quinta-feira, 9 de maio de 2013

marketing de escritores

Tenho a experiência de observar pessoas atrás de um espelho duplo, filmadas, gravadas, agrupadas em perfis socio-demográficos homogéneos. Miúdos de liceu, estudantes universitários, trabalhadores liberais, donas de casa, consumidores de telemóveis, professores, grávidas, eleitores, reformados, classe A, B, C, Porto, Lisboa, sujeitos a um guião. Para lá dos objectivos de cada trabalho, sempre relacionados com marketing, observo os padrões de grupos de pessoas que de outra forma não conheceria. Os produtos e serviços visam suprir aspirações, sonhos. Até um sabonete pode lidar com questões de autoestima e identidade. São metáforas que as pessoas discutem de forma mais espontânea do que se tentássemos abordar directamente temas como "quem sou eu" e "qual é o sentido da vida", uma vez que aí estariam demasiado conscientes daquilo que se espera que digam. É frequente até, depois de uma breve interacção e debate, corrigirem os pontos de vista originais, rabiscando as pontuações que deram, tornando-as mais "próximas" da conclusão do grupo, dando-me a mim o trabalho de ter de perceber o que tinham escrito num primeiro impulso (e que é o que me interessa).

A publicidade, muito mais do que a arte, é a expressão dos nossos tempos, o sonho do agora, mesmo que mais limitada na sua expressão. A publicidade é levada a cabo por profissionais, sujeita a restrições, mediações e negociações. A maior parte das vezes, as ideias mais disruptivas são rejeitadas em detrimento de uma evolução segura, conservadora, dentro de uma média de aprovações, quer dos potenciais clientes alvo do segmento, quer dos anunciantes. Os criativos publicitários acabam por, com o tempo, começar a pensar de forma publicitária, levando em conta a apreciação previsível do superior que têm na agência, do cliente e do público, não sem uma certa frustração recorrente. Um bom criativo é alguém que, sob pressão e constrangimentos, consegue mesmo assim sacar uma ideia em tempo útil, sacrificando frequentemente as suas próprias convicções e instintos. É um profissional. Sucederá o mesmo com muitos escritores que se profissionalizam após inícios promissores e começam a produzir dentro desta lógica. Quanto a isso, nada contra, eu próprio adoraria ser um escritor de best sellers de terror à Stephen King e não vejo problema nenhum numa abordagem em que se procura um determinado impacto no público. É indiferente, porque a grande arte aparece tão bem aqui como noutro lado qualquer, frequentemente por acaso e tudo, o que ainda é melhor, como um Huckleberry Finn ou um Robison Crusoe. É exactamente como a dona de casa que no focus group é capaz de fazer um retrato vivo e literário das interacções familiares a propósito da escolha do operador de tv cabo, mas se lhe perguntássemos para discorrer sobre as mesmas interacções em abstracto, diria coisas demasiado previsíveis.

Contudo, o pior acontece quando uma coisa quer parecer algo que não é. No fundo, publicidade enganosa, um produto de luxo que afinal é um pechisbeque de plástico lacado a tinta dourada que sai com a unha. Uma das coisas mais estranhas que observo no meio literário  português (e incluo nele o público) - é a ideia de que por se ser um escritor que fala de forma séria de coisas sérias, se é "sábio" e se tem uma compreensão superior do mundo, uma espécie de macro-perspectiva que escapa ao cidadão comum. Em Portugal, a importância que se atribui ao livro é meio mística e inversamente proporcional aos magros hábitos de leitura. De facto, só é possível mistificar algo com que não se contacte assim muito. A maior parte das entrevistas a escritores na tv  tem invariavelmente perguntas sobre a sociedade, a economia de mercado (sempre desumanizante, como se sabe), a reflexão sobre os nossos tempos de relações virtuais da internet em que não conhecemos o vizinho, a condição humana, a pátria que é a língua, o subúrbio neo-realista, a inevitável piscadela de olho ao Brasil e à lusofonia, a importância de ler, a importância do livro, a importância de ler livros, o papel do livro, o livro de papel. O que acha, senhor escritor, do livro hoje em dia? O senhor escritor responde que o livro existirá sempre, embora de outras formas, que é para não ser velho, mas dirá que nada substitui o objecto papel, que é para ser clássico, arrancando sorrisos ternos ao espectador, uma vez que os escritores também se querem como referências afectivas e conservadoras. As perguntas têm como resposta algo que não foge muito ao registo do jogador de futebol que fala na importância do colectivo e de continuar a trabalhar escrevendo e lendo para o mister literatura, disposto a carregar a cruz de viver à margem da vida e coisas que tal. Comparar a forma como é tratado um escritor português em Portugal com outros países como Inglaterra, EUA ou França (vejo pelo youtube), é como comparar o um Quarta a Fundo com o Top Gear. No Top Gear chegam ao desplante de discutir carros e testá-los. Na versão portuguesa, os automóveis a cheirar a novo desfilam ao som de uma música agradável, conduzidos placidamente pela marginal ou pela serra alentejana e o locutor vai enumerando as características boas como as jantes em liga insustentavelmente leve e a excelente dinâmica na autoestrada da lusofonia.

