quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

profissões de escritor #1

Pedi aos meus fãs no facebook que me sugerissem profissões daquelas que ficam bem na nota biográfica de um escritor na contracapa de uns livros. Deram-me umas quantas. Dado que sou muito influenciável e só sei escrever sobre o que sei, suponho que minha escrita em cada uma das profissões seria algo do género:

Sugestão:Ser como o Jack London
A minha casa está a precisar de reparações, o peso do nevão de ontem foi demais no toldo tenda decathlon e o Dentuço roeu uma das cordas e ainda mijou em cima do saco cama que estava a secar. Não lhe levei a mal, estávamos ambos bastante bêbedos, não lhe devia ter misturado Jack Daniels no pedigree pal. É um bom local esta clareira na floresta, mas para arranjar bebida tenho de fazer doze quilómetros pela neve até à estalagem. O pior de tudo são os turistas no natal e fim de ano. A Serra da Estrela torna-se inóspita e perigosa. Descem as encostas sentados em sacos de plástico e pneus. Almoçam em grupos de dez ou vinte pessoas, com Toni Carreira nos carros vermelhos estacionados com as portas abertas. Eu e o Dentuço ficamos a observá-los, escondidos, à espera de um oportunidade para roubar uma lancheira ou um pack de sagres.

Sugestão: Acompanhante de mulheres carentes de sexo e emoções
Achei enternecedor que Sónia não soubesse porque viera ter comigo e atribuísse a esse súbito impulso a necessidade de “conversar com alguém”. Não estava a mentir, estava mesmo convencida disso, apesar do vestido azul e do perfume traírem o esforço de esconder o desejo de me ter dentro dela. Falou-me de poesia, de como o marido não entendia poesia e não percebia a beleza das coisas e que eu era diferente. Pobre coitado, imaginei-o perplexo, de controlo remoto na mão, a não perceber porque ela não o deixava ver o futebol em paz e o aborrecia com poesia. Deixei-a acreditar na fantasia, enternecido. Era melhor para ambos conferir um pouco de dignidade a tudo. Servi-nos champanhe. Bebeu como uma flor seca num deserto de amor.


Sugestão: Sindicalista
Hoje, o patrão ofereceu-me um café na reunião de negociação de direito a não sermos despedidos na eventualidade da empresa falir por catástrofe natural e/ou holocausto nuclear. A sua reluzente nespresso nova, a contrastar com o negrume de fuligem e óleo que cobre o meus camaradas, os seus corpos explorados, o seu futuro, os seus filhos. As mãos dele, leitosas e finas, mãos de burguês, delicadas, habituadas a passar cheques e assinar documentos que são sentenças da nossa dignidade... Estendeu-me o copo fumegante, com um sorriso hipócrita. Recusei, não sou subornável, disse-lhe isso na cara e abandonei a reunião. Greve!

Sugestão: recepcionista num consultório de ginecologia
Não sei o que se passa comigo, devo ter qualquer coisa de errado, não consigo arranjar namorada Sou solteiro, tenho um emprego aborrecido mas honesto e as únicas pessoas que vejo são as pacientes que vêm ao consultório de ginecologia. Acho normal meter alguma conversa e tentar conhecê-las. Primeiro imagino como são, só pela conversa ao telefone a marcar a consulta com o Doutor. E depois vejo se são iguais ao que eu imaginava quando aparecem na consulta. É um jogo divertido e tornei-me bastante bom nele, apesar de ser surpreendido de quando em vez. Antes fazia-lhes perguntas ao telefone, se eram altas ou baixas, morenas ou loiras, mas acabavam por cancelar a consulta ou simplesmente desligavam-me o telefone na cara e o Doutor começou a estranhar a ausência de marcações. Mas aqui, no consultório, não entendo. Vê-se logo que sou uma pessoa simpática e honesta, não compreendo porque não me respondem ou aparentam incómodo quando, ao saírem da consulta, lhes pergunto se posso ser útil em alguma coisa em particular ou se querem jantar comigo.

(continua)

2 comentários:

São João disse...

Sempre é melhor que duplica slide, apaga slide :P Continua que estás a ir bem

POC disse...

"Vê-se logo que sou uma pessoa simpática e honesta, não compreendo porque não me respondem ou aparentam incómodo quando, ao saírem da consulta, lhes pergunto se posso ser útil em alguma coisa em particular ou se querem jantar comigo."

GOLD.