quinta-feira, 28 de março de 2013

ardam no inferno

Não vi aquilo do Sócrates em directo, mas, pelos jornais, retive que um homem que foi ministro do ambiente e primeiro ministro durante uma porrada de anos e que tem idade para ter juízo, não tem vergonha em declarar que não conseguiu poupar o suficiente para estudar no estrangeiro e teve de pedir um empréstimo à banca... Pelos vistos a sua máxima do "as dívidas não se pagam, gerem-se", é levada a sério mesmo na vida pessoal.

O que querem? Tornei-me populista. O raciocínio mais frequente que tenho quando leio jornais envolve uma guilhotina no terreiro do paço e uma tribuna do povo, irada, de forquilhas e archotes erguidos. 

Deus, Sporting e outras cenas

Entre este post e o anterior, fui ao carro buscar o livro do Borges e reflecti um bocadinho, à chuva. O Borges é tão bom que sabemos que, quando discordamos dele, é apenas uma questão de tempo até sermos acolhidos no regaço da sua sabedoria. Mas não vamos falar disso. Aquela citação do Bukowski deixou-me um pouco inquieto. Deus em Tolstoi ou em Dostoiévksi tem a mesma função que as corridas de cavalos e a lady luck para Bukowski. Lennon na magnífica God começa por dizer que "Deus é um conceito pelo qual medimos a nossa dor". E é só esse, o seu papel, na boa literatura que mete Deus lá pelo meio. Sempre vi o Deus do tio Dosto, do avô Tolstoi ou do febril Gogol, como uma metáfora da angústia inerente à procura do sentido da vida ou da diferença entre o certo e o errado ou do alívio do sofrimento, temas, esses sim, eternos e universais, seja para fervorosos crentes do século XIX ou para ateus alcoólicos e niilistas do século XX. O Sporting, por exemplo, nos últimos anos, serviu de conceito segundo o qual muitos portugueses medem a sua dor. O processo que levou John Lennon a querer despir-se da culpa e do sofrimento ao renegar as suas anteriores crenças, não é diferente do processo de muitos sportinguistas que equacionaram a sua fé no Sporting e, de forma premeditada, procuraram afastar-se do sportinguismo. Li mesmo um texto num blogue leonino em que um blogger, extremamente emocionado, se despede do seu Sporting (e do blogue) e deseja que ele nunca tivesse existido, pois quase só lhe causou sofrimentos nas últimas duas décadas.

Bukowski viveu rodeado por uma moral de inspiração calvinista e protestante americana, uma moral hipócrita que o alienava e era sua inimiga em todas as frentes, desde a glorificação da redenção pelo trabalho, ao governo que ainda hoje termina discursos com God Bless America, à sociedade, à classe média dos subúrbios e, sobretudo, ao próprio conceito sagrado de família.

Isto funciona dos dois lados. O anti-clericalismo e ateísmo de Saramago, que deu origem ao magnífico Evangelho Segundo Jesus Cristo, também pode ser visto assim, como próprio de Saramago e como fazendo todo o sentido em Saramago e no Portugal de Saramago, um Portugal que está longe de ser fictício ou minoritário, mas que era de facto mais extremo e depurado para alguém com a experiência de vida de Saramago.

A mim, por exemplo, estas questões de "Deus" ou de religião passaram-me um pouco ao lado excepto em dois pontos: a sensação de alienação e de estranhamento por não ser católico, sendo que a maior parte das actividades sociais e colectivas, bem como das festividades e celebrações, terem uma raiz religiosa. Isto deixou um eu não sou igual a eles desde os cinco anos de idade, sentimento que, lamento, se mantém. A observação de que pessoas livres podem ser condicionadas desde pequenas a acreditar em qualquer coisa tão mirabolante deixou-me alerta para a propensão que os homens têm de acreditar sem questionar, prestando-se de bom grado à subjugação da razão e do livre arbítrio a ficções erguidas por pessoas mortas e enterradas, perpetuadas por estruturas automáticas, muitas vezes apenas pela vontade de ser igual aos outros e, nos piores casos, na vontade de tornar os outros iguais a eles. 