Poderão dizer que estas entrevistas, programas ou debates não interessam, remetendo o pobre artista para a esfera do que faz lá no seu sossego e retiro, que o que interessa são os livros, mas estas coisas mediáticas estão para os escritores como a publicidade para um perfume da chanel. Se a publicidade é a expressão da vontade colectiva relativamente a um determinado produto que é uma metáfora de uma necessidade "aspiracional", uma entrevista a um escritor num telejornal é a expressão daquilo que o público deseja ver nele, que a editora quer vender com ele e, com o tempo e tão frequentemente, daquilo que o próprio escritor acaba por querer ser: a figura mítica do grande sábio, pensador e cidadão do mundo, conhecedor da condição humana, a testemunha do nosso tempo que nos faz reflectir. Há mesmo livros que têm isto escrito na capa, assim de chapa logo ali, como se fosse um iogurte que dá imunidade e resistências naturais à peçonha da ignorância.

Por outro lado, somos bons a discutir futebol com violência. Somos categóricos. Há lenços brancos, insultos e euforias. Os programas de TV são animados e têm cromos que odiamos e raramente amamos e quanto mais maniqueístas forem, melhor. No meu bairro há um ajuntamento espontâneo de cinquentões e sessentões ao pé do quiosque. Todos os dias, de bola, record e o jogo na mão (o que facilita a identificação clubística), discutem no meio da rua as opções tácticas e cada lance do jogo da véspera. Porra, também me dá para falar de futebol e pensar em futebol. Nunca vi pessoas a discutir assim sobre escritores, excepto nas épocas gloriosas dos grandes SL Lobo Antunes Vs Saramago FC em plena força e que tanto debate animavam, mesmo entre pessoas que não tinham lido um ou o outro e, muito frequentemente, nenhum dos dois.

13 comentários:

Anónimo disse...

opá..

do alto (ou baixo) da minha magnifica ignorância (ou sabedoria, tanto faz) diria que tens toda a razão.

acrescento, em jeito de remate (igual ao que o cardozão vai fazer no último minuto do fcp-slb, que resultará num daqueles golaços memoráveis e que dará a vitória ao slb, contra proenças e tudo) que os nossos magros hábitos de leitura resultam exactamente da mistificação do "livro" e, consequentemente, do "escritor" que, mesmo sendo apenas um perfeito imbecil (joão tordo, pode ser? então não há-de poder ser porquê?) normalmente aparece nos órgãos de comunicação social envolto numa aura de sapiência e magnificência que só encontramos em líderes religiosos (não têm de ser papas ou ai-a-tolas, podem ser padres que, à sua maneira, são líderes da comunidade que servem, e que ainda possuem uma dimensão mística elevada).

veja-se por exemplo o lobo antunes, que fala sempre com aquele ar de quem acabou de levar um pontapé nos tomates, ou de quem tá aflito para ir cagar, enfim, mas todos o ouvem como se ele tivesse a revelar a dar o sermão da missa do galo.

jj.amarante disse...

Estes gajos do marketing são piores do que os psicólogos, quase que não lhes escapa nada.

Ricardo disse...

Devias ver o ar das pessoas nas mesas dos armazéns do Chiado quando começamos a discutir a sério quem é que é são os verdadeiros poetas contemporâneos ou bolaño 2666 vs bolaño detectives, por exemplo.

Vareta disse...

