe leram o romance, coisas como "não podes dar um título a armar" ou "tem de ser descontraído" sempre que me lembro de propor um título assim bonito e poético como As Baleias Fantasma, tem de ser uma coisa mais trash. Sinto-me ofendido. O que me estão a tentar dizer com isso? Que eu sou trash? Ok, tudo bem, admito que não é Herman Melville, mas mesmo assim... E raramente vejo unanimidade. Como os nomes de bebés. Nunca tiveram essas discussões com amigos? Que nomes é que gostam? Nunca há unanimidade nos nomes bons, excepto nos nomes maus como Ruben, Cátia ou José Luís Peixoto. Também há títulos francamente maus. Há títulos que me fazem torcer o fígado, como aquele do Murakami, o Kafka On The Shore. Seria incapaz de ler um livro com esse título, não sei explicar porquê, mas torce-me o fígado como o cheiro a gold strike e o livro até pode ser bem bom. E títulos que me pareciam bonitos, depois com o tempo tornam-se lugares comuns terríveis, como o Insustentável Leveza do Ser. E vocês, que títulos gostam e não gostam e porquê? Expliquem, pelas vossas palavras, máximo 5000 caracteres.

desconfio que há aqui uma correlação qualquer...

Actrizes mais bem pagas da TV Americana em 2012:

1º Sofia Vergara, 19 milhões.


2º Kim Kardashian, 18 milhões.

3ª Eva Longoria, 15 Milhões.

(...)


5ª Tina Fey, 11 milhões

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

suttree e os rios

O Suttree do Cormac McCarthy foi escrito ao longo de 30 anos, de forma intermitente. Isso pode explicar porque o estilo hiper-adjectivado-adverbiado das primeiras páginas e a linguagem pomposa e pseudo-poética desaparece rapidamente (30,40 páginas) para dar lugar a uma escrita perfeita e fluída, mas sem perder o cunho poético e elaborado que distingue a sua escrita de outros americanos semelhantes, sempre com uma discurso mais directo e monolítico. Talvez não seja resultado da intermitência, pois se McCarthy esteve 30 anos à volta disto, é possível que tenha tentado fazer uma antecâmara barroca, uma espécie de igreja monumental, onde se entra de cabeça baixa e chapéu nas mãos, para ouvir o sermão. E que sermão... Lembra um Huckleberry Finn mas em versão decadente, negra, com uma violência fria semelhante à de Flannery O'Connor e um humor 'Twainesco'. Tem aquele toque que só o rio Tennessee pode dar a um livro. Os rios são muito importantes. É evidente que muita da escrita de Fernando Pessoa é influenciada pelo Tejo, qualquer pessoa vê isso. A contemplação que inspira, a luz que reflecte e que transporta a cidade para um mundo onírico simbolizado pelo oceano enorme ali à frente, irreal, abstracto... Fica-se a anhar. O rio Tennessee é lamacento, rodeado por margens pantanosas, habitadas por insectos, lixo e a escumalha humana na orla das cidades. Não desagua no mar, serpenteia, alarga, estreita e a à noite fervilha de criaturas, fermenta mistérios de escravos negros e zurrapas venenosas em alambiques. É evidente que vai dar Twain ou McCarthy. Os parisienses tem o Sena, um rio domesticado e ornamentado de pontes todas cheias de dourados e depois eles ficam todos arrogantes e napoleónicos, mas há bons pintores apesar de tudo. Madrid nem rio tem* e isso nota-se muito bem, é por isso que muitos madrilenos são franquistas realistas e nacionalistas e falam aos gritos mesmo que tenham as caras a 20cm uns dos outros. Não estão habituados à delicadeza do marulhar das ondinhas de um rio nas margens e por isso nunca escutam e ensurdecem-se uns aos outros.

*Entretanto, lembraram-me nos comments que Madrid tem o Manzanares. Eu referia-me a rios a sério, tipo Tejo e Tennesse, coisas desse tipo e não a riachos ou ribeirinhas em jeito de canal de esgotos a céu aberto.






quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

goodreads

Criei uma conta no Goodreads, podem adicionar-me.

my read shelf:
Tolan Baranduna's book recommendations, liked quotes, book clubs, book trivia, book lists (read shelf) As minhas avaliações (1-5) não são uma crítica mas sim uma medida de empatia com o livro, ou seja, lá por o Ulysses do James Joyce ter 1 estrela, não se fiem em mim, não quer dizer que o livro é mau, mas sim que o Tolan não gostou de o ler. É pena aquilo estar muito dominado pelas versões inglesas e não ter muitas das versões traduzidas em português, pelo que tenho de clicar na versão inglesa (ex: Crime And Punishment, em vez da tradução para português da Presença, pelo Filipe e Nina Guerra etc.) Por preguiça também posso adicionar edições anglófonas de portugueses que li em português. Vamos ver se actualizo aquilo e mantenho. (update: graças à sugestão de um simpático anónimo já percebi o truque, é procurar pelo nome do tradutor, assim já adicionei as traduções do Filipe e da Nina Guerra, como deve ser)

