segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Aparição (1959), de Vergílio Ferreira, notinhas prévias e livros obrigatórios na escola

Não sei como, sobrevivi até hoje sem nunca ter lido A Aparição.
Foi livro de leitura obrigatória na escola. Não sei porque não o li, mas estou a resolver isso, e com prazer, um prazer que duvido que tivesse aos 15 ou 16 anos.

Na Internet vejo que os miúdos lêem o Memorial do Convento do Saramago e saúdo a escolha, penso que é mais adequada, sendo o Memorial um excelente livro. E não sei se é boa ideia espetar com o existencialismo desesperante da Aparição a jovens adolescentes já de si existencialistas desesperados. Eles não precisam de ajuda para isso. De qualquer forma, quer um quer o outro, dão porrada que chegue na Igreja e nos costumes, o que parece ser um requisito essencial na selecção dos livros escolares pós-25 de Abril. Tudo bem.

Penso que a Aparição é um livro que vem mesmo mesmo a calhar depois de termos tido a experiência da morte. Guardem o livro para quando vos morrer alguém próximo, assim como uma aquela garrafinha de vinho para quando um filho nascer. É ela que nos confronta com os problemas existenciais mais profundos - a morte, não a garrafinha de vinho (e daí...). O pai da personagem adquire a sua crise existencial pela morte do pai, o que também é uma coincidência. Há mais ao longo do livro e por vezes fico com a sensação que isto de espoletar intensas crises existenciais é uma coisa de receita e que tanto eu como o senhor Vergílio somos apenas animais a responder a estímulos de diversa índole e que seriam capazes de transformar o Luisão do Benfica num existencialista angustiado e estudioso de Schopenauer.

Estou a gostar muito deste livro e a escrita é magnífica, embora deva dizer que este autor se insere no grupo dos que esmagam e não dos que entusiasmam, porque escreve demasiado a puxar para a poesia, escreve demasiado bem, se é que isso é possível. Também penso que as personagens e as situações são estereotipadas demais, encaixam num determinado perfil e num simbolismo demasiado evidente, pelo menos, para os gostos de hoje. É um livro que me parece um pouquinho datado. Já o tinha dito em tempos a propósito das obras de Sartre que versam sobre os mesmos temas. O problema destes livros é que têm personagens eruditas e foram escritos por eruditos que viviam num determinado contexto político e social e que entretanto mudou. Temos personagens que têm consciência erudita e, no caso da Aparição, até têm como objectivo a escrita de um ensaio sobre o tema. Penso que isto é uma abordagem um pouco directa demais, como se a melhor forma de abordar um tema na literatura, fosse abordá-lo.

20 comentários:

Anónimo disse...

Do Vergilio Ferreira li a manha submersa, a aparição (duas vezes, a segunda porque fazia parte do programa), na tua face e cartas a sandra. Estava a pensar que os dois primeiros pertencem ao grupo dos primeiros romances dele e os dois ultimos, se não me engano, são mesmo os dois ultimos romances que escreveu. Muito tempo entre os dois grupos.
Ele escrevia "demasiado bem", as vezes sentia-me esmagada, mas numa vertigem que não me deixava descolar do livro ate o terminar. Vertigem que se acentuava quando ele se "perdia" em divagações.
Pergunto-me sempre como seria ele como professor e nutro uma secreta inveja dos seus alunos...
Enfim...

Joana

manuel a. domingos disse...

li Aparição no verão passado. aconselho-te Cântico Final, pois é um livro do catano.

Tolan disse...

Já sei o que fizeste no Verão Passado Manuel :D

Joana, de facto estou a gostar muito do livro e a lê-lo com prazer.

Teresa disse...

Ex-aluna de Vergílio Ferreira presente! Uma honra, um privilégio.

Uma figura inesquecível. Assim que obtiver autorização do autor, publico no meu blogue uma notável entrevista que lhe foi feita por um ex-aluno (como eu), cinco anos antes da sua morte.

E, caro Tolan, olhe que é Vergílio, com e.

Teresa disse...

P.S. A todos: leiam os vários volumes de Conta-Corrente (os seus diários). Uma leitura fascinante. O pensamento deste grande escritor na sua forma mais pura. Só isto seria suficiente para lhe dar o Nobel que nunca recebeu, e que mereceu como mais ninguém.

CoriscaRuim disse...

Eu fui obrigada a ler a Aparição, entre outros 19 livros...Foi o único que não consegui digerir, que me ficou encravado como uma espinha na garganta...
...Acho que, naquela idade, era impossível alcançar a profundidade do livro...

...Talvez tente agora...
...Talvez esteja na hora...

Anónimo disse...

É verdade... afinal ainda li mais um livro do Vergílio... uma "conta corrente"...
Teresa, qual é o seu blog? Vou estar atenta para ler essa entrevista...
Obrigada

Joana

LN disse...

Epah, o Vergílio esmagador? Os teus padrões andam baixos...

O «sumo» do Vergílio é a violenta «metamorfose» do Eu, do Eu a Eu, do outro ao outro, do outro ao eu, do eu ao outro, em encantos poéticos sem fim... chega à náusea patética. Aquilo tudo é só ele a fazer de vampiro. Tem demasiado nada. E todos os livros são aquilo, com melhores ou piores encantos técnicos e conceptuais. Ele vai buscar o brilho no confronto de situações-limite, só por isso já se torna mediano. Foda-se. Mas é bom romancista, sim. Sabia perfeitamente o que queria da arte, e isso fez com toda a integralidade e desgosto, que era inteligente. Não muito, mas era. Admiro. Mas para mim é só isso. É demasiado expectável, e um estupor que usa e abusa da evocação metafísica. Assim é fácil escrever. O aparição deve ser dos mais luminosos dele.

