terça-feira, 8 de janeiro de 2013

identificação


Tenho uma identificação forte com grande parte da boa literatura americana. Como me diz um amigo, um bocadinho em provocação tendo em conta a minha admiração por Bukowskis e Fantes, parecem livros escritos por pessoas que não leram livros. Eu próprio já disse que muitos estão para a literatura como os punks para música: têm muita vontade de fazer coisas mas não têm a técnica, então coisas divertidas acontecem. Claro que isto é um exagero, Bukowski leu muita coisa que pôs de lado com nojo, incluindo Tolstóis, Prousts e Joyces, mas o certo é que escreve dando a sensação que não leu outra coisa que não pulp fiction de aeroporto e poesia de porta de casa de banho. O Cormac McCarthy no Suttree está numa classe aparte, existe uma qualidade literária na prosa que o coloca noutro nível, mas mesmo assim pertence à família do romance americano de que eu gosto e com o qual me identifico. Já agora deixo aqui o link para a apreciação do Suttree pelo Henrique Fialho. E no meio disto, acabei por apagar um post gigantesco com considerações diversas sobre literatura portuguesa, um post que andava para a frente e para trás há dias, a ramificar-se em contradições e paradoxos, generalizações abusivas e infundadas. Apercebi-me que foi bom escrevê-lo, mas mais como conjunto de notas e de interiorização de manifestos pessoais que só importa materializar pela criação da ideia, uma vez que é completamente espúrio o esforço de martelar cabeças indo directo ao assunto, como se explicar a diferença entre uma boa piada e uma má piada melhorasse o sentido de humor de alguém. Estas hesitações começaram a afligir-me há coisa de dois, três anos. Tenho opiniões categóricas e devidamente infundadas sobre muitas coisas mas é como se tivesse o pressentimento que o ideal é estar calado, até um dia. Até lá, estou sempre disponível, magnânimo e assertivo, para debater e discutir à volta de umas cervejas, com um punhado de amigos. Uma última nota, ainda bem que li o Suttre na excelente tradução do Paulo Faria. Decidi há tempos deixar de ler tantos originais em inglês. Já sei que sei ler originais em inglês, boa para mim. Mas assim, pelo menos, leio livros em português, o que é importante. E não, não vou falar de literatura portuguesa.


9 comentários:

Izzy disse...

Faz todo o sentido que leias em portugues, se queres escrever em portugues. Caso contrario, atrofias a tua quantidade de vocabulario disponivel.

Ainda nao peguei no Suttree, deduzo que o acabaste e recomendas? Ja comecaste The Road?

Tolan disse...

Não comecei. Recomendo mesmo. Também quero ler o Meridiano de Sangue.

Constanza Muirin disse...

Não recomendo a parte do post relativa aos Prousts e aos Joyces, mas o Meridiano de Sangue é genial

Anónimo disse...

tolstoi era conde armado em monge pobrezinho e isso nota-se. todo o escritor é em primeiro lugar a classe a que pertence, em segundo o que faz para ganhar a vida ou sobreviver, em terceiro o país a que pertence, por mais que digam os estetas. eu recomendo aos leitores daqui um americano genial, sem ele não era possível a magnífica literatura americana: Saul Bellow.

Tolan disse...

anotado, anónimo.

Anónimo disse...

Esperemos que o estoicismo silencioso não seja movido por um muito pragmático interesse financeiro e uma certa cobardia de quem não confia nas suas próprias capacidades para entrar no meio literário português, porque também em relação a isso não adianta nada, é como a cena das piadas.

Eu tenho outra explicação para a falta de vontade de explicação. Os portugueses não só não gostam do espaço público como não foram educados para decidir em processos colectivos, por isso, tudo o que soe a debate, discussão, elucidação de argumentos, clarificação do debate, é automaticamente substituído pelo Ricardo Araújo Pereria.

Está tudo bem comigo, não se incomodem.

Anónimo disse...

caro alf, o rap e consensual e com razao. o rapaz fala ao povo e do coracao. agora que as pessoas gostem dele nao e culpa dele. sim e os debates em publico e essa frontalidade que te faz ir para casa e emborcar duas garrafas de vodka deixa para os nordicos. aqui somos diferentes e ainda bem. bem haja para todos

Anónimo disse...

Não li este mas o The Road e o Blood Meridian são particularmente bons. O The Road marcou-me particularmente pq foi o livro que li no hospital nos dias a seguir a ser pai pela primeira vez. Gosto da escrita do Cormack. Mesmo muito. Não é definitivamente um punk com energia contagiante mas que não sabe tocar. Ele toca e bem. Com energia.
Nuno Rechena

Anónimo disse...

Reparei agora que estava particularmente adepto do particularmente no meu comentário anterior. Enfim, particularidades :D