terça-feira, 4 de junho de 2013

estante semi-anecoica

Devido a factores de diversa índole, dos quais se destaca o facto de vir aí um bebé com muitos acessórios, tive de mudar uma estante carregada de livros para dentro do meu pequeno escritório que se assemelha cada vez mais a uma toca de hobbit. A estante está tão carregada que tem duas fileiras de livros por prateleira. Para deslocar a estante, tive de tirar todos os livros da mesma e estou no moroso, mas intelectualmente estimulante processo de os arrumar de novo. A ordem da arrumação dos livros caracterizava-se, essencialmente, por não existir. Se uma visita percorresse as lombadas, podia ler títulos por esta ordem: O Processo, Doyle Poker Super System, Guia essencial de jardinagem, Livro do Desassossego, Sin City - That Yellow Bastard, Ulysses, Misery, Calvin & Hobbes Há Tesouros por toda parte!, Guerra e Paz etc. O caos era agravado pelo reflexo da minha técnica auxiliar de limpeza que vem às 2ªs contribuir com um pequeno part-time de bibliotecária. Ela tem o reflexo de não suportar um livro em qualquer outro ponto da casa que não naquela estante, mesmo que o dito livro esteja na minha mesa de cabeceira, em cima do cesto da roupa suja ao lado do WC, no chão da sala, no balcão da cozinha, entre duas almofadas do sofá... não percebo qual o problema daquela mulher.

Podia mentir e dizer que sabia exactamente onde estava cada livro, que aquilo obedecia a uma lógica própria e encriptada por uma chave hexadecimal, mas a verdade é que não encontrava livro nenhum, ao ponto de ter abandonado bastantes a meio porque os deixava algures na casa e eles desapareciam anónimos na multidão da estante, obrigando-me a um onde está o Wally Volume III dos Contos do Tchekov . Era impossível encontrá-los de manhã a tempo de ir trabalhar e ler no metro, o que me fazia pegar noutro livro que ainda não tivesse lido.Agora na arrumação descubro-os e é como se houvesse tesouros por toda parte! Fui tão injusto com alguns deles, livros que deixei a meio porque os perdi e depois andei aqui no blogue a dizer que eram tão maus que os deixei a meio por causa disso. Tenho de rever os meus ratings do goodreads, acredito que numas quantas classificações de memória terei pensado "epá, deixa cá ver, eu gostei deste livro? não me lembro de nada... devia ser muito mau, leva com bola".

Desta vez, no caso da ficção, estou a arrumá-la por nacionalidade dos autores: portugueses, russos, americanos, franceses, sul americanos, resto do mundo etc. Ajuda, mas não é um percurso livre de dilemas. O problema mais recente começou-me com os ingleses, uma vez que é complicado ter o Joyce e o Conrad lado a lado com Lovecraft e Bram Stoker. Ponderei começar uma prateleira de Ficção Científica / Fantástico, mas então vou ter de misturar autores de diferentes nacionalidades e com critérios muito tremidos e que obrigam a separar livros do mesmo autor, por exemplo, o Segredo do Bosque Velho do Buzzatti ser separado do Deserto dos Tártaros. E se é Fantástico, então devia ter lá a trilogia do John dos Passos; não tem nada de fantasia, mas é um livro fantástico no sentido de ser muito bom. Não sei se me estou a fazer entender. Podia também subdividir a prateleira de cada nacionalidade em géneros: Inglesa - Drama, Fantástico..., Americana - Drama, Fantástico... etc. Poder podia, mas dá imenso trabalho e levanta questões de elevada subjectividade que não me apetece resolver. Pelo menos a nacionalidade é um critério objectivo. Assim como o livro ser uma merda. Tenho reservada a prateleira de baixo, a que está ao nível do chão, do pó, das teias de aranha, para os piores livros que li. Por esses critérios totalmente objectivos já tenho lá o Aprender a Rezar na Era da Técnica do Gonçalo Tavares e um livro de poker francês (os franceses, por um motivo que me escapa, pensam que percebem imenso de poker, um dia abordarei este mistério).