sonho de Natal

A noite de Natal de 2022 ia ser uma noite como outra qualquer. Só me estiquei um pouco no jantar, um perú recheado com castanhas, liofizilizado, preparado em trinta segundos no hidratador térmico. E whiskas deluxe christmas edition para o Jeremias, o meu gato. Também abri um vinho menos mau. Colheita de 2012. Uma garrafa com rolha de cortiça e tudo. Tentei lembrar-me de 2012. Ah, sim, 2012 tinha sido um ano excelente, um dos últimos anos normais, antes da crise... Levantei-me e baixei as grades da janela. Depois fechei o vidro blindado para abafar o som das sirenes. Sim, uma noite como as outras para mim e para o Jeremias que ronronava ao meu lado no sofá, também ele indiferente ao Natal e um pouco tocado do vinho que bebeu do meu copo às escondidas. Excepto pelo pequeno barretinho elfo ajudante do pai natal que lhe consegui enfiar e prender com a ajuda de um elástico. Comprei-o na loja dos gregos. Às tantas, deixou de tentar arrancá-lo com as patas e conformou-se ao espírito natalício, entorpecido pelo vinho. Tinha um guizo na ponta, o barretinho, e de cada vez que ele se mexia ou sacudia a cabeça, retinia como uma rena e alegrava a casa.
- Gostas do Natal, Jeremias?
- Meoow.
- Não sejas assim. Não gostas do natal? Queres mais vinho?
- Meh.
Bebi aquela garrafa rapidamente e fumei um pouco, andei de um lado para o outro, abri outra garrafa... Carreguei um jogo de playstation. Era Natal, ao fim e ao cabo. Merecia. Foi então que tocaram à campaínha. Não abri, era normal tocarem à campainha a pedir comida desde que implementaram a Lei Jonet. Mas voltaram a tocar, a tocar, a tocar, às tantas enervei-me, peguei na vassoura anti-caridade que tinha ao lado da porta e fui vem quem era. À minha frente, nas escadas, um miúdo, corado de frio, embrulhado em cachecóis, um blusão de penas três números acima e um barrete enfiado até aos olhos escondidos atrás de espessas mechas de cabelo demasiado grande.
- O que foi? Queres caridade?
- Olá! - disse-me o miúdo. O Jeremias fugiu, com o guizo a retinir pela casa, abominava crianças.
- O que é que queres? Eu pago os meus impostos.
- A porta lá em baixo estava aberta. Com licença.
- Hei! Não podes entrar!
Abraçou-me.
- Vá, vá miúdo, o que vem a ser isto? - tentei afastá-lo.
- Pai... Sou eu! O teu filho! - tirou o barrete e os cachecóis. Depois ficou a olhar para mim com cara de parvo, meio ranhoso do frio.
- Não sou o teu pai. Que história é essa? Sai daqui. Olha que levas com esta vassoura. 
- Pai, não me reconheces? Olha lá bem para mim. Somos parecidos, olha, o meu nariz é igual ao teu.
- Onde está a tua mãe?
- A Plaft já aí vem pai, foi só buscar sopa de wan-tan de camarão ao chinês, sabes como ela é quando lhe apetece sopa de wan-tan..
Assim que lhe vi as orelhas e as sardas  no nariz e aquela lata toda, tive logo um pressentimento. Descalçou as botinhas do sapinho e sentou-se no sofá, no meu sofá. O Jeremias espreitava do escritório, a cabeça com o barrete do guizo a assomar da ombreira, desconfiado, a olhar ora para mim, ora para o miúdo, como que a dizer-me para resolver aquilo depressa.
- Ena, que fixe, tens uma Playstarion 12! UAU! E o Battlefield 20! Vamo-nos dar muita bem!
- Deixa-me! Sai daqui! Não posso ser teu pai, sou um grande escritor maldito - comecei a dar-lhe pequenas vassouradas.
- Está quieto! Pega no comando! Muaahahha! Vou ser sniper! A mãe não me deixa jogar estes jogos, vamos só jogar um antes dela vir.
- Olha que eu chamo a políc... não urso, então escolheste a camuflagem de selva para o cenário do deserto? Mas tu és parvo ou quê? Vão ver-te a dez quilómetros.
- Há uns arbustos na montanha que são desta cor.
- Deve haver, deve, pfff... e estás a fazer pontaria mal, aponta um bocado mais acima para compensar a gravidad...
- Headshot! E com bonus de marksman! Embrulha...
- Bah, ele estava parado em cima da torre.
Ouvimos passos femininos, de salto alto, pelas escadas acima e o barulho de sacos de plástico.
- Depressa, pai! Desliga isto, muda para a televisão, a mãe não pode ver-me a jogar estes jogos de guerra!
- O vinho! - dei um salto - Muda tu de canal, eu tenho de deitar fora estas garrafas!
- Onde é que está o comando, pai?! Depressa!
Os passos aproximavam-se cada vez mais e ouvimos o barulho da chave na porta.
- Ah, o cinzeiro, passa cá, tenho de vazar isto! Rápido!  Empurra essas peúgas para debaixo do sofá, isso, com as botinhas!
- ARGH! O teu comando está com as pilhas fracas!
A televisão reagiu às pancadas que o miúdo dava no comando e aterrou em cheio no Marco Paulo a cantar a plenos pulmões.

última cachorra abandonada, mas esta é mesmo a última!



«Deixa cá ver, vira para cá o espelho, sim, a coleira fica-me bem, acho que é o meu tamanh...»

«...ESQUILO!!

 Uma estrela? Achas? Oba! Fala então com esse tal Peter Jackson, eu faço o casting!


O que é engraçado é que a minha mãe acalenta planos irreais de um dia não ter cães e viver num T0 com elevador e garagem no centro da cidade.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

apaguei o post anterior

sobre o Cormac McCarthy e as traduções e assim, ainda vou no primeiro terço do Suttree e o estilo mudou, etc. etc. Por isso ainda não tenho opinião. Até dormi mal por causa deste post, por causa do sentimento de culpa... Quero um Natal sossegado.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Medium

A série que me sai sempre na rifa à hora de jantar é a Médium.


Não me importo de ver a Medium. A Patricia Arquette tem pelo menos dois bons argumentos como actriz. E tem o lado positivo dos episódios serem independentes uns dos outros e de terem sempre exactamente o mesmo formato, pelo que se perdemos um bocadinho, conseguimos adivinhar o que aconteceu e se sairmos a meio, sabemos como vai acabar.  Também aprecio a forma como o marido reage aos sonhos e pressentimentos dela. A forma como, após 7 anos de série, continua a fazer o papel do céptico razoável e sensato, a aturar aquela chanfrada que o acorda constantemente com visões do inferno... Desconfio que a Plaft encara aquilo como pedagogia para mim, para me ir educando. A Plaft às vezes sonha comigo e acorda toda zangada porque eu fiz não sei o quê num sonho e dou comigo  a desculpar-me, bestialmente arrependido. Bem, mas voltando à Allison, a gaja sonha que se farta com coisas que aconteceram ou vão acontecer, e os diálogos com o marido Joe são sempre assim:

Allison DuBois acorda angustiada e ofegante, depois de sequência de sonho com um crime.
Joe, o marido, acende a luz, fazendo o seu ar estremunhado #43.
- O que foi querida?
- Tive um sonho...
- São 3 da manhã, dorme.
- Foi o Jack. O Jack matou a a Samantha. Com o candelabro. Na cozinha.
- Vá querida, isso foi um sonho... Tenho de ir por as miúdas à escola amanhã.
- Não, estou a dizer-te, foi o Jack. Tenho de ligar para o ministério público.
- E vais dizer-lhes o quê?  Não tens provas. Foi só um sonho. Sossega querida.

 E depois segue-se o diálogo com o procurador público que faz sempre o papel de resignado ao sistema.
- Allison, não posso simplesmente prendê-lo sem provas.
- Mas ele vai matar outra vez!
- O advogado dele já está na sala ao lado a redigir um acordo. Lamento, Allison.
*grande plano de cara de Allison angustiada*

Depois segue-se o sonho definitivo, aquele que lhe diz quem cometeu o crime, onde está o corpo e as provas e depois a polícia vai lá e confirma-se. Quando o próprio acto de sonhar é um problema narrativo, por exemplo, não dá para esticar o episódio mais 5 minutos para meter a Allison a dormir e meter a cena padrão da conversa com o marido estremunhado, ela vê coisas acordada, é muito mais rápido e prático. Deve ser genial ser argumentista daquilo. Cria-se mistério aleatório até 9/10 do episódio e no último 1/10 despacham aquilo numa penada com um sonho mais concreto, a tempo de ir ao squash. E o engraçado é que resulta!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

What would Elvis do?

