sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Como atingir um estado de desespero sentimental for dummies

Atingir um estado de desespero, saudades insuportáveis, ciúmes e paranóia tem algumas vantagens. É um estado muito criativo, para começar. Isto pode ser um problema se formos magistrados ou neurocirurgiões, mas para a maior parte das pessoas, é um estado vantajoso, especialmente quem tenha um blogue.
Os amigos prestam-nos atenção e são compreensivos, pelo menos, durante os primeiros tempos. Os médicos podem prescrever-nos drogas interessantes e podemos copiar-lhes a assinatura e o talão da receita e ir correndo as farmácias de Lisboa para o resto da vida e até fazer bom negócio com os amigos depressivos.
A música mainstream romântica da RFM e da Comercial já não parece tão insuportável.
Fazemos amigos, as pessoas identificam-se com o nosso estado e sentem empatia. Notem que quando começamos uma relação e andamos felizes, acontece precisamente o oposto, tornamo-nos insuportáveis para o ser humano comum e é normal que as pessoas deixem de nos convidar para um copo. Eu pelo menos deixo de falar a todos os meus amigos que arranjam namorada.
A primeira coisa necessária para um forte desgosto de amor é uma mulher. Isto é talvez o ingrediente mais importante, embora seja perfeitamente possível passarmos por este estado sem a outra pessoa se aperceber da nossa existência, como quando vi na net que a Gwineth Parltrow andava como aquele cretino dos Coldplay ou, no liceu, quando a Susana do 8ºB começou a namorar com o gorila da equipa de basket.
Depois, tentem viver com essa mulher alguns anos. Pode não parecer fácil, mas asseguro-vos que é mais praticável do que ter um gato ou um cão. Já experimentei. O cão é definitivamente mais difícil, temos de o passear 3 vezes ao dia enquanto a mulher se contenta com um passeio ao centro comercial ou museu de arte contemporânea ao fim de semana. O gato também é mais complicado, temos de ser nós a limpar o caixote de areia enquanto a maior parte das mulheres já é toilet trained e não vem para a cama com as patas cheias de chichi e areia.
Não é essencial que haja um grande romance a partir de certa altura. É até desejável que entrem numa confortável rotina em que ela se pareça dissolver na paisagem do dia-a-dia. Ela estar ali ao lado na cama de manhã, com a cara inchada de sono, mau humor e choque por ter de acordar, é algo tão natural como o sol bater de chapa na janela da casa de banho e obrigar-nos a tomar duche de óculos escuros (ainda não comprei cortinas para aquela merda). Então continuem assim em piloto automático muitos anos. Façam viagens de carro de uma hora em que só falam um ou dois minutos para comentar qualquer coisa. As palavras já não interessam nada. Ela dorme, vocês conduzem. Contem a rotina do dia no trabalho, ela também faz o seu relatório diário, o que fulano disse, o que o outro disse, o cliente idiota, a injustiça, etc. pois é, tens razão, comigo passou-se isto e aquilo, etc. Não estão propriamente felizes, da mesma forma que alguém que respira oxigénio não está feliz por isso, a não ser que a tenham tentado estrangular cinco minutos antes.
E quando tudo estiver suficientemente estagnado, tenham a iniciativa de querer dar um valente abanão às coisas. Aquilo que têm não é o Romeu e Julieta, não é o Mister Darcy e a Elisabeth Bennet, não é o Djaló e a Luciana Abreu. VocÊs não nasceram para a mediocridade de uma relação falhada burguesa de classe média. Horror, aquilo que vocês têm é rotina chata e o que parece ser solidão acompanhada.
Então acabem tudo. Não há problema, probleminha nenhum. Cada um vai para seu lado e continuam a sua vida. Que maravilha, quem nos dera que todas as relações terminassem assim, sem gritaria, sem acusações, só com o entendimento mútuo que a coisa não está bem e que não é culpa de ninguém. Nos primeiros dias até sentem uma sensação de liberdade, um peso que vos tiram de cima, ouvem a música do nescafé e sentem esperança.
Agitem, misturem, e esperem uns meses e voilá! ;)

5 comentários:

JKL disse...

Maravilha.
Tenho aqui umas coisas a acrescentar: Os passeios do cão são muito mais baratos, não vai querer jantar fora nem ir ao cinema (dois assaltos à mão armada da cultura amorosa contemporânea). Também não se vai chatear se não te lembrares do aniversário dele, e fica contente por ir de férias contigo mesmo que decidas passar quinze dias em Odivelas em vez de irem para aquela estância caríssima nas Caraíbas. Não estrebucha com a desorganização (meias fora do caixote da roupa suja e tal) e não reclama do futebol, da cerveja e dos amigos.
E também não tem dores de cabeça.
:D

Anónimo disse...

Agitem, misturem, e esperem uns meses e voilá! ;)

volta tudo ao princípio, não é? deve ser a isto que o "outro" chamava "eterno retorno..." :)

Nuance disse...

Credits are rolling.

Isabel disse...

Epá, que imagem enfadonha de uma vida a dois, mas olha que não está nada longe da verdade, não senhor.
Às vezes precisamos de uma pausa para respirar um pouco sozinhos.

O Peru Ressabiado disse...

Agitem, misturem, e esperem uns meses e voilá!

E aí vai a sensação de liberdade com o %$$#%$#", o peso volta e trás reforços, e a esperança.. enfim.