O Farewell to Arms do tio Mingas mexe comigo. Eu gosto do tio Mingas. O Mingas tinha a capacidade de escrever muito mal às vezes. Como o Mark Twain segundo me informaram. O Dostoiévski tem coisas miseráveis e o Gogol idem aspas aspas. O Bukowski tem livros e contos sofríveis. A lista de bons escritores cujo talento é periclitante é bastante generosa. Nem todos podem ser o Kafka, esse, até a escrever a lista do supermercado devia ser genial. Eu tenho para mim que um autor que faz coisas más de vez em quando transmite qualquer coisa de genuíno na sua obra global. O engraçado é que o verdadeiro génio está numa coisa que está muito perto de ser má do que numa que é apenas boa..
Alguns excertos do belíssimo Farewell to Arms:
•"Miss Barkley was quite tall. She wore what seemed to be a nurse's uniform, was blonde and had a tawny skin and gray eyes. I thought she was very beautiful."
viram? É como um puto a descrever coisas, não há nenhum juízo negativo (isto também acontece no Salinger) e mesmo o juízo positivo, dela ser bonita, é-nos dado por ele: ele achou-a muito bonita e não ela era muito bonita, o que seria uma coisa completamente diferente, significaria que era o tipo de gaja que toda gente consideraria bonita. Aqui no "achei que ela era muito bonita" há imediatamente ternura, amor. Muitos poderiam considerar isto apenas um exemplo de parcos recursos estilísticos para descrever mulheres.
•"It was all as I had left it except that now it was spring. I looked in the door of the big room and saw the major sitting at his desk, the window open and the sunlight coming into the room. He did not see me and I did not know whether to go in and report or go upstairs first and clean up. I decided to go upstairs."
Um detalhe absolutamente anódino mas que tem o efeito de reduzir tudo o que lhe acontece a uma sucessão de coisas que lhe acontecem e pequenas decisões e, ainda, o de reduzir o narrador a uma testemunha acidental da sua própria vida.
O problema com este tipo de escrita é que ela não pode ser forjada, tem a ver com voz própria, e isso pode explicar a instabilidade do Hemingway enquanto autor, ela é um reflexo da instabilidade emocional que o caracteriza. Fiquei muito contente ao ver que uma das hipóteses sobre o seu suicídio aos 61 anos teria a ver com um desgosto de amor na juventude. Não sei porquê acho isto trágico e perfeito demais, mas seria bom que fosse verdade e não apenas o resultado de uma tendência genética para depressão e suicídio pois na família dele parece que a ideia de "reforma" era encostar uma caçadeira à cabeça.
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