Nunca fui muito do espírito de caserna, isso de andar todo nu em balenários desportivos depois do treino de natação, a dar chicotadas no cu da malta com uma toalha enrolada. Abominava a merda do balneário masculino, os sons nojentos, os escarros no duche, as gargalhadas alarves a ribombar pelos azulejos quando dois começavam à luta ou alguém era vítima de uma partida estúpida. O balneário feminino, por outro lado, fascinava-me. Só tinha cabeça para isso, para o balneário feminino, imaginar as minhas colegas todas nuas no meio de vapores perfumados, a ensaboar-se umas às outras a beijar-se debaixo do duche, como as mulheres fazem quando nós não estamos ao pé... Só queria vestir-me o mais rápido possível para garantir que conseguia interceptar a A. à saída do ginásio, perfumada do banho e corada. Era popular, a A. Durante o dia na escola não me conseguia aproximar dela. Era daquelas que mal se dava com as pessoas da própria turma na escola. O facto de fazermos natação os dois à mesma hora tinha sido uma feliz coincidência. Bom, não foi bem coincidência, eu inscrevi-me lá de propósito. Mas foi uma coincidência descobrir que ela fazia natação. Nem sequer tinha nível para aquilo e quase chumbei no teste, tive de pedir por favor por favor por favor. Os treinos eram duros, uma hora e meia e eu não podia ficar para trás. Não apenas por uma questão de orgulho, mas sim por motivos práticos, as pistas eram tão estreitas que não dava para ultrapassar ninguém e às tantas agarravam-nos nos tornozelos e puxavam-nos para baixo de água e passavam-nos por cima. Depois acompanhava-a até a casa porque éramos vizinhos. Mais ou menos vizinhos. Ela vivia quase do outro lado da cidade. Mas era a mesma cidade. Não era muito grande. Eu dizia que era perigoso ela ir sozinha. Uma rapariga não pode andar por aí sozinha. Ela gostava de falar comigo, ria-se muito. Eu mentia imenso. Se fosse preciso dizer que tinha andado à pancada e que por isso é que estava a coxear - e não por me terem afiambrado uma paralítica na coxa - eu dizia isso, com todos os detalhes. E depois inventava ainda mais. Aprendi a inventar muito foi com elas. Também aprendi a nadar bem. No fim, ficava sempre um bocado frustrado porque quando chegávamos a casa dela não notava qualquer hesitação ou melancolia na despedida. Dizia-me tchau, entrava em casa e pronto. Mas eram 15 minutos do caraças, valiam o treino e o balneário masculino. Há coisa que não mudam. Acontece-me ficar embasbacado a olhar para a  Plaft pela cortina semi-transparente a transbordar de vapor. É uma coisa extraordinária. E a forma como depois ajeita a toalha, num misto de pudor e exibicionismo que pede para ser devida e severamente castigada... Mesmo que não seja sempre essa a intenção dela, é preciso dizê-lo. Especialmente quando está atrasada para qualquer coisa, cheia de stress e me berra "SAI DAQUI!!!" Com o tempo aprendi a ler esses sinais subtis. Também continuo a abominar o espírito de caserna. Digo isto, porque o espírito de caserna me persegue como uma maldição: na universidade (tinha de ouvir vinte minutos de bocas por ter ido com elas ver o Titanic em vez de ficar a jogar à espadinha e a beber cerveja com eles), no trabalho (a homofobia como cimento de sólidas relações másculas entre pares engravatados) e até nos blogues onde o facto de eu ter 80% de leitoras do sexo feminino é considerado um problema. Ah ah. O Elvis havia de se ralar muito com isso.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

meow, percebem?



Trópico da Trampa - Henry Miller

Por todas as santas botinhas de sapinho do mundo... que merda é esta? Henry Miller, Trópico de Cancer. Olha, Miller, também consigo dizer foda-se, caralho, foder aquela cona toda, farfalhuda... epá... não me lixes. É a maior bosta pretensiosa a fingir que não é pretensiosa que jamais me foi dada a ler.  Um tipo a armar-se do princípio ao fim. Que gigantesca punheta. O Diário Remendado do Luiz Pacheco, já leste? Tu ao pé dele és um imbecil de um vaidoso. E és uma espécie de inverso do Céline, também. É curioso, o Pacheco faz um genuíno diário de um escritor improdutivo, caótico, marginal, sem esconder nada.. e claro, Lisboa não era a tua Paris mais a merda dos teus amigos intelectuais e artistas e as tuas descrições intermináveis dos boulevards e dos cafés e das águas furtadas. O Céline, consegue a proeza de eliminar o pequenino detalhe de ser escritor da sua biografia ficcionada e vai na direcção oposta, cresce, explode. Ambos têm verdade, causam a sensação de "pois é, as coisas são mesmo ASSIM", mesmo que sejam coisas opostas. Mas tu, nem uma coisa nem outra.  Escondes-te nos teus malabarismos como, aliás, toda a merda de beat generation a que deste início, tornaste o marginal numa coisa cool para estudantes universitários brancos, ricos e entediados, tu e os teus Kerouacs e Burroughs e afins. "O inverno chegou como uma lebre congelada"... vai-te foder mais a tua lebre congelada. Mais a tua rua que parece "um caralho sifílico cortado longitudinalmente". É que não parece nada, estás a ver? O que se passa é que na tua época,no teu meiozito de artistas parisienses da treta devias querer ser o enfant terrible e pronto. Se deres muitos arrotos e fizeres um grande chinfrim, as pessoas prestam-te atenção, especialmente os artistas e os burgueses que adoooooram ser chocados ao verem a sociedade do avesso. Que bela ave exótica deves ter sido. Queres um exemplo de como tu és enervante? Foi aqui que desisti de ler o livro, quando estás a jantar em casa de mais um desses artistas burgueses e o ouves falar contigo:

 - Odeio Paris! - queixa-se ele. - Estes estúpidos a jogarem cartas o dia todo... olha só para eles! E a escrita! De que vale escrever? Posso ser escritor sem escrever, não posso? Que prova, o facto de eu escrever um livro? Afinal, para que queremos livros? Já há demasiados livros... 

Porra, passei por tudo isso... há anos. Já ultrapassei a minha juventude melancólica. Estou a cagar-me para o passado, ou para o futuro. Sou saudável. Irremediavelmente saudável. Sem mágoas, sem arrependimentos. Sem passado, nem futuro. Basta-me o presente. O dia-a-dia. Hoje! Le bel aujourd'hui!