Pedro Góis Nogueira disse...

O Conta-Corrente é excelente. É Vergílio Ferreira em diário, mas num registo que nalgumas coisas parece-se com alguns blogues de agora. E é óptimo para escritores e para quem queira escrever.

Tolan disse...

LN, o "esmagador" no caso do Vergilio refere-se à escrita dele, ao manejo do português, de uma prosa poética, até digo "demasiado bem" e que não entusiasma (visto que eu com enorme falta de humildade, escrevo, e quando vejo escrita assim tenho vontade de parar, como um puto que desiste de tocar guitarra depois de ver o Paco De Lucia mesmo que não goste de flamenco e goste é de punk).

mas parece-me que concordamos no global, fui cauteloso porque é o 1º dele que leio.

Tolan disse...

Teresa e Pedro, irei ler os cadernos do Conta-Corrente, tenho um fascínio pelo que escrevem os escritores quando não pensam que estão a escrever, tenho até toda uma teoria enorme sobre isso, desde que me apercebi que as cartas de guerra do Lobo Antunes eram cruelmente melhores que a sua obra ficcional, num certo sentido.

Margarida disse...

Só li mesmo a Aparição. A 1ª vez,por obrigação, e muito mal lido, e a segunda com interesse mais do q prazer. Penso q o define muito bem quando fala de prosa poética assente na perfeição da escrita. Para mim bate mas não entra!
O primeiro livro q tive de ler segunda vez, mas por razões completamente diferentes, foi The Sound and The Fury. Mas isso é outro campeonato!

Anónimo disse...

aos 15 anos ler vergílio ferreira é um murro no estomâgo, no esofágo, em várias partes do corpo, enfim. é verdade quando dizes: dar existencialismo desesperado a existencialistas desesperados... pois é, mas isso eram outros tempos, quando nos obrigavam a pensar. nada contra memorial do convento - um dos meus livros preferidos, absolutamente fenomenal - mas que, aos 15 anos, sabe a história e não a literatura. enquanto a aparição, isso sim, é pura literatura, não considero ser um ensaio. de todo o modo, é tão estranho que agora esteja a ler um post sobre a aparição, porque ultimamente o livro salta-me à vista: pessoas na rua com o livro, amigos a lê-lo, enfim... não o quero reler, porque tenho uma ideia tão, tão... intensa do livro, que tenho receio que o mesmo tenha envelhecido demais e que, anos depois, já não me faça tanto sentido. vou apenas ficar com a ideia de que o livro me transformou enquanto pessoa - o que se quer quando se lê um livro.
Luís.

LN disse...

Tolan,

Eu não penso que a prosa dele seja esmagadora. É higiénica, construída numa minúcia nunca fugidia - arriscada, com génios intrépidos que ousam outros lugares que não a nossa experiência - do que ele, Vergílio, foi, o homem que vive e que pensa. É um manipulador nato. Aquilo é tudo ele e a vaidade dele a responder às humilhações existenciais dele, usando os recursos literários, que se foram maturando.
Quando adentrares mais na obra dele, vais reparar que ele é um vampiro sempre em torno do mesmo sob uma multiplicidade adquirida de sínteses psicológicas, intelectuais (...), e o pior é que não sabes o que poderá ser o resultado humano e ideológico disso - nem ele está, em verdade, preocupado com isso. Era um pessimista desistente. Parece um animal ferido que quis dizer que passou por aqui, pela vida. O existencialismo em toda a sua volúpia. Claro que dizer isto é um pouco redutor, mas penso que será o que mais eco faz da natureza íntima do Vergílio.

Para mim, o que deve ser um livro, está longe daquilo e do modo de o fazer.

zozô disse...

És capaz também de gostar dos quatro melhores livros dele (na minha opinião): Até ao Fim, Para Sempre, Na Tua Face e Cartas a Sandra.

sem-se-ver disse...

LN,
queira então explicar-me o que deve ser um livro e o modo de o fazer, sim?

:)

sem-se-ver disse...

teresa,
quem mereceu como mais ninguem o nobel em portugal na literatura foi (é ainda, como hipotese) a bessa-luís.

:)

LN disse...

SSV,

Um livro, para mim, não pode falar de mim. Nem dado.

Teresa disse...

Acabo de publicar no meu blogue uma grande entrevista de Pedro Rolo Duarte a Vergílio Ferreira:
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2011/04/entrevista-vergilio-ferreira.html

Boa Páscoa a todos!

Anónimo disse...


Vergílio Ferreira é a náusea pura, o desconcertamento do Ser, da Existência. Ele não escreveu para ser aprisionado dentro dos limites do romance "tipo". Ler é ter a capacidade de ver a arte onde ela não se pressupõe existir, é arrancar ao mais "vazio" dos Homens a emoção, a pergunta inocente da criança. Ler e escrever é despejar a emoção do que somos, tornor dízivel o indízivel de nós, e depois esperar que esse mosto fermente em alguém. Buscar traços, tendências, tiques num escritor é ser crítico literário. É por isso que Literatura não se ensina, ela não é material de análise. Ou se ama ou se odeia, não se lhe distingue correntes, não se lhes oferece compreensão, é o Crime e Castigo de existir.