quinta-feira, 30 de maio de 2013

livros nas escolas

Cresci com uma biblioteca, em casa. Na escola, sabia que aqui em Portugal se estudava Gil Vicente e que noutro país se estudava Molière e noutro Shakespeare. Que aqui líamos Pessoa e noutros países seria Puchkin ou então Neruda. Percebi que havia escritores um pouco por todo o mundo e que desses, eu ia gostar de uns e não gostar nada de outros e que o conceito de "literatura portuguesa" era uma convenção, que o que contava é a literatura que temos à nossa disposição numa língua compreensível, na nossa biblioteca, na biblioteca municipal, à venda nas livrarias que estão à mão e, em 2013, pela Internet. Parecia-me um pouco desonesto que os franceses impingissem franceses às crianças francesas só porque são franceses e que os portugueses impingissem lusófonos aos portugueses só porque são lusófonos e que no meio disso, cada país fizesse esforços oficiais para impor uma visão muito parcelar, definida por burocratas e políticos sem qualquer cultura ou erudição e pela pior promiscuidade com o "meio literário", sempre moderada pelo politicamente correcto ou pela visão do regime ou por interesses de editoras.

O que se pretende, quando se divulgam e estudam autores, numa escola, nas aulas de português? Desenvolver curiosidade pelos livros e gosto pela leitura, explorando um pouco o sentido crítico e o gosto, de uma forma que é difícil de conseguir fora da escola? Já sabemos que fora da escola existe um mercado livre, que há autores que são mais lidos do que outros, tendo mais ou menos sucesso, maior ou menor marketing. Na escola, o relevante poderia ser expor os putos a uma diversidade de coisas e eles que escolhessem e experimentassem. Se falamos de literatura portuguesa ou lusófona, então temos aqui um problema. Portugal tem poucos grandes escritores capazes de apelar ao público mais jovem. Haverá alguns, certamente (penso no Eça), mas não temos um Twain, um Salinger, Rudyard Kipling, um Jack London, um Michel Tournier, um Hemingway, uma Emily Bronte, um Camus, um Boris Vian, um Tolkien, um Maupassant, um Oscar Willde, um Stendhal, um Kerouaq, uma Marion Zimmer Bradley, Kenneth Grahame, Bram Stoker, Stephen King, Sue Townsend etc. etc. O problema ainda se agrava mais quando pensamos na literatura mesmo juvenil ou infantil. Não temos um Hans Christian Andersen ou uma Selma Lagerlöf, um Saint-Exupery, nem um Lewis Carol. Cresci com o fenómeno Isabel Alçada, mas já havia Enid Blyton / Mary Pollock e Isabel Alçada era uma versão deslavada e moderada do original. Basta percorrer o portal do Plano Nacional de Leitura para perceber que talvez, digo eu, não tenhamos qualquer tradição de livros infantis de qualidade, sejam dos ilustrados ou dos outros. Notem que eu não tenho nada contra qualquer pessoa fazer um livro infantil e editá-lo e divulgá-lo. O que me faz um pouco de confusão é criar uma coutada no Plano Nacional de Leitura, privando os miúdos de obras melhores,  nem que  seja por terem passado o teste do tempo ou terem alguma consagração crítica (que, pasme-se, também é relevante num livro infantil e ilustrado).

Poderemos estar a começar a ter outra noção, pelas traduções, pela globalização, até por filmes e desenhos animados inspirados em histórias clássicas a que a minha geração começou a ser exposta e pela consciencialização das novas gerações de pais para a importância dos filhos lerem. Tudo isto são coisas que certamente não existiam tão generalizadas em Portugal há 3 décadas quando eu era puto. O país vai arejando, é difícil combater o tempo e as brechas que se abrem graças à globalização. É pena que algumas janelas teimem em abrir.

15 comentários:

a.i. disse...

...um David Lodge, um Douglas Coupland, etc - mas pode ser que ainda venha a aparecer algum parecido em PT ? )

a.i. disse...

Ah e já agora nem sequer um eduardo mendonza (suspiro)

MDRoque disse...

Há quarenta, e um, e dois, e três anos :\ :\ :\ Enquanto em casa lia as aventurasde Miguel, de Georges Bayard , preparávamo-nos para a leitura da época, porque lia-se muito nos liceus. Já vínhamos preparados da 4ª Classe e da preparatória(2 anos) com toda a literatura dos 5, dos 7, do Colégio da Ameixoeira ( Mulherzinhas e sequelas adaptados à realidade nacional). No Liceu tínhamos a bibliotecas de turma, e tínhamos que ler um livro a cada duas semanas. Já líamos o Principezinho, o Tom Sawyer, o Peter Pan, e todos os Charles Dickens. Depois veio 74, e já liamos tudo. Em finais de 76 acalmou a loucura, nada foi proibido, mas tínhamos obras obrigatórias para ler , na disciplina de Português, para os de línguas obras em inglês, e até em história, onde li a Canção de Rolando quando estudava a reconquista cristã...Li More, Miltoun, Chaucer,Shakespeare...era complicado entender englesismos daqueles... e depois os clássicos Portugueses aos molhos - todo, um de cada... as minhas filhas foram umas Ladies, nunca tiveram que ler nem um terço desta treta toda...também o gosto pela leitura ficou pelo mesmo caminho dos livros que não leram. Espero sinceramente que na altura dos meus netos os livros ainda tenham folhas...

Anónimo disse...