Tu gostas mesmo é de molhar a sopa, não é? Queres é discussões e quanto mais acaloradas melhor, em que acabasse tudo a gritar "Ó Tordo, lembe-me aqui o rebordo!" ou "Ó Possidónio!, queres purgueira ou foskamónio?". Mas depois não queres que se os escritores que os escritores falem de "sociedade, a economia de mercado (sempre desumanizante, como se sabe), a reflexão sobre os nossos tempos de relações virtuais da internet em que não conhecemos o vizinho, a condição humana, a pátria que é a língua, o subúrbio neo-realista, a inevitável piscadela de olho ao Brasil e à lusofonia, a importância de ler, a importância do livro, a importância de ler livros, o papel do livro, o livro de papel". Temos, portanto, que o que tu pretenderias era uma discussão certamente mais rica e instrutiva, algo como:
- O teu livro é uma cagada.
- Porquê?
- Pá, porque é uma bosta!
- Bosta és tu! Mas bosta porquê?
- Foda-se, pá! Mas tu quantos Nabokoves leste?!
- Maricano da merda! Aposto que nunca foste além da madalena, no Proust!
- O Proust queria era um salpicão pelo cu acima!
- Vai mamar no Bukowski, ó filha da puta!

E isto até chegar a Paula Moura Pinheiro a servir de extintor.

Entre as loas que neo-liberalmente teces à publicidade e ao denodado e nobre sacrifício dos seus profissionais e a tua vontade de zaragata entre escritores, continuo sem perceber o que raio quererias tu que fosse discutido.

E como hoje estou de mansinho, não te chego a insultar por uma aleivosia tão soez como "É indiferente, porque a grande arte aparece tão bem aqui como noutro lado qualquer, frequentemente por acaso e tudo, o que ainda é melhor,(...)". Nem o Tino de Rans o diria tão bem.

Anónimo disse...

Isto tudo para dizer o quê?

Tolan disse...



Eu não teci loas à publicidade, parece-me que foi ao contrário. Disse que a publicidade era uma forma de criatividade que tem de ser subjugada e moldada por muitas restrições, pela procura, pela reacção esperada e testada do público e que, como tal, representa melhor esse público.

Quanto a isto: E como hoje estou de mansinho, não te chego a insultar por uma aleivosia tão soez como "É indiferente, porque a grande arte aparece tão bem aqui como noutro lado qualquer, frequentemente por acaso e tudo, o que ainda é melhor,(...)". o Borges diz algo parecido com o que eu disse. Eu referia-me a livros como Huckleberry Finn, Robison Crusoe, Catcher in The Rye, a autores como Cervantes... O Huck e o Robison são dois exemplos de "livros de aventuras" imortalizados que foram para lá da intenção original dos autores. O Borges diz que é impossível fazer uma obra de génio sem ignorar o seu propósito, como se tivesse de ser por acaso. Ainda há tempos o Paulo Coelho meteu tudo (menos isto aqui) em polvorosa porque disse que o Joyce foi a pior coisa que aconteceu à literatura, meteu os escritores a escrever para escritores e críticos. Eu percebi a polvorosa por ter sido o Paulo Coelho a dizê-lo e a frase é provocadora, mas acho que ele tem um fundo de razão e pelo menos suscitou uma discussão interessante. Não sei se Joyce teve grande importância aqui, mas sem dúvida que reflectir a propósito da herança que Saramago nos deixou e que talvez (talvez) tenha condicionado a nossa visão do que é "um escritor" ou de como deve ser vendido ou como se deve ver a si próprio, qual o seu papel na "sociedade" etc. bem, essa parece-me válida, porque dá-me a sensação que há uma quimera por um novo Saramago. Mas Saramago é Saramago.

E de facto enganei-me, acho que se discute muito a literatura, pelo menos, eu e mais anónimos ressentidos fartamo-nos de discutir estas coisas exaltados à volta das nossas cervejas. Não faço questão de que existam programas. É-me indiferente. É só desabafar no blogue, perceber o que é que eu sou, os meus valores. Já te expliquei que a maior parte destes desabafos são de automotivação e registo de notas. Estou a escrever o segundo romance e já me acontece sentir pressão devido ao primeiro e ao processo de edição do primeiro, às conversas que vou tendo. Não julgo os autores que definham livro após livro enquanto são colocados num pedestal cada vez mais alto e quando no início até tinham algo de genuíno e espontâneo. Pergunto-me se é possível passar incólume por isso, se não é normal os escritores começarem a ficar vaidosos, repetitivos, quanto mais "consagrados" são, nem que seja pelo prestígio de se ser Escritor e depois de querer proteger esse estatuto, temendo o risco de desiludir, de afastar os leitores que já se tem , até por motivos comerciais, legítimos, afinal pode-se viver disso... Não acho que nada disto seja fácil em qualquer parte do mundo, mas torna-se mais difícil num contexto como aquele que vejo no meio literário português pelos motivos que expliquei, porque acima disto mete-se a merda do fenómeno do Senhor Doutor e do Senhor Professor, só que em versão hiper mega ouh lá lá que é o Senhor EScritor. Ou pior, o Poeta! Poeta é que é mesmo o top. Fica bem ao lado do nome "Fulano tal e tal, Crítico e Poeta" É facílimo estragarem um gajo todo aqui.