Jesus Cristo... Sabes o transtorno que me causa ter de deixar um livro a meio de uma viagem de metro e não ter outro logo ali à mão? Não sei o que é pior. O boneco que tu inventas e que é suposto representar o intelectual castrado (para quem, de facto, tu escreves)?  O boneco dizer coisas imbecis como "que prova o facto de eu escrever um livro?" A sério, era preciso fazê-lo tão estúpido e pedante? A forma como tu te afiambras com unhas e dentes ao que o teu boneco te disse, para te valorizar perante o leitor? Era preciso um contraste tão óbvio? Experimenta o contrário. Tu dizes "basta-me o presente. O dia-a-dia" etc. etc. que, sabe-se, corresponde a uma idealização genuína tua (porque és todo fã do zen e do budismo na vida real) e depois falas com um gajo que diz que tu és "falso" e não fazes nada, por exemplo, um amigo que fosse mesmo um grande escritor, tipo o Céline ou o Pacheco ou o Bukowski. Imagina isso. O Céline até publicou o Viagem Ao Fim Da Noite dois anos antes do Trópico. Imagina que vens com as tuas lebres congeladas e o caralho, para cima do Céline, do Bukowski e do Pacheco. O Céline, se calhar não te ouvia, entretido a apalpar as coxas à empregada. O Bukowski dizia-te na cara "i dont like you" e ia apostar nos cavalos. O Pacheco ouvia-te com atenção fingida, porque no fim pedia-te dinheiro emprestado. E ainda te mandava para o caralho depois de contar as notas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

estilo

...claro que não.
Credo, claro que não.. De maneira nenhuma..

Mas hoje vou-vos falar de moda também, e isto na sequência de um post sobre livros de culinária michelin em que fui injustamente acusado de homofilia. Há pessoas que não vêem a verdade e escondem as suas inseguranças, com discriminação. Quero-vos falar de três items icónicos, que marcaram a noção de estilo do Tolan, um estilo ímpar, que tantos tentam copiar.

Item nº1: Botinhas.
Eu gosto muito de botinhas. Usar botinhas é a única coisa que justifica o Inverno, as poças de chuva ou de outro tipo de água... Tudo começou com umas exactamente iguais a estas:


Foram as minhas primeiras botinhas, as do sapinho. Trouxe-as da Bélgica quando vim para Portugal, para uma aldeia perdida na zona oeste. Dificultaram-me a adaptação junto dos costumes locais, pois eram uma novidade excêntrica aqui, onde a borracha ainda estava a ser introduzida e a substituir lentamente as peles impermeabilizadas com sebo de porco. Claro que não as utilizo hoje em dia, passou de moda em meados dos anos 90, com o grunge, que tinha valores completamente opostos aos dos botins de sapinho, apesar dos Nirvana até terem uma música chamada Sappy.

Item nº2
O chapéu de chuva do hipopótamo.

Não era exactamente assim, mas era muito parecido. Acho estranho não encontrar uma fotografia de um igual. Este aqui, ao contrário das botinhas do sapinho, não era do meu agrado. Em Portugal os chapéus de chuva de homens eram pretos, completamente pretos, com ponta de ferro e cabo revestido a couro preto. Este chapéu valeu-me valentes pedradas a caminho da escola e o escárnio geral. Compreendo, por isso, o que é ser alvo de discriminação só por causa de cores de coisas, sejam chapéus ou calças amarelas. Felizmente, o chapéu era resistente e protegia-me da maior parte das pedradas. Excepto as orelhas (do chapéu). Eram frágeis. O meu cão, talvez para diminuir a fúria da populaça, num instinto protector, conseguiu arrancá-las à dentada.

Item nº3
 A capa de chuva do Elmo.
Era muito parecida com esta. Ah ah. Muito engraçado, não é? Pois fiquem sabendo que eu, em 1982 já sabia quem era o Elmo. Porque dava na televisão belga. Sabem quantos canais eu tinha, meus labregos? Tinha uns 30 canais. Em 1982, andavam vocês a mamar missa o domingo todo de manhã e eu tinha 30 canais de bonecada, incluindo a rua sésamo. Bélgica fica no centro da europa, ó pategos. O meu pai kitou uma antena e apanhávamos tvs de frança, holanda, alemanha, luxemburgo... Claro, para vocês era "o boneco ", "ehehe lá vem o Tolan com a gabardine do boneco ahahahaha venham ver! Era o ELMO. Não era o "BONECO"...

bah, que importa. Fast forward 30 anos e é outra conversa, não é? Ah pois. É OUTRA CONVERSA!

i was in a fog

I worked like a dog and at the same time—what shall I say?—I was in a fog. I didn’t know what I was doing. I couldn’t see what I was getting at. I was supposed to be working on a novel, writing this great novel, but actually I wasn’t getting anywhere. Sometimes I’d not write more than three or four lines a day. My wife would come home late at night and ask, “Well, how is it going?” (I never let her see what was in the machine.) I’d say, “Oh, it’s going along marvelously.” “Well, where are you right now?” Now, mind you, maybe of all the pages I was supposed to have written maybe I had written only three or four, but I would talk as though I’d written a hundred or a hundred and fifty pages. I would go on talking about what I had done, composing the novel as I talked to her. And she would listen and encourage me, knowing damned well that I was lying. Next day she’d come back and say, “What about that part you spoke of the other day, how is that going?” And it was all a lie, you see, a fabrication between the two of us. Wonderful, wonderful . . . Henry Miller, Paris Review

tive um sonho muito estranho esta noite


Olá, o meu nome é Horácio Gaspar Wells, mais conhecido por H.G. Wells e consegui escrever muitos livros sem precisar de um MacBook Air, Tolan, por isso, nem penses. Já tens dois portáteis.

Admito que um dos portáteis não é mais portátil que um menir, mas o outro chega perfeitamente. Se ficares sem ele quando saíres da empresa, tudo bem, pensamos nisso os dois, para já é muito precipitado. E portabilidade porquê? Sinceramente, tu alguma vez escreves fora de casa, fora de um sítio familiar, onde te sintas fechado e protegido? Tu não és um desses dos cafés pois não? É que se és um desses, vou-me já embora e voltas a sonhar com o coelho. Um tablet? Por amor de Deus... tens de comprar o teclado e acabas por ficar com um notebook com metade da potência de um notebook normal e a custar o dobro. E um tablet não passa de uma máquina de desgastar tempo e cérebro, isto, fora de um contexto estritamente profissional. As pessoas pagam centenas de euros para terem uma bela máquina de facebook, milhões de aplicações inúteis, para serem bombardeadas constantemente com informação, informação, informação... às tantas não retêm nada, os seus cérebros passam a ser uma mera extensão da fibra óptica e que desagua para o nada como um cano de esgoto para um rio. Não preferes ler um livro quando estás no metro? No restaurante? Olha para mim. Papel e lápis. E com isto escrevi A Máquina dos Mundos, A Ilha do Doutor Invisível, o Homem Moreau, A Guerra do Tempo...