Fomos uns carenciados do camano, mas agora somos uns privilegiados com os ilustres Hugo Mãe, José L Peixoto, Margarida R Pinto, J R Santos, Clara P Correia, Cláudio Ramos, Parrachita e consta-se para breve o supra sumo das letras nacionais, o inigualável Zezé Camarinha, entre outros iluminados da escrita nacional

tata disse...

Sabes que ler um original não é o mesmo que ler uma tradução...

kiss me disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
kiss me disse...

Como não temos literatura infantil? Então... e Duarte e Marta?? :P

(vá, goza)

http://www.wook.pt/product/facets?palavras=duarte+e+marta

Espiral disse...

Concordo com tudo o que disseste menos da compração da Enid Blyton À Alice Vieira. Ainda se comparasses à Ana Maria Magalhães e à Isabel Alçada que é o mesmo estilo ainda vá.

Agora Alice Vieira? É um estilo completamente diferente de escrita, que consegue trazer aos jovens um nível de profundidade literária completamente diferente, mais densa tanto em termos estruturais como em termos de contéudo.

Maria Amêndoa disse...

Penso que a ideia de apenas se estudarem obras portuguesas nas escolas tem a sua lógica.
Em primeiro lugar, não acho que exista um entrave assim tão grande por parte do ensino à leitura de obras estrangeiras, porque os professores de Português incentivam sempre a leitura de obras extra-curriculares (como é óbvio, escolhidas pelos alunos) e, por norma, as avaliações da disciplina incluem apresentações orais, fichas de leituras, resumos, etc, dessas obras que tanto podem ser nacionais ou estrangeiras traduzidas.
O que acontece é que as leituras no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa não têm um objectivo lúdico, mas sim educativo. Têm o objectivo de aumentar a intimidade com a língua portuguesa. Na aprendizagem da língua inglesa não se lê Shakespeare só por ser um autor inglês conhecido, ou por fazer obras interessantes, mas sim porque contém palavras antigas (que ajudam a compreender o desenvolvimento da língua) e expressões tipicamente inglesas. Apesar de as obras estrangeiras poderem ter enredos muito mais interessantes, os estudantes não vão encontrar lá os provérbios, os trocadilhos, e as palavras que só existem na nossa língua. Então acho que faz todo o sentido que as obras de estudo e de leitura obrigatória sejam nacionais.

Tolan disse...

Espiral, corrigi, penso que confundi a Isabel Alçada com a Alice Vieira.

Tolan disse...

Almond, claro que eu acho que se devem estudar autores portugueses, até pela questão da identidade cultural do nosso país, mais do que a língua, porque também há muitas traduções bem feitas e por portugueses que sabem escrever muito bem. Acho que dissecar o português de um Pessoa é como um cientista dissecar animais exóticos, belos e raros numa aula de biologia para aprender o que é uma aorta e um fígado.

Uma criança com livros em casa e pais interessados e informados, é imune a qualquer sistema educativo. É irrelevante o que lhe mostram na escola. O mesmo não se passará em famílias cujo único estímulo cultural se resume a ver as escolhas do Professor Marcelo ou ler lombadas que dizem "a literatura passa por aqui" na Feira do Livro.

Penso que a componente lúdica pode ajudar a melhorar isso, mas não é só ler mais, o mercado encarrega-se dessa parte como tem feito. É na escola que muitos portugueses são expostos, pela última vez na vida, a qualquer coisa que se assemelhe com literatura. Dos meus colegas de escola, quase nenhum pegava num livro que não fosse obrigatório. Acho que as experiências traumáticas que os estudantes têm com a forma como se aborda a literatura, quer por abordarem autores que não lhes interessam (e que não interessam muitas vezes a adultos com consciência crítica!) forçando-os, esmiuçando técnicas e sistematizando a análise como se estivéssemos numa aula de Química ou Biologia, pode destruir a componente lúdica e e criar, paradoxalmente, anticorpos contra o hábito de ler.

Não dissecaria à exaustão obras e com termos técnicos e conceitos que são completamente desnecessários para a fruição da leitura e para a expressão escrita. Mas isso sou eu que acho que só se aprende a escrever e a ler, escrevendo e lendo.

Vareta disse...

Felizmente, passei pela escola num tempo em que se dava mais atenção ao texto que ao autor. Mas compreendo que, como rapaz que escreve, queiras pensar num quadro futuro em que jovens moçoilas púberes deixem densas machas de humidade nas cadeiras das salas de aula ao ler um qualquer excerto do autor Tolan. Dificilmente perceberei, algum dia, essa tua mania com os autores - mas talvez me possas explicar em julho.

Tolan disse...

Onde é que isso está? Agora sou eu que estou com dificuldades de interpretação do meu próprio texto.

Anónimo disse...

Fdx Tolan, não mencionas o clássico dos clássicos português, ainda mais agora que vais ser pai? até que tem um nome que lembra logo luso-viriato-qualquer coisa... o autor chama-se andresen, de seu primeiro nome sophia e o clássico tem por título "o cavaleiro da dinamarca".
os livros infantis / juvenis do autor são um espanto e seriam um clássico em qualquer parte do mundo. até acho que faziam parte das leituras obrigatórias na escola num tempo remoto e não identificado.

Lusios disse...

Junto à discussão um outro dado problemático - a de acharmos que todas as obras de um autor (digamos) consagrado são igualmente boas. Por outro lado, o que adianta incluir um autor numa dessas listas se ele permanece inacessível ao público (por ser caro, por estar esgotado, por só existir uma edição, por vezes má, por ser uma má tradução...)? E os critérios de escolha? Custa assim tanto enunciá-los claramente, sem aquela retórica de circunstância que, lida, não nos leva a concluir nada?