segunda-feira, 11 de julho de 2011

mentalizar-me

O desafio será o de retroceder a um estado infantil puro, dominado por memórias infantis e por uma ficção permamente e total. Um estado em que não existe ressentimento e não existe memória de longo prazo. O tempo corre lentamente e cheio de detalhes, como uma formiga que trepa um muro e desaparece numa fenda ou a textura do nariz de um cão, ou como aqueles grandes planos estáticos e escatológicos dos bonecos do Ren & Stimpy. Não existe formatação prévia. Não existe preconceito. O conhecimento é feito de ilhas isoladas que são interligadas de forma quase onírica para preencher os espaços vazios do desconhecido. Se está a trovejar, pode ser S.Pedro a arrastar cadeiras ou nuvens como sólidos gigantes a roçarem-se umas nas outras e a soltar faíscas. Se o meu lobinho fantoche de peluche fala comigo quando eu o animo com a mão, ele é o Lobinho Jeremias e não um fantoche de peluche. Se esta cana é uma espada ela é uma espada e aquela árvore é na realidade uma planta carnívora. É preciso retroceder aos arquétipos das formas, das cores, dos sons e dos sentimentos. O medo do escuro existe porque no escuro se esconde um monstro. O monstro é real. A alegria é real e não tem consciência de si, livre da melancolia de ser um estado transitório. Nem sequer a vida é transitória. Somos imortais.

1 comentário:

André C. disse...

Exercício bem complexo, esse de reviver o mundo através dos olhos do que fomos. É interessante recordar essa concentração intensa no detalhe. Intensa, mas sem esforço, que permitia criar de forma natural e microscópica todo um mundo novo. Conseguíamos caber dentro do carro de brincar e sentir a sua velocidade na estrada acidentada, que era o chão da cozinha. Ou, quase numa situação de empatia extrema, colocarmo-nos na posição da formiga e atribuir-lhe um feito heróico que mais ninguém conseguia ver, o de escalar aquela enorme montanha na parede do terraço. Enfim, agradeço-te, porque consegui através deste texto, recuperar por um momento a forma como via as coisas.