domingo, 16 de dezembro de 2012

petiscar com estilo


Ontem fiz umas almôndegas de morcela com chalota e cenoura picada salteada, em caminha de puré de maçã temperada com vinage de sidra e a Plaft deu-me finalmente a ambicionada estrela michelin Obrigado, José Avillez. A combinação morcela no forno e puré de maçã é clássica na minha casa, um prato que traz recordações de dias de inverno chuvosos e escuros no campo, ao pé do crepitar da lareira. Mas a ideia de 'almondegar' morcela com cenoura e chalota levemente salteada em manteiga e de fritar as almôndegas em azeite, como é evidente, não me iria ocorrer, nem tinha ocorrido à Plaft que assim que provou a primeira garfada entrou em preliminares. Penso que nós, os homens que cozinhamos muito bem, nos dividimos em dois grupos: os que criam e os que seguem receitas. Confesso que me incluo no segundo grupo, desde que comecei a cozinhar, há muito tempo.  Não é exactamente uma cópia, seguir uma receita, porque quem cozinha sabe muito bem que se trata de um processo dinâmico que começa logo na escolha da própria receita, na identificação daquilo que é interessante, exequível e adequado ao contexto, e depois no processo de preparação do prato, onde é necessária muita experiência e improvisação para conduzir a confecção ao seu destino. O primeiro grupo, o dos criativos - nos bons cozinheiros - pertence à elite. Digo "bons cozinheiros" porque infelizmente, muita gente começa rapidamente a inventar, cheia de pressa de ser um José Avillez e submeter outras pessoas às suas experiências. É claro que os que começam por seguir receitas, vão acumulando conhecimento que lhes permite ser criativos dentro do universo que conhecem. Ou seja, abrimos o congelador, vemos o frigorífico, as conservas, etc. e começamos a pensar num prato, mas com base no que preparámos no passado. Não me ocorreria grelhar morangos e mangas e misturá-los com mostarda de dijon (receita do Avillez). Eu não posso falhar na cozinha, embora às vezes aconteça... Nesses alturas a Plaft cospe a comida para o guardanapo, fita-me com olhos marejados de lágrimas de desilusão e sai de casa para ir ao MacDonalds ou outro sítio qualquer com fast food, sozinha, enquanto eu me retorço de ciúmes, atormentado por fantasmas de traições gastronómicas... Volta tarde e a cheira a batatas fritas, a arrotar coca-cola e diz-me 'olha, olha o que me obrigaste a fazer, tive de ir a mais um antro do capitalismo...'. Este livro do José Avillez combina duas coisas excelentes: as receitas são únicas e são à prova de bala. Em prateleiras cheias de lixo culinário (a começar pelos inenarráveis livros do Gordon Ramsey ou do Jamie Oliver), este merece muitas estrelinhas michelin.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Pessoas que perderam o emprego e agora tiveram de arranjar outro: A presidente de instituição de caridade e que agora é o tipo de pessoa que não pode comer bifes


- Meninos, lembrem-se, temos de poupar. Não podemos comer bife todos os dias.
- Sim, mãe.
- Vamos sobreviver a isto, juntos, com a ajuda de Deus. Que maçada, o jantar nunca mais vem... Ó Jacinta, pode servir o jantar!
- Mãe, a Jacinta já não trabalha aqui, despediu-se hoje. Diz que sem salário, não trabalha. Diz que vai voltar para o Brasil.
Essa criatura esqueceu-se de tudo o que fiz por ela?! Trabalha para mim desde os 16 anos! Era como uma filha! Meu Deus... pronto, vou cozinhar para vocês. Bacalhau à lagareiro! Que tal? Na bimbi é um instante!
- Mãe, o Salvador teve de usar a bimbi para misturar a argamassa e preparar a cal das obras e pinturas no novo quarto dos bebés dele e da Carlota. Diz que a barraca que fizemos para caberem lá todos tem de ser impermeabilizada por causa do inverno. E diz que vamos ter de fazer outra barraca no quintal porque a Mariana e o Bernardo vão ter pelo menos cinco filhos.
- A sério Bernardo... cinco filhos?
- Sim mãe! Temos de povoar a Terra.
- A Terra é grande, mas o quintal.... a coelheira que o pai fez para a criação de ratazanas já me ficou com o canteiro das azáleas....  Quero dizer, estou orgulhosa de vocês. Muito bem. Olhem, pronto, vou fazer um bacalhau à moda antiga, como a empregada da vossa avó fazia e a empregada da vossa bisavó fazia. Mariana, vá comprar umas postas à mercearia.
- Mãe, é muito caro. Da última vez que a mãe foi comprar postas para nós, o pai teve de empenhar umas jóias da avó e fartou-se de ralhar. E não é preciso, a Beatriz está a fazer o jantar. Sopa de urtigas, esparguete fora de prazo com sangacho de atum fora de prazo.
- Pronto. Tudo se resolve. Oh, aí vem a Beatriz. Que óptimo aspecto Beatriz, a mãe está orgulhosa. Mas demorou! Temos de jantar às 19:30 em ponto.
- Ó mãe, as tábuas do closet dos sapatos demoram a arder e no início soltam cheiro por causa da tinta. Tive de esperar até fazerem brasas e poder cozer a massa.
- Provou a massa?
- Provei mãe, o ranço está no ponto.
- Salvador, vá chamar o pai para a mesa.
- O pai hoje faz o turno da noite no táxi, não está em casa. Só volta de manhã.
- O turno da noite? Mas ele não faz o turno do dia também?
- Ele disse que tinha de compensar o tempo que perdeu por causa do assalto da semana passada  e dos tratamentos no Santa Maria, por causa da facada....
- Santa Maria?! Mas esse hospital é... público...
- Mãe, não chore. O pai é forte. O pai aguenta... o pai é forte... não chore...
- *snif* Pronto, já passou. Não há problema. Organização. Pronto.Guardamos comida para ele. Nada de desperdícios. Carlota, os tupperwares aqui à mão, vá, rápido. Organização, meninos!
- Os tupperwares estão na sala por causa das goteiras do tecto, hoje abriu-se uma nova por causa da chuvada de ontem.
- Ó filha, ponha umas toalhas no chão, traga lá um tupperware, dos pequenos…
- Mas mãe, precisamos da água da chuva para lavar os dentes e para a sanita.
- Pronto, esqueçam lá os tupperwares… ai que dor de cabeça… Vamos dar graças, venham todos para a mesa. Vamos dar as mãos…. A propósito, o Padre Seabra e o Abade Francisco? Costumavam vir às terças e quintas, dar-nos apoio espiritual...
- Mãe, desde que o pai lhes serviu aquela ratazana à conventual pela Páscoa, nunca mais apareceram. Acha que estava mal temperada?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

trring trring

Telefonei à Plaft esta semana
para lhe mandar uma beijoca
mas ela estava na cama
e o telefone toca e toca

é uma gata que faz ronrom
e que se enrola na pelissa
acordar não é de bom tom
lá no reino da preguiça

ela não estava em gravações
as suas intermitentes ocupações
as grandes declamações
que lhe rendem alguns tostões

ela gosta muito de dinheiro
de contar bem as moedinhas
é a coisa que faz primeiro
depois de calçar as peúginhas

é assim que começa o dia
até se esquece de comer
pode ficar doente e com azia
dinheiro é que tem de ter

uma carteira bem recheada
e fica logo toda animada
às vezes vai muito despachada
direito ao banco muito desconfiada

vai ao  balcão de propósito
para levantar toda a poupança
depois de a contar faz um depósito
e volta pra casa a afagar a pança


nunca se sabe o dia de amanhã
e inverno pode ser rigoroso
é preciso acumular muita avelã
para  manter o pêlo sedoso

hibernar é uma opção
que ela equaciona quando está frio
acordava apenas no verão
depois de dormir meses a fio

o seu namorado proletário
tem emprego de gente normal
isto de ser artista sem horário
só mesmo no reino animal

(se não queres ser enxovalhada de novo, para a próxima acordas antes das 14h e atendes o telefone à primeira)

making of

Tenho as ideias de repente, a meio do nada e anoto-as no telemóvel e envio por e-mail para mim. Depois, dias depois, às vezes semanas depois, leio muito por alto os e-mails que enviei a mim próprio como se fossem spam do Além.