Mak, o Mau disse...

Vou começar pela parte da publicidade, só porque me é mais próxima, para depois partir para aquilo que penso ser o foco da questão.

Um "criativo" (coisa que é um atributo e não um cargo) é uma espécie de contador de "histórias" profissional. Age por encomenda, é certo, com algumas das restrições que apontas mas, dentro daquilo que é o esencial daquilo que faz, o pior que pode fazer é começar a pensar de forma publicitária. Na publicidade, tal como por exemplo no humor, o sumo tira-se do que se vê na realidade, dando-lhe um twist ou uma abordagem diferente, surpreendendo quem está do lado de lá. Caso contrário, estamos a falar para dentro, para o nosso nicho.

Dentro desta "arte" que é também uma actividade económica, a criatividade tem de andar de mãos dadas com a eficácia, caso contrário é só um exercício de estilo.

A minha dificuldade é perceber o que é um escritor profissional. É alguém que só vive do que escreve? Ou é alguém que escreve para vender? A "seriedade" é algo que se deva valorizar num escritor como factor que dá outra dimensão à sua obra ou a personalidade e a obra podem conviver separadamente?

Mas a minha dúvida maior é, será que se pode ser escritor sem ter que ser um craque em literatura?

Voltando à publicidade, cada vez mais há miúdos que querem singrar nos meandros criativos e, para o conseguirem, vão para escolas especializadas pagar cursos para terem directores criativos por perto e, quem sabe, uma oportunidade de emprego depois. O problema é que começam logo a levar com os filtros publicitários, a ter apenas como referências anúncios e acções publicitárias, briefings e técnicas. Ou seja, aprendem já pelo reflexo e não pela realidade.

A minha questão com o meio literário é quando o efeito é o mesmo. Quando as pessoas começam a moldar-se em termos de referências e posturas e perdem a sua própria realidade, muitas vezes de forma inconsciente. O lugar do humor é na prateleira X, do terror e da ficção científica é na Y e por aí em diante. As pessoas adoram rótulos, seja em que meio for e, não tendo nada a ver com vulgaridade ou óculos de massa, também há características e atributos que alguns não dispensam para colocar o rótulo "escritor".

Quanto à seriedade, gente que se leva demasiado a sério tornam o mundo um lugar mais velho. E para mim, isso não é favor nenhum.

Tolan disse...

Mak, depende do que se entende por "craque" e do que se entende por escritor. Pode-se ser um escritor interessante ou competente lendo apenas as referências do género que se está a abordar, embora seja pouco previsível que consiga ser muito inovador aí, visto que não está a trazer algo de novo. Para usar uma comparação com gastronomia, é preciso o Bocuse ver como os japoneses preparam alimentos para reinventar a cozinha na nouvelle cuisine em França. Não é preciso ser "craque" no sentido erudito Joyce, Borges, Nabokov para se ser um escritor competente. Mas não se pode ser um grande escritor sem ler muito e espera-se de um grande escritor que pelo menos tenha algo de novo e único. O sentido crítico, a noção da obra, a ambição, só se desenvolve com a exposição a grandes obras, assim como um enólogo ambicioso tem de provar grandes vinhos para ter vontade de criar os seus vinhos nas suas vinhas e depois de os poder avaliar, misturando castas novas, fazendo experiências, provando, corrigindo, percebendo as limitações dos terrenos e como pode tirar mais partido deles. Aliás, a consciência das próprias limitações é um processo penoso, mas útil, não vá dar-se o caso de que se querer cultivar Kafka ou Joyce onde cresceria um Bret Easton Ellis e onde acaba por nascer um arraçado Uva do Monte com Sprite.

Tolan disse...

