domingo, 14 de agosto de 2011

o mundo interior


Encontro-me a ler o Viagens de Gulliver do senhor Jonathan Swift (ainda).

Quando Gulliver viaja, leva consigo a sociedade e o pensar ocidental, nomeadamente o inglês, e coloca-o em confronto com mundos diferentes mas que são emanações absurdas do mundo inglês do século XVIII. Assim, também há cortes, leis, cidades, ciência, arte, exércitos etc. nesses novos mundos. Não são mundos "selvagens" e "inocentes" como os que se desbravavam na época e cujas questões fundamentais que suscitam são retratadas, por exemplo, no maravilhoso Robinson Crusoe do Daffoe, também mais ou menos da mesma época.

Gulliver é como um diapasão da nossa identidade, vemos as coisas pelos olhos dele: os outros mundos parecem absurdos e desproporcionados e ele, por comparação, ora é um gigante que vence batalhas sozinho, ora é um ser pequenino e desprezível explorado numa feira de curiosidades.

O mecanismo de Swift é subtil e contém uma poderosa auto-ironia à sociedade inglesa, pois Gulliver, que é um inglês civilizado, humanista e justo e profundamente convicto da superioridade da sua nação e cultura, é sucessivamente desarmado pelas circunstâncias e pelo contexto que varia com as suas viagens. O seu sistema de valores  vai sendo desmistificado, seja directamente, quando o Rei da terra dos gigantes faz uma mordaz crítica à sociedade descrita por Gulliver, seja pela caricatura, quando reconhecemos nos mundos descritos por Gulliver, o nosso próprio país e os seus defeitos, levados a um extremo absurdo. Por exemplo, uma nação que é governada por pessoas obcecadas por números e que os analisam e contabilizam à exaustão mas que, por outro lado, são cegas e surdas à realidade próxima  que os rodeia (sendo necessários "batedores" que lhes dão pancadinhas nos olhos e nos ouvidos para que oiçam e vejam quando alguém fala com eles) não é mais do que uma caricatura de uma característica nossa (ocidental). O que é curioso é que apesar destes sucessivos choques, nada em Gulliver indica que ele pense de forma diferente ou que as viagens o transformem. Apenas aparenta ser louco quando conta as suas histórias a pessoas do seu país.

O retrato satírico que ele faz da Inglaterra de 1726 podia perfeitamente ser aplicado ao Portugal de 2011, com alguns ajustes.E a forma de Gulliver analisar e descrever estas sociedades estranhas, é muito semelhante à nossa, quando comentamos a actualidade de países que nos são estranhos e distantes ou de fenómenos que não conhecemos, mesmo dentro do nosso país. Esta é talvez a última conclusão que se retira do As Viagens de Gulliver. O único referencial, absoluto, somos nós, na nossa solidão e mundo interior e tudo o resto é potencialmente absurdo ou moralmente errado se destoar do nosso mundo interior.


O Jonathan Swift é este senhor ó:



4 comentários:

Isabel disse...

No liceu, das duas uma: ou tinhas notas muito boas a português ou eras um incompreendido quando fazias análise de texto.

Tolan disse...

Este texto nem está muito bem organizado e acho que exageras, mas obrigado :] E tinha notas muito boas a tudo.

Isabel disse...

Não tens de agradecer, eu não fiz grande elogio ao texto, apenas me parece que te entusiasmas com isto e que te empenhas a sério. O resultado só poderia ser muito bom ou muito mau.

Parabéns por teres sido um estudante exemplar! (agora sim, fui simpática)

Claw disse...

Quando escreves assim, a serio, até quase me fazes chorar, caralho!