 (...)A casa dela é comprada a meias com ele e tem toneladas de livros de espionagem, fantasia, infantis, etc. Dom Quixote! A tortura a que foi submetido pode credibilizar loucura. Ele viaja, ela espera. Odisseia, Homero! Incluir o Pardal Punk na cena da esplanada e depois na conversa com o Esquilo Generoso (...)

 Depois tento recuperar o entusiasmo que, nitidamente, me terá levado a achar que aquelas ideias eram merecedoras de serem apontadas. A maior parte entretanto evoluiu ou foi para o lixo. Contudo, é em tornar plausível aquilo que é aparentemente aleatório ou contra-intuitivo que reside uma eventual originalidade, sabiam? Pensem no cabelo do Abel Xavier. Também podem ver pela nota que fico entusiasmado quando uma coisa se parece moderadamente com algo clássico. É claro que já tudo foi dito sobre os temas essenciais. É o mesmo truque do horóscopo dos jornais. É como estar a pintar experiências com perspectivas e ficar muito satisfeito porque aquilo pode parecer uma evolução de Picasso (com alguma boa vontade) e, depois de entornar tintas sem querer para cima do desenho com o cotovelo ao abrir mais uma Sagres,  ver algo de Pollock naquilo. Tudo isto é benéfico, mantém a pessoa a mexer, um bocado como o Sporting que entra sempre no campeonato para ganhar.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

caridadezinha

Da primeira vez ainda se podia passar cartão à Isabel Jonet, mas agora à 2ª,... Há pessoas que precisam da pobreza como bombeiros precisam de fogos a arder e médicos precisam de doentes no consultório. Há até garagens que furam pneus e riscam carros para ter negócio no dia seguinte. Estamos feitos, primeiro foi o Fernando Nobre a gerar a onda do "nunca mais dou dinheiro à AMI", agora é a do "nunca mais ajudo o Banco Alimentar". Que grandes ursos. A única coisa que se lhes exigia é que pelo menos parecessem menos detestáveis que os piores políticos. Nem isso conseguem. Crescem e fazem-se em microcosmos. Sim, podem lidar com a miséria e a pobreza. Mas nunca lidam com a coisa fantástica que é o polimento da crítica, da discussão, do confronto impiedoso, do escrutínio público. É por isso que um deputado subitamente parece uma pessoa razoável ao lado do Nobre. É uma coisa polida à pancada, um deputado. Um Nobre é uma coisa que de repente salta cá para fora e descobre com irritação que ninguém o respeita como dentro da caixinha de onde saiu. Conhece-se bem o género 'Isabel Jonet'. O prazer que retiram de aplicar o bem, não se imagina. O estatuto social que ganham no meio em que se movem, é uma coisa que dá gosto ver. Então agora, quando podem ajudar a classe média em decadência, a coisa melhora, dá para meter junto no saco do pacote de arroz o discurso moralista do eu bem avisei que tu eras pobrezinho, vê lá se poupas agora e te remetes à tua condição. Com o aumento da pobreza e a evidente falência do estado social, Jonet ainda lhe junta uma crítica ideológica à "solidariedade" que ela cola ao Estado. É normal, à medida que engrossa a fila do banco alimentar, o poleiro fica mais alto, pedem-lhe a opinião, dá entrevistas, coisa impensável num país com bons indicadores económicos em que a pobreza é um ruído de fundo. É "mais fria", a solidariedade do Estado, diz Jonet. Preferem os climas quentes, este tipo de aves. Preferem os sentimentos, compreende-se. O Estado existe porque todos (enfim, quase todos) pagamos impostos. É desagradável pagar impostos. É impessoal. Uma pessoa quando dá 1 euro de esmola sente-se bem, mas quando dá 750 euros por mês de IRS, sente-se mal. É um facto. Pagamos por coerção, ao fim e ao cabo. Mas somos pessoas quentes, nós, caramba. Pode ser uma coisa "fria", os impostos, mas sempre é uma grande fatia do rendimento de quem os paga e uma pequena fatia disso dava para imensas latas de atum e pacotes de arroz, não a usassem para coisas altamente discutíveis para as quais valia a pena dirigir críticas.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

viagem ao fim da noite

Termino a re-leitura do Viagem Ao Fim Da Noite, do Céline (1932). Quando li o livro a primeira vez, era novo demais. Foi um choque passar de Tolkien e hobbits para estripalhados nas trincheiras e a lição filosófica de que a humanidade não vale nada. A recordação que tenho é difusa, como a que se tem após um acidente de carro. Recordo-me de acabar de o ler no pátio da minha casa na aldeia e de estar doente, como estive quando li a Montanha Mágica. Aliás, quando era puto lia grandes romances quando adoecia porque não tinha mais nada para fazer, enfiado no meu roupão e na minha excelente chaise longue do pátio. Sei que estava doente, com febres altas, porque me lembro que isso me conferia uma espécie de intimidade e empatia com o Céline em África. A ele davam-lhe quinino, a mim xarope para a tosse e aspirinas. Infelizmente, ele curou-se antes de mim, no último terço do livro raramente fica doente, desfeita que o Hans Castorp não me fez, muito pelo contrário. No fim fiquei muito triste e emocionado, como só os adolescentes patetas podem ficar, com aquelas coisas de "só eu te compreendo" e "a minha vida mudou para sempre" e cenas desse tipo assim. Só posso imaginar o que o livro me fez. Agora vivi demais. Sim, sim, que eu não sou um rato de laboratório literário, afinal de contas, eu vou a cabeleireiros de bairro. Já li muito desde 1992 ou 93, muitas coisas que emanaram do Céline, algumas de forma tão evidente que agora me parecem ter mirrado para algo de irrelevante. Houellebecq, um contemporâneo francês, à cabeça. Ainda por cima agora aponto defeitos na obra, o último quarto de livro é algo cansativo, quando Céline repisa interminavelmente novas formas, impecáveis diga-se, para dizer exactamente o mesmo que já disse trezentas vezes antes. Talvez na re-leitura do Viagem ao Fim da Noite tenha fechado um puzzle. Uma pessoa vai ao fim da noite e pronto, já viu tudo. Depois o ciclo repete-se. O impacto das obras que versam sobre um determinado tema tem uma correlação inversa com aquilo que sabemos do tema. As obras mais arrojadas, digamos assim, costumam encantar o néscio ao mostrar-lhe paisagens que lhe são vedadas pela moral, pela educação, pela família... Tanto pode ser Nietzsche como uma revista pornográfica. É como espreitar pelo buraco da fechadura do tempo, indo para além do conhecimento que os próprios pais e os professores da escola têm das coisas. Sim, depois de ler o Céline, o jovem percebe tudo, vê através de tudo, está acima de tudo, muito à frente. Eu devia estar muito à frente da humanidade, ali de pijama e roupão, a congeminar planos eh eh... Hoje em dia, comovo-me é com os primeiros minutos quatro minutos do Up.