Em todo o caso, no fim, vou ter uma câmara semi-anecoica de literatura a fazer de escritório: isolamento térmico, isolamento de humidade (os livros absorvem tudo), revestimento acústico (ainda ontem cantei lá lá lá lá e já não faz eco nenhum) e ainda revestimento contra radiação de mau gosto que, como se sabe, é muito forte na altura das tempestades solares na feira do livro. Basta ver nos posts dos blogues o que as pessoas andam a comprar a exibir em fotografias, muito orgulhosas do seu bom gosto. Agora estarei protegido com a minha estante e com  o tradicional capacete de folha de alumínio.

 Meu Deus... esta gastou uns 60€ só na Oficina do Livro...

9 comentários:

Anónimo disse...

Olá :)

Fartei-me de rir!
Revi-me totalmente quer na tua arrumação quer na tua desarrumação. Quando estão arrumados, os meus partilham um "sistema" que conjuga nacionalidade, tema e se gostei mais ou menos deles - podes imaginar a ordem que consigo com um sistema destes... ;)
Tenho um recanto novo para ti - o dos livros que ainda não li ou que estou a ler. Se deixares um cantinho (mais) livre nessa zona, pode ser que convenças a tua auxiliar a arrumar aí os que encontra pela casa!

Fica-te com o escasso consolo de não seres o único - aposto que há muita gente a sofrer do mesmo mal... ;)

beijinhos, boa arrumação e boas descobertas!

Anónimo disse...

nas minhas estantes vai do maior para o mais pequeno.

Anónimo disse...

Já passei por isso diversas vezes. após algumas iterações do mega-algoritmo ARRUMALIVROS, cheguei à conclusão que o melhor sistema é uma derivação do sistema de nacionalidades. o sistema de nacionalidades crasha depois de comprares proporcionalmente mais livros de autores de um mesmo país. a entante reservada para esses está cheia enquanto na estante dos escritores iemenitas continua a abundar o espaço. e então lá se inicia nova iteração do algoritmo. pode ser esgotante especialmente depois de uma Feira do Livro proveitosa. o melhor sistema é a arrumação por continentes dos autores, com a particularidade muito importante de a América se dividir em Norte e Resto. Assim o algoritmo não precisa de iterar tantas vezes. Boa sorte!

Isa disse...

A auxiliar de limpeza que trabalhava em casa dos meus pais, nos raros momentos em que tirava os livros das prateleiras, era para os organizar por tamanhos. Do mais alto pro mais baixo... Tinha-os organizado por ordem alfabética, talvez seja o mais fácil. E separado os portugueses, originais e traduzidos, os ingleses e franceses. Na prateleira de baixo, os dicionários, por serem mais pesados, para não correr o risco levar com a estante na cabeça num dia infeliz ;)

MDRoque disse...

Cá em casa a arrumação dos livros começa com os que eu gosto muito, outros assim assim e finalmente o que gosto menos. Só eu sei exactamente onde se encontra cada um deles (... bem, quero dizer, ás vezes....), tanto nas estantes como na minha cabeça...

jj.amarante disse...

Gostei do texto, já pensei em fazer um teorema demonstrando a impossibilidade duma classificação satisfatória mas depois achei que, relembrando uns tantos exemplos da matemática, como é óbvio que o problema não tem solução, a demonstração desse facto deve ser bastante difícil e abandonei o projecto. Mesmo assim, talvez visitando uma livraria e vendo como eles arrumam os livros nas estantes possa ficar com alguma ideia prática sobre este tema.

Maat disse...

eu sou mais simplista. arrumo por tamanhos. como tenho bastantes livros e poucas estantes, o grandes ficam numa prateleira e os pequenos ficam noutra em duas filas. temos de ser práticos.

Vincent Poursan Reloaded disse...


eheheheheh… nem percebo porque te pões com essas merdas de arrumações se já sabes que daqui a um mês ou dois voltas ao esquema antigo: tudo ao molho e este fica aqui.

P.S. a fera sempre ficou “hobbes”.
(isto parece despropositado mas para quem leu o post não é)

joão viegas disse...

Ola,

A unica forma racional e cientifica de arrumar uma estante de livros, ou uma biblioteca, consiste em sair à rua, dirigir-se a uma livraria, adquirir o livro "Penser/classer" de Georges Pérec, ler o texto que é dedicado ao problema (eventualmente depois de o ter traduzido) e ir dormir.

Os trâmites acima não têm necessariamente que ser seguidos por essa ordem.

Boas