terça-feira, 2 de agosto de 2011

vencer

Quando era puto, por vezes faltava às aulas para jogar snooker a dinheiro, depois tive de parar porque avisaram os meus pais e nem o facto de eu ter média de 18 os convencia do meu método de estudo. Comecei a partir dos 16 anos. O responsável pela sala de jogos não nos deixava jogar com menos de 16 anos, apesar das nossas insistências. 16 anos era mesmo a idade mítica. Acho que nunca desejei tanto ter uma idade como 16 anos. De aí em diante a idade passou a ser uma abstracção. Treinava todos os dias e passava fome porque gastava o dinheiro do lanche em snooker e por vezes perdia e tinha de dar coisas (CDs, jogos) para pagar as dívidas. Outras vezes ganhava e sentia-me o rei e pagava rodadas de imperiais (deixavam-nos beber, jogar é que não). Depois aos fins de semana às vezes jogava em casa de um amigo que tinha mesa e à noite, quando podia sair, ia ao bar com mesa de snooker no centro da pequena cidade e desafiava tipos velhos, com 19 anos por exemplo, que jogavam contra mim, com as namoradas dengosas a suspirar de tédio. Ficavam ali, observando o namorado, um rechemengo maçarro de peito feito, a dar uma lição no geek desengonçado. Juntavam-se amigos e curiosos, a observar, de copo da mão, ao som do saturday night da wigfield.

Começava sempre avassalador, à tom cruise na cor do dinheiro. Inspirado e eufórico, visualizava trajectórias, era arrojado, tinha nota artística, metia bolas com duas tabelas, fazia curvas dando tacadas quase na vertical, usava efeitos... Mas quando chegava à bola preta, mesmo que fosse uma jogada fácil e básica, eu projectava mentalmente o acto de falhar, os meus braços ficavam tensos, espasmódicos e, sob os olhares dos estranhos e da namorada do mongo, falhava mesmo, deixando a preta à porta. Outras vezes dava uma castanhada idiota na preta e a branca acabava por entrar, perdia o jogo. Como prémio levava umas palmadinhas no ombro, tap tap tap e o tipo voltava para o pé da namorada, de peito inchado e eu para casa, de mãos nos bolsos vazios. Nunca ganhei nenhum jogo nesse bar.

Mais ou menos pela mesma altura, em 1994, vi o Baggio falhar aquele penalti contra o Brasil com um chuto para a estratosfera, entregando o título mundial. O melhor jogador do mundial marcar um penalti assim, um chuto daqueles, milhões de pessoas a ver, o fim de uma carreira marcado por um falhanço trágico. E os brasileiros a festejar o título aos saltos, felizes porque ele falhou, não dependeu deles, foi ele que falhou, foi ele que decidiu o título mundial. E depois o ar de resignação dele, a olhar para o chão, mãos na cintura, o desejo de desaparecer do planeta. É muito mais interessante um penalti falhado do que um marcado, que é o que se espera. O que importa é o estilo e querer, genuinamente, vencer. Um título é uma nota de rodapé na história.

9 comentários:

André C. disse...

agora vingas-te no poker.

Pipoca dos Saltos Altos disse...

Chorei neste jogo, chorei baba e ranho com pena do Baggio. Anos mais tarde este amor valeu-me a ida ao jogo dele de despedida da selecção e um beijinho.
Quanto ao snooker, a minha média fava-me um certo conforto para passar horas agarrada ao taco (salvo seja). Beijos

Sinnerman disse...

Il codino divino...saudade....

Mak, o Mau disse...

O snooker pode ser um mundo muito tortuoso. Daí que eu, mente simplista, sempre tenha mantido aí um conhecimento superficial e desenvolvido capacidades em artes mais básicas como as dos matrecos.

No que a penalties e momentos de vencer, ainda assim, dêem-me mil vezes um Baggio que falha do que casos como o do Bebeto que, apesar das histórias que falam de lesões etc, se recusou a bater um penalty no último minuto e custou assim um título ao Corunha.

Prefiro o tipo que falha no momento decisivo ao gajo que se retira do momento decisivo para não falhar.

O que não tem nada a ver com o medo de falhar em qualquer uma das ocasiões...

Tolan disse...

Mak, quanto a matrecos, é a minha especialidade. Chamam-me "the special one" e "CR7". Não estou a brincar :D Penso que a PS3 e a coordenação olho/mão e o facto de ser meio ambidextro ajudam.

Isso e treinar sozinho às vezes. Sou uma pessoa doente :\

Mak, o Mau disse...

Eu fiz o percurso também chamado "De trás para a frente". Tornei-me um colosso defensivo e, depois de saber que aí pouco mais restava, avancei para a frente para dar largas à minha imaginação.

De special features só posso citar o facto de ser canhoto, ter potencial criativo e ser ser acutilante na arte do trash talking...

Tolan disse...

ahaah eu sou péssimo no trash talking ^_^ e mau à defesa, mas se eu jogar à frente, o meu meio campo é uma barreira intransponível. Também sou mais tendencialmente canhoto (escrevo com a mão esquerda, dou socos com a mão direita, posso fazer os dois ao mesmo tempo)

Hugo disse...

Mak, Tolan, já vi que sabem que os matraquilhos são um jogo individual e não de equipa como pode parecer aos mais incautos. Só por si, isso já revela que são jogadores especiais. No meu curriculum, tenho uma vitória contra o Manel João Vieira, o músico, já bastante embriagado (eu). Isto dá-me uma certa mística, acredito

Drª taberneira disse...

"Um título é uma nota de rodapé na história." - nice ;)