sábado, 8 de dezembro de 2012

corte de cabelo

Apesar de viver aqui há quatro anos, só hoje ganhei coragem para cortar o cabelo no cabeleireiro da minha rua. Precisava mesmo de cortar o cabelo, ainda por cima tenho uma reunião de trabalho na segunda-feira, com um potencial cliente. Não é bom parecer um poodle acometido de electricidade estática quando se quer vender coisas. A humidade é terrível. Bem, trata-se de um desses cabeleireiros que têm um vinil na montra a dizer haute fashion e que parece parado nos anos 80. Sempre que passo por lá ao sábado de manhã vejo um enome corropio de mulheres de meia idade e velhotas todas pintalgadas, a saracotearem-se de um lado para o outro com rolos e molas e toalhas na cabeça. Para cortar o cabelo, costumo ir a um muito insípido num centro comercial, um daqueles todo decorado com uma só marca de produtos e com cabeleireiras suburbanas de cabelo tão estragado por experiências com colorações que parecem ter sido recrutadas em Chernobyl. Esses sítios também costumam ter um gay português que faz sotaque brasileiro e que se concentra brutalmente em cada tesourada, como um escultor do renascimento a criar uma obra prima. Não sei porquê, esses sítios parecem-me verdadeiramente unissexo. Os de bairro não. O da minha rua não. Apesar de dizer a letras grandes UNISSEXO. Mas como acreditar nisso, do unissexo? É só mulheres lá dentro, sempre. Então hoje passei em frente ao cabeleireiro, só a sondar, e o caos era maior do que o habitual, dava a sensação que algo se tinha descontrolado e as senhoras estavam a fazer o jogo das cadeiras com os rolos e pinças na cabeça. Continuei o meu caminho, fingindo ter mais que fazer. Depois de ter visto os títulos dos jornais desportivos no quiosque, passei de novo em frente ao cabeleireiro. Queria parecer casual. Do género, vou aqui a passar e por acaso lembrei-me, olha, vou cortar cabelo. Então ganhei coragem e entrei. Fui recebido por um bafo quente de potentes secadores de cabelo, cheiros de cremes, shampôs, tintas e diluentes. Não é muito diferente de uma oficina de automóvel, pensei. Não foi sem alguma desilusão que me apercebi de uma indiferença geral face à minha chegada. Afinal de contas eu ia meter o Uni no Sexo daquele salão. Não conseguia distinguir facilmente as cabeleireiras e auxiliares das clientes. É um dos problemas destes sítios em que não há a clássica t-shirt preta oferecida por uma marca de produtos para cabelo. Uma senhora, que supus ser cabeleireira porque estava a pintar cabelo a outra senhora bastante parecida com ela na indumentária, perguntou-me o que eu queria. O que raio havia eu de querer? Um jogo de playstation? Uma mise? Queria cortar o cabelo, respondi, timidamente. Sorriram, veio logo uma disparada tirar-me o casaco e outra ajeitar uma toalha. Tentei encaixar-me na bacia de lavagem do cabelo. Costumam ser para anões, mas esta era mesmo absurdamente pequena. Fiquei quase deitado. A pouco e pouco, enquanto me lavavam a cabeça, as coisas recomeçaram o seu curso normal à minha volta. Ou então era eu que retomava o meu. Confirmei que a minha presença ali lhes era indiferente e que seguiam a sua vida. As mulheres quando estão em grande número no seu território são assim, é uma coisa fantástica, ignoram completamente o homem. Mas metam uma mulher no meio da tasca da minha rua quando está a dar o Benfica e vão ver o que é caos e perturbação. Pintavam as unhas a uma senhora de idade, extremamente idosa. Um ar muito composto e nobre, qual rainha de inglaterra do bairro. Depois de lavado o cabelo, puseram-me aquela espécie de grande bata ou capa à volta do pescoço. Nos cabeleireiros de centro comercial costumam ser batas pretas ou brancas. Esta era razoavelmente preta, nos espaços entre o padrão de marcas de beijinhos em baton vermelho. Não dei grande importância. Quando a dignidade de um homem desce abaixo de um certo limite, nada importa mais, ele torna-se insensível a qualquer degradação da sua honra, basta pensar em Miguel Relvas. A cabeleireira começou a cortar-me o cabelo, depois de lhe explicar o corte que pretendia e de ela perceber imediatamente como eu queria o corte. Era tão experiente que nem cheguei a falar, o cabelo começou a cair em grossos cachos. Não estava cá com merdas, a minha cabeleireira. Manejava ao mesmo tempo uma tesoura, uma lâmina, um pente e meia dúzia conversas extremamente importantes com clientes e colegas que a interpelavam constantemente. Por vezes, a lâmina de barbear com que esfiapava cabelo com perícia vista apenas no Kill Bill ficava suspensa perto da minha orelha, a meio de uma novidade picante que lhe iam contar. Eu fazia figas para que a novidade não a entusiasmasse demais. Às tantas, também eu parecia atento à conversa. Nada de especial, era só um divórcio. Não lhe batia? Batia sim, e não era pouco. Ah bom, isto está a ficar interessante. E tinha uma amante. E ela tinha uma depressão. E ainda por cima levava. Fez um desmancho. Sangrou muito. E dívidas? Estavam cheios de dívidas, todos. Fiquei completamente agarrado às histórias. Bloqueio de escritor é que não havia por ali. Quando faltavam figurantes reais, pessoas do bairro, eles brotavam das revistas sociais, folheadas avidamente à procura de tema. Operações plásticas, traições, abuso de drogas, casamentos, divórcios, gravidez, dívidas, depressões, maus tratos, burla... Fiquei a perceber que uma biografia da Luciana Abreu é uma espécie de enciclopédia do trash. Vocês sabiam que a Luciana e o Djaló vão dar mais uma chance ao casamento? Eu não sabia. E agora já sei. E já sei onde ir, quando precisar de inspiração para uma história best seller que me pague as contas. Sim, aquele cabeleireiro é o heart of darkness perfumado, amaciado, colorido e lacado. Bate qualquer paneleirice do Céline mais as suas colónias em áfrica e o seu paludismo. É mais real do que qualquer casa de apostas de corridas de cavalos do Bukowski, mais decadente que a miséria do Hamsun e mil vezes mais perigoso que as guerrinhas do Hemingway. No fim, sem dar pelo tempo passar, tinha um rico corte de cabelo, ainda por cima. Bem giro. Acho que todas aprovaram. E que mal saí, se fartaram de cochichar a meu respeito: Parece que tem um blogue, o Tolan. O Tolan? Já ouvi falar, mas eu leio é o Arrumadinho. Ai nem me diga nada, esse é que me dava jeito aqui no salão para atrair clientela e dar conselhos. Mas é mesmo ele, o Tolan? É sim. Ele diz que quer ser escritor, não parece nada um escritor, não tem aquele ar digno. Escritor? Quer ser mas é um bebado, você já viu a quantidade de garrafas que ele recicla ao Sábado de manhã? Ah pois, não vê a menina que não mora em frente ao vidrão, é cá uma barulheira...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