Felizmente, nunca lidei com isso nas formas extremas. Mesmo na aldeia, nunca me senti minimamente ostracizado por não ir à missa, tendo apenas como episódio mais traumático o facto da dona Rosa ter questionado o facto de eu andar no Pão por Deus se não era crente, mas dando-me mesmo assim umas broas e uns rebuçados bola de neve. Mas Saramago (e o meu pai) lidaram. O meu pai era profundamente anti-católico porque tinha marcado a ferro e fogo a moral do Estado Novo e uma educação repressiva em que rezar Ave Marias de castigo ou levar com a noção de culpa, inferno e pecado eram instrumentos para o moldar à paulada. Sei que se tivesse nascido selvagem na Samoa, acreditaria que a minha família estava directamente ligada a um animal específico e exorcizaria espíritos malignos esfregando ervas frescas no rosto.



ovelhas

Muito bem, vou ser pai de uma menina. Enquanto não consigo digerir as implicações, vou antes falar aqui numa coisa que li na sala de espera da clínica da ecografia e que não consegui partilhar com a Plaft na altura. Borges, uma pessoa que tem sempre razão, fez um texto muito bom sobre alegorias. Não sei o nome do texto, mas deixei volume II das Obras Completas no carro e não me apetece ir lá abaixo buscar o livro. Pegando no exemplo de Nathaniel Hawthorne, um autor que fazia muitas, muitas alegorias, Borges refere que o Nathaniel pensava numa situação e depois preenchia essa situação com as personagens necessárias. Por vezes prejudicava a qualidade literária dos seus contos ao forçar uma moral (era calvinista). Borges refere-se a notas de Hawthorne em que o mesmo, antes de escrever, resume o conto ou a hipótese de conto numa sinopse e de seguida escreve um possível significado e uma possível interpretação da alegoria, como se criasse e interpretasse ao mesmo tempo, antes de começar a escrever propriamente dito.

Onde discordo de Borges, porém, é na interpretação que faz das notas. Revejo-me em qualquer crítica que se faça a morais, significados e símbolos martelados numa história e expostos de forma demasiado esquemática (um defeito por vezes presente em alguns livros de Saramago), mas acredito que o facto do autor ter notas desse tipo não quer dizer algo necessariamente. Borges, noutro texto, assume-se como não-romancista declarado e diz também que um bom romancista é normalmente alguém que pensa por imagens, de forma instintiva, construindo um universo e personagens próprios, nos quais acredita profundamente, mesmo que à custa de uma lógica ou esquema perfeito (dá o exemplo de episódios implausíveis ou ilógicos da obra de Cervantes ou Shakespeare). 

A criação absolutamente livre esconde por vezes um processo de reflexão invisível, permanente, intelectual e profundo, seja ele anotado nas margens dos manuscritos ou não. O facto de ser invisível na própria obra não significa que o autor que pensa por imagens não tem o mesmo tipo de raciocínio intelectual que um escritor como Borges (ou Calvino ou Sartre, que não são romancistas). Se é verdade que a boa escrita nunca é consciente durante o acto em si (sim, o velho cliché da mão do Lobo Antunes), não se pode sonhar com ovelhas sem nunca ter visto uma, e é impossível um escritor sonhar espontaneamente com uma sucessão de ovelhinhas que resulte numa alegoria ou metáfora profunda com ligação directa a Homero e ao leitor do futuro, sem ter absorvido, profundamente no seu sub-consciente, muitas ovelhinhas de outros autores. É por isso que  na literatura há muito pouco espaço para o génio espontâneo. Mesmo Bukowski, um aparente proletário, leu uma biblioteca municipal inteira antes de fazer dezoito anos, absorvia e reflectia sobre tudo de forma radical e assertiva, não se lhe conhecendo no entanto, reflexões muito mais profundas que coisas como estas:

"Dostoevski was precisely passionate, but when he ended up with Christ in his lap I wrote him off as going the long way around to find what most idiots accepted in the beginning. Not that I didn't find his journey vibrant. For this, I almost forgave him his final Error. Tolstoy, who ended up the same way, was simply dull throughout. Which I can't forgive." #15 from "Ecce Hetero," More Notes of A Dirty Old Man, p. 171.

"One reason I took to writing was because I'd be doing some reading of the great works of the centuries and I thought, 'Good God! This is it? This is what they're settled on? Shakespeare? Tolstoy's War and Peace? This stuff?" (interview with Marc Chenetier, 1975, Sunlight Here I Am, p. 134.)

sexta-feira, 22 de março de 2013

bongos

Para o alf não se sentir sozinho, deixo aqui um singelo post sem, no entanto, enveredar por territórios criativos e ficcionais, de modo a reservar esses ímpetos voláteis para o magnífico segundo romance, muito solicitado pelas editoras e por diversos intermediários que temem (quiçá, com realismo, fruto de longa experiência) que a mania de escrever me passe um dia, como se fosse uma gripe forte, mas benigna. De resto, revejo-me muito no lamento do alf, ao qual me junto como uma carpideira siciliana, no que respeita ao silêncio do causa modificada e da pastoral portuguesa, dois blogues que são absolutamente necessários às minhas manhãs no período do café, quanto mais ao país.

