terça-feira, 14 de maio de 2013

James Joyce e rock n'roll

Quanto tinha 13 anos, o meu objectivo de vida era conseguir tocar o cover do crushing day do Joe Satriani. Isto foi bem antes do guitar hero para a playstation, na altura só havia mesmo guitarra. É possível fazê-lo, como este senhor, o Vladimir Shevyakov, demonstra aqui no youtube:
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Fácil, não é? Contra todas as probabilidades, nunca consegui. E o grunge veio, varreu o metal e o hard rock os seus virtuosos, mudou o standard de apreciação artística para algo bem mais acessível do ponto de vista técnico. Também me fez reavaliar o meu gosto, depois de acabarem as discussões no recreio sobre quem era o melhor guitarrista e baterista, sempre com números de batidas por minuto a apoiar os argumentos, solos impossíveis e argumentos absurdos como "o Steve Vai faz a guitarra falar, eu ouvi!" ou "o Yngwie Malmsteen estudou música clássica!"

Com a exposição a outros tipos de música, percebi que não é forçoso ter virtuosismo, apenas competência técnica ao serviço de um som distintivo e de um profundo sentido estético. Devo dizer que vários amigos ficaram fixados no metal. Eu percebi que pudessem não gostar de Pixies, Nirvana ou Pavement, mas resumir a discussão a "essa música só tem 4 acordes", ou então "qualquer pessoa sabe tocar isso", era definitivamente um argumento palerma que até os mantinha longe de grandes bandas do passado, como Clash, Stooges, Ramones ou Sex Pistols.

Os guitar heroes são sucedâneos do enorme e genial Jimmy Page. Agarraram-lhe no exibicionismo virtuoso e resumiram a música a isso, a música ao serviço de um eventual solo que se estende por 2 ou 3 minutos aborrecidos, sem nexo e direcção (aliás, esta faixa do Crushing Day do Satriani e esse disco do Surfing With The Alien é capaz de ser uma excepção menos má). E tudo isto tem ligações com a literatura. Quase que se podia dizer que o Jimmy Page está para o rock como o Joyce para a literatura, tal como Jimmy Page meteu os guitarristas a tocar para outros guitarristas, também o Joyce meteu escritores a escrever para escritores, mas isso seria certamente uma simplificação arriscada e não quero ter o Vareta aqui à perna nos meus comentários.

 O certo é que após passar pela satisfação de conseguir tocar (imitar mais ou menos) guitarristas nas minhas músicas preferidas, muito pelo advento da internet que disponibilizou um recurso infindável de tablaturas (uma espécie de pautas para analfabetos musicais), percebi que a questão virtuosa estava  longe de constituir um ponto crítico nisso, desde que se fosse competente. Se eu fosse mesmo teimoso na música, tivesse uma banda e ensaiasse, havia um dia de poder compor músicas iguais às das bandas que gostava, pois teria virtuosismo mais do que suficiente. Contudo, isso não aconteceu. De facto, nunca compus nada de jeito. Nada. Eu próprio, com o meu espírito crítico, ouvia o que inventava e sabia que era muito limitado.

É que mesmo nos recursos aparentemente limitados das notas do riff do I Can't Get No Satisfaction dos Stones, há uma infinidade de possibilidades, de subtilezas, de ideias, que fazem todos os guitarristas que não compuseram o I Can't Get No Satisfaction sentirem-se frustrados por não se terem lembrado daquilo e render-se à evidência de que não são o Keith Richards.  Mas quando copiamos, parece simples!

Destes 100 riffs de guitarra mais famosos da história do rock n'roll (lista altamente subjectiva) apenas algumas excepções são difíceis de tocar para um guitarrista amador teimoso.



4 comentários:

MDRoque disse...

Sabes que eu tinha gravado em VHS O Hear'n Aid the Sessions e babava-me a ouvir aquilo.O meu "puto" (= irmão mais novo que eu estraguei) é um musicómano doido com "fitas" de mixes originais do 2001. Ele é um piqueno já nos entas... tu és seguramente mais novo... mas Joe Satriani, Yngwie Malmsteen.... ele agora está em Luanda a trabalhar, mas sempre que cá vem temos que ter uma sessão musical de "Teste o ouvido da Velha"... se não vou lá logonos primeiros acordes... Já foste....

Eu sou muito mais soft, mas sou MUITO incompreendida....

(Já agora... desculpa mais uma vez a ousadia...
http://acontarvindodoceu.blogspot.pt/2013/01/minority-majority-morality.html

Anónimo disse...

a simplicidade é muito difícil de alcançar.

Vareta disse...

Faltou-te um pronome; devia ler-se: "E o grunge veio, varreu o metal e o hard rock (com) os seus virtuosos, mudou o MEU standard de apreciação artística para algo bem mais acessível do ponto de vista técnico."

Não percebo a tua sanha contra o Joyce mas não será por isso que te mordo as canelas. Poderei ferrá-las, sim, pela tua insistência em figuras de 'agência', como se o Joyce ou o Page ou outros tivessem um programa - como se o Joyce tivesse andado muito ralado com o como se escreveria depois dele. Faz tanto sentido dizer que foi o Joyce que pôs escritores a escrever para escritores como o faria dizer que foi "O Banquete" do Platão que pôs os homens a brincar com rapazes ou que foi em resposta à "Cantora Careca" do Ionesco que surgiu o Restaurador Olex.

Maga PatoLógica disse...

Li isto hoje e vi isto ontem:
http://www.youtube.com/watch?v=rV6SmY04WdE
Fiquei impressionada principalmente pela expressão da miúda... parece que está apenas a cortar as unhas ou a enviar uma SMS...