plumbeas oblíquas


É à hora de almoço que sou dado à contemplação mais intensa e produtiva. Se estiver a chover, melhor ainda. Nada acentua melhor a sensação de isolamento como um bom carapuço pelas orelhas abaixo. É como uma toca portátil, digamos assim. Um chapéu de chuva também é interessante, cria como que um cone de protecção de pessoas e chuva com um diâmetro igual ao do chapéu, desde que não esteja a dar daquela chuva oblíqua de que os escritores e poetas tanto gostam, mas que molha os sapatos italianos do nosso consultor. É disso e dos céus plúmbeos. Muito gostam deles de chuvas oblíquas e céus plúmbeos. E de meter a cor azul por todo lado. Acham que se trocarem uma cor por azul, a coisa fica poética. Jorge passou a mão pelo queixo azulado da barba por fazer. Desde quando a barba de um homem é azulada? Só se for algum bicho peludo e azul da rua sésamo. E depois são as montanhas azuis, muito gostam eles de ver montanhas azuis por todo lado. Se calhar nunca saíram do Chiado e a única montanha que conhecem é a do Brokeback que eles já viram 30x. O Fausto até fez um disco chamado Em Busca das Montanhas Azuis. Boa sorte Fausto. Se as encontrares, tira uma foto e posta no instagram para a gente ver. Mas sem photoshop, não vale batota. Ou o fumo azul do cigarro. Ou as sombras azuladas no olhar de Sandra. Deve ser um rímel da avon, o sombras azuladas. Não inventem. O fumo é cinzento. As montanhas têm tonalidades em gray scale a maior parte das vezes, quando vistas ao longe, por causa da poluição. Aliás, o termo artístico é sfumato. Em vez de "Em busca das montanhas azuis" devia ser "Em busca das montanhas grayscale 80%". Ou 70, 90%, é uma questão ir experimentando e ver qual é que fica melhor no poema. Há montanhas brancas também, perdão, montanhas alvas. Por exemplo, no Nepal. Especialmente de dia. À noite não, só se levarem com uns faróis muito potentes em cima. De noite podem, com muita sorte, num dia de céu limpo e de lua argêntea, ficar argênteas. Como as faces de Sandra, alvas e argênteas de olhos com umbras azuladas de apanhar no focinho. E livrem-se de começar qualquer texto ou poema com "manhã". A não ser que a dita esteja submersa, claro. O que pode acontecer no caso de muita chuva oblíqua e entupimentos nas saídas dos esgotos. Não, tem de começar com aurora. Se querem ser poetas, é uma questão de meter o despertador a tocar mais cedo e não ficar na ronha a carregar no snooze três ou quatro vezes.

e o disco do ano é...

...assim de muito longe e numa decisão eventualmente precipitada uma vez que mostraram isto agora...

Alt-J, An Awesome Wave 

não é forma de ir

Quem nunca contemplou, do alto do Cabo Carvoeiro, o fim da sua própria existência na espuma branca das ondas a desfazerem-se furiosas na proa da Nau dos Corvos, não sabe apreciar um bom queijo como deve ser.
  

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

já passou


vaidade



As pessoas em geral são preguiçosas e desatentas como as crianças. O humor é o Cavalo de Tróia do subversivo. Pode-se chamá-las de preguiçosas e desatentas (ou muito pior) desde que as façamos rir no processo.  O humor é a cobertura adocicada de vitaminas amargas. Nem dão por nada, até gostam. É fácil pintar lágrimas e fazer pantominas como um  cabotino. Demonstrar-se uma alma sensível, cheia de paixão. Ou então, ser incompreensível. Sim, ser incompreensível, críptico, é permitido desde que se tenha o rótulo certo. Se escreves um sms ou e-mail incompreensível, protestam e corrigem-te, mas se é um poema ou filme opaco no seu significado, de repente, eleva-se acima da mesquinhice dos mortais. É fácil, na crítica, no ataque, resvalar para o ressentimento estéril e colher apenas o interesse de outros ressentidos. O humor está na arte como a disciplina de matemática no curso de sociologia ou psicologia. A ironia é o antídoto na vaidade inata a qualquer artista. Nas artes, a tendência para a vaidade é imensa, ninguém é excepção, aliás, o pior vaidoso é o que tem vaidade na humildade e na rectidão do próprio carácter. A vaidade do artista, ao contrário daquela que encontramos no emigrante do mercedes vermelho, é uma vaidade que não tem piada. Porque há pobreza. Um pobre vaidoso é uma coisa que mete pena, tem de se enfeitar de plumas e bugigangas que os artistas distribuem uns aos outros quando estão juntos a brincar ao meio cultural. Então dizemo-nos poetas, escritores, pintores, músicos, realizadores etc. mesmo que aquilo seja um part-time como o seria body combat no Holmes Place. A cada um,  a sua especialidade. Os artistas são pombos a disputar migalhas que umas velhas vão atirando. Quando não há dinheiro, as relações e hierarquias perdem a objectividade saudável que, apesar de tudo, existe em sítios tão prosaicos como uma fábrica ou um escritório. A velha do estado é a que tem o melhor pão, mas há a velha do patrocínio, a velha da coluna no jornal, a velha da crítica, a velha da connection certa nos sítios certos do bairro alto...  todas umas vaidosas, essas velhas, adoram chegar com o saquinho e ver toda aquela comoção nos pombos e aqueles saltinhos que fazem. Algumas velhas já foram pombinhas também. Não há pombo mais bonito que o artista, o artista é uma jóia, uma pedra preciosa, uma delicatessen no coquetail, no lobby de entrada da sede da empresa, nas relações pessoais e íntimas de qualquer pessoa com mundo... Há pombos gordos no meio daquilo, os que encantam as velhas com os seus saltinhos e danças. Quanto mais pão comem, mais gordos e fortes ficam, afastando os pombos mais pequenos que arrulham no desespero do anonimato, ressentidos. Mesmo assim, pombos gordos e magros, todos seriam esborrachados por qualquer pneu de carro alemão num dia normal. Não se pense que é fácil ser um pombo gordo, uma vez chegado lá. A Dorothy Parker tem um conto sobre um preto cego a quem dão um fato todo pimpão e as pessoas do bairro, que antes o toleravam, decidem-se  a espancá-lo forte e feio mais ao fato todo pimpão. Que é para aprender. E daqui, podíamos abordar o tema da inveja.

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto (...))
(Pessoa/Álvaro de Campos, 1965)