Pensei um pouco no tema que poderá agradar ao alf. Vou limitar-me a falr de coisas que acho giras e que possam talvez, por arrasto, interessar a um ou outro leitor para além do alf. Gostava de citar uma das pessoas de quem mais gosto no mundo, o nobelizado Richard Feymnan, conhecido, entre outras coisas, por tocar muito bem bongos:

Feynman a tocar bongos, qual king of the jungle, king of the bongo bong


Então o Feynman, um dia, a meio de uma festa com colegiais e de um concurso de shots, disse assim:

Fall in love with some activity, and do it! Nobody ever figures out what life is all about, and it doesn't matter. Explore the world. Nearly everything is really interesting if you go into it deeply enough. Work as hard and as much as you want to on the things you like to do the best. Don't think about what you want to be, but what you want to do. Keep up some kind of a minimum with other things so that society doesn't stop you from doing anything at all.

Mas também disse:

The first principle is that you must not fool yourself and you are the easiest person to fool.  

 ...e disse...

It doesn't matter how beautiful your theory is, it doesn't matter how smart you are. If it doesn't agree with experiment, it's wrong.

Podemos imaginar o interesse das colegiais a diminuir gradualmente, um silêncio comprometedor a instalar-se e o grupo a ameaçar dispersar e Feynman a recorrer de novo aos bongos.

Isto foi a primeira parte do post, agora vem a segunda.
A tentativa de perceber a QED (quantum electrodynamics) foi uma experiência assaz frustrante. Eu deveria ter à vontade com esses tópicos quando são apresentados nos populares livros de divulgação científica, pois dá-se o caso de ter alguns conhecimentos de matemática e dos mesmos livros serem pensados para um leitor comum com capacidades normais de abstracção, raciocínio lógico e noções rudimentares de matemática. No entanto, foi muito difícil. Existe em nós uma resistência natural a tudo o que é contra-intuitivo, mesmo as coisas mais simples, como acreditar que tenham escolhido o Diogo Morgado para fazer de Salazar numa série de televisão. Crescemos num mundo em que as laranjas crescem em árvores e são laranjas e têm sumo lá dentro. Embora possa não parecer, este facto é tão absurdo como qualquer outro que se queira inventar. Na QED, é como se o Grande Arquitecto fosse uma criança de três anos a decidir leis do universo. Ou estivesse muito ébrio. Mas Feynman dá a solução...



...  não era esta, é esta:



quinta-feira, 14 de março de 2013

código bushido

Partindo do princípio que isto interessa ao menino Jesus, quando disse que ia deixar de escrever aqui uns tempos, tinha a ver com o trabalho no segundo romance e, marginalmente, com solicitações para colaborações em revistas, visto que sou muitíssimo solicitado por publicações que não têm dinheiro, muito menos dinheiro suficiente para alugar talentos como o José Tordo Hugo Peixoto Mãe e que, por isso, são forçadas a recorrer ao aos pasteleiros que querem ser escritores. A pausa não tem directamente a ver com a paternidade. Quem segue com afinco e dedicação a minha longa carreira de mais de uma década a servir posts diários à população portuguesa e internacional, sabe que faço retiros que levam, inclusive, ao apagar permanente do blogue e ao surgimento de outro, fazendo tábua rasa de todo o passado. Vocês também, queridos leitores, serão abandonados um dia, de repente....




O blogue funciona num ciclo muito curto de inspiração, escrita, publicação, feedback, (incluindo-se neste feedback os esplendorosos comentários do Ex-Vincent Poursan, um feedback muito parecido com o que os sonic youth fazem quando esfregam as guitarras nos amplificadores). Um romance são sucessivas unidades de inspiração e escrita, durante um longo período. A parte final do ciclo (publicação, feedback) decorre com tamanho hiato de tempo que parece uma coisa estranha, como uma carta com uma multa de trânsito de uma infracção que ocorreu há anos, num local onde nem nos lembramos de ter passado.

A paternidade  impõe-me um prazo e a ideia é conseguir ter material suficiente para que o trabalho resista ao choque existencial que tal condição implicará. Diz que os homens mudam com essas coisas. Podia conduzir a uma relativização da própria escrita, como um pasteleiro que descobre que ele é mais bolos e que, de facto, o campo da escrita é propriedade exclusiva do profissional José Tordo Hugo Peixoto Mãe.