Mak, gostei muito do que disseste sobre publicidade, de aprender pelo reflexo e não pela realidade. O ideal será as duas coisas, aprender as ferramentas técnicas e ter a tal formação do reflexo, mas ter uma bagagem de referências fora daquilo, referências próprias, para dar originalidade. Contudo, não têm culpa de quem os avalia, a começar pelos clientes que pagam, reagirem mal a coisas diferentes e porque não dizê-lo, do próprio público a quem a publicidade se pode destinar. Isto é, se para ser eficaz, tem de ser estúpido porque só assim chegas lá, então não há maneira do criativo dar a volta aquilo. Se pensar no mercado literário, é igual... Há autores extremamente competentes que não são suficientemente medíocres para terem sucesso. E estou a falar mesmo do mercado dos best sellers. Há alguns que parece que levaram com um processo de edição invertido: "epá, ela nesta página não tem repetições e aqui usa uma metáfora, corta isto... epá, esta personagem ameaça tornar-se interessante, elimina esta cena, esta parte aqui está demasiado escorreita, tenta arrastar este capítulo com um copy paste da wikipedia sobre este tema"...


Tolan disse...

... pronto, agora a capa, as letras a dourado e o grande plano de uma boca feminina a beijar uma rosa ... e já está!

:(

espera, espera, falta uma informação que diga "Faz reflectir na condição humana - 100% garantido ou dinheiro de volta"

:((

Mak, o Mau disse...

Começando novamente pela publicidade, focando-me mais na parte que combina escrita e criatividade, é possível encontrar cá copywriters brilhantes com formação em Direito, Psicologia, Física, Ciência Política entre outros para além dos óbvios oriundos deComunicação / Letras (embora aqui neste último sejam mais raros, mais pelo facto de publicidade e alguns campos das letras serem inimigos ancestrais).

Da mesma forma, um escritor pode ser de formação tudo e um par de botas. Quero com isto dizer que a vertente técnica/aprendizagem é secundária face ao talento inato para algo.

Obviamente, compreender as tendências actuais, ter noção do que vai na cabeça das pessoas e saber usar as ferramentas certas para chegar até elas é um tipo de conhecimento que te beneficia imenso e quanto mais cedo adquires essa noção, melhor.

Diria que pelo menos 80% do pessoal que actualmente vai estagiar/inicia carreira em departamentos criativos vem de escolas especializadas na parte técnica e no foco profissional e um claro desprezo pela vertente sociológica.
À escala, eles não "treinam" para aprender tudo sobre futebol, eles "treinam" para ser Ronaldos.

Ao mesmo tempo, perceber muito sobre literatura não é sinónimo de ser bom escritor e até escrever bem não é sinónimo de ser bom escritor, ainda que isto possa parecer algo esquizofrénico.

Na era da imagem, é cada vez mais comum ficarmos presos em referências, em vez de categorias. As meninas não querem ser princesas, querem ser a Hannah Montana. Os putos não querem ter uma banda, querem ser os Kings of Leon, aquele tipo não quer ser escritor, quer ser ....(inserir referência).

São os covers, como já se falou aqui. O problema é que a música às vezes é sempre a mesma, vezes sem conta.

Concluindo, acho que no mundo literário o foco se centra demasiado no "escritor", enquanto figura mítica de propriedades misteriosas e menos na história. Porque se todos os livros que lesses não tivessem o nome do autor, tu ainda ias conseguir tirar de lá o principal e se calhar falar-se-ia mais do que realmente interessa.

Tolan disse...

Só não concordo muito com a conclusão final, do foco estar demasiado no escritor, apesar de perceber o que queres dizer nesse contexto. Eu vejo a obra como a construção de um autor, em última instância e que o autor e obra são a mesma coisa, mas isso prende-se um bocadinho com a minha visão...estou longe de considerar que deve ser assim, a literatura... a sensação de empatia máxima que eu tenho quando leio um livro do caraças é pelo autor, não propriamente pela obra, não distingo isso de outras áreas da vida... tenho uma reacção afectiva muito primária e que nem sempre tem correlação com a qualidade da obra. Às vezes ainda nem li a obra. Um exemplo, apanhei uma entrevista do José Rentes de Carvalho no rádio, de quem ainda não li nada, e fiquei sentado no carro a ouvir, já depois de estacionar, o que raramente acontece. Ouvi-o falar de livros, de escrita, de Portugal e das diferenças face à Holanda... já sei que vou gostar de o ler, gosto dele. Nem sabia que tinha 83 anos como depois descobri na capa do público. E podem dizer "isso é irracional" e eu digo está bem :)

Vareta disse...

"Isso é irracional".