Contudo, e lamento desiludir o José Tordo Hugo Peixoto Mãe, acredito que terá o efeito precisamente oposto, uma vez que ser pai é coisa para meter uma pessoa em contacto com uma essência de verdade, um eixo que às vezes parece um pouco diluído no ruído da superficialidade narcisista própria do imaturo.

Quando analiso as razões que me levaram a começar a escrever, confesso que não eram diferentes das que me levavam a querer ser actor e posteriormente músico. No fundo, queria apenas não ser um pasteleiro. Queria erguer-me das massas anónimas e ser respeitado pelos meus pares e contemplado por olhos com pestanas a bater como asas de borboletas apaixonadas. Ser um bom escritor, ser o José Tordo Hugo Peixoto Mãe ou ser o Justin Bieber pendurado por cabos de aço com asas de anjo no pavilhão atlântico, ia dar ao mesmo, pois ainda me via no recreio da escola, anónimo, longe do ecossistema onde saltitavam, de rabinho empinado e cio permanente, os melhores espécimes do sexo feminino. A propósito, ando a ler "Uma história da guerra" do John Keegan e senti-me bem enquadrado ao perceber que as mulheres, desde os primórdios dos tempos, eram o recurso escasso mais disputado entre tribos primitivas e a principal razão de conflitos entre homens.

Sendo eu proprietário de um fértil espécime de seu nome Plaft, e tendo eu a responsabilidade de caçar e colectar nutrientes para garantir o desenvolvimento dos seus seios e alimento da cria, esse motivo de guerra real esbateu-se consideravelmente. Além do mais, descobri que bons dotes de confecção de refeições ou pastelaria, tendem a ser mais apreciados pelos melhores espécimes de fêmeas e essenciais à sua sedentarização junto de nós, por contraponto à capacidade de elaborar um bonito poema que é perfeitamente inútil ao desenvolvimento de seios e alimento de crias. Encontro-me pois em processo de sedentarização e pastorícia, dedicado ao cultivo de móveis do ikea e ao estabelecimento de uma cabana de criação de bebé, devidamente atapetada e fortificada. Como garantir o espírito guerreiro, os ímpetos furiosos e a crueldade necessária à literatura? Esse é o grande desafio existencial.

A solução está no jogo, na encenação, nas guerras a fingir dos ianômanis, nos rituais encenados dos maoris, nas demonstrações de destreza cavaleira dos mamelucos, no jogo do pau dos pauliteiros, nos rituais de intimidação dos zulus ou no código dos samurais... no fundo, territórios de competição exclusivamente masculinos que podem coexistir com uma vida pacífica e sedentária. O escritor que consiga aliar a vida sedentária e pacífica, enquanto mantém rituais de demonstração de força e perícia, deixa claro a potenciais adversários como o José Tordo Hugo Peixoto Mãe que, em caso de conflito por recursos escassos, haveria derramamento de sangue e um vencedor mais que provável. Tal como na antiguidade, os conflitos originavam-se sempre das zonas pobres em direcção às zonas ricas, muito raramente no sentido oposto, uma vez que nas zonas pobres, as dos pasteleiros, se desenvolviam capacidades e forças que os ricos e instalados tinham perdido há muitas gerações.

Contudo, avisa-se o José Tordo Hugo Peixoto Mãe que não tem de se preocupar com o conflito pelo recurso 'dinheiro' e que pedimos desde já desculpa por eventuais danos nesse campo. O ponto V do código Bushido do Samurai sugere de forma muito clara que os homens devem abominar o dinheiro, pois afecta a sabedoria e prejudica a masculinidade.

Yukio Mishima, preparado para escrever

 

segunda-feira, 11 de março de 2013

o motivo da resignação do Papa em musical

Carrega-se no play:






(introdução)














































I want to break free
 





I want to break free













I want to break free from your lies












You're so self satisfied I don't need you





I've got to break free









God knows, God knows I want to break free





























I've fallen in love






I've fallen in love for the first time
 


And this time I know it's for real


I've fallen in love yeah











God knows God knows I've fallen in love







It's strange but it's true



I can't get over the way you love me like you do


But I have to be sure
When I walk out that door



Oh how I want to be free baby



Oh how I want to be free


Oh how I want to break free




(interlúdio instrumental)




















But life still goes on














I can't get used to living without living without

Living without you by my side

I don't want to live alone hey


God knows got to make it on my own




So baby can't you see



I've got to break free



I've got to break free




 I want to break free yeah