quinta-feira, 6 de outubro de 2011

ser fixe e assim

Ora bem, estamos em 1990 e tal e eu descubro que os Crash Test Dummies não são fixes numa conversa com uma rapariga (ela era fixe) que me fala de Pixies. Não sabem o que são os Crash Test Dummies, não faz mal, não procurem. Tinham uma música com o refrão que era "mmm mmmm mmmm mmmmmmm" etc. e eram canadianos. Foi o primeiro cd que comprei.
Depressa percebi que na escola havia dois grupos de rapazes. Então havia os fixes e outros todos que, por diversos e variados motivos, não eram fixes. Ou porque eram maçarros (cresci na província), ou porque eram pobres, ou porque eram muito totós e gostavam de Crash Test Dummies ou por qualquer outro motivo. Esta questão obcecou-me durante muito tempo, porque os fixes ficavam com as raparigas mais giras e a mim só me calhavam as mais sensíveis e inteligentes, que é como quem diz, as menos giras.

E então meti na cabeça que devia ser fixe, porque a minha função de utilidade atribuía mais utilidade à "chearleader" loira de olhos azuis do liceu, que constava que fazia broches a todos menos a mim, do que à rapariga sensível que me acompanhava até casa e me falava de Kafka, ajeitando os óculos e apertando os dossiers e livros contra o peito tímido. E nisto, tinha vergonha dos meus amigos e amigas que não eram fixes, e quando passava uma miúda gira, fingia que não os conhecia e afastava-me um pouco, de forma discreta para que não percebessem.

O meu esforço começou primeiro por querer deixar crescer o cabelo e usar roupa 3 números acima e de aspecto de lenhador americano, para imitar aquele que era o Deus dos fixes, o Kurt Cobain. O máximo que consegui foi parecer um sem-abrigo que tinha encolhido à chuva. Devo dizer que tinha 1,80 na altura, embora fosse magro e bastante desconjuntado no geral. Tinha jeito para o basket e para guarda-redes de andebol, mas o futebol que era uma das disciplinas que fazia os rapazes serem fixes, estava fora do meu alcance, excepto a potência e colocação do remate. Um dos motivos pelos quais gosto muito do Cardozo é porque o Cardozo seria exactamente o jogador que eu seria se fosse muito bom dentro das minhas limitações, numa qualquer realidade paralela. É por isso que me sinto na pele no Cardozo quando vejo jogos do Benfica e ele é assobiado pelos próprios adeptos, porque perdeu desastradamente um lance ao tentar um drible patético. E acontecia-me o mesmo com o Mats Magnusson na altura, de quem se dizia, "ficar o jogo todo à mama". As pessoas não admiravam quem, dentro da sua "tosquice", fosse eficaz. Queriam a finta fixe.

Para além do futebol, havia mais formas de ser fixe. Ter roupas e aspecto fixe, ser muito conhecido por algum motivo, normalmente associado a problemas disciplinares e gostar de coisas fixes. Esta última parece relativamente fácil e barata de conseguir, mas na altura não era. Era necessário ouvir horas de rádio com o leitor de cassetes sempre pronto para gravar, quando começasse a dar uma música que fosse considerada fixe e não havia rádios fixes assim a dar com um pau, muito menos na província em que as músicas fixes eram frequentemente interrompidas por anúncios de rações ou por um locutor que gostava de cantar por cima da música. Tenho cassetes com o Creep dos Radiohead interromido por anúncios às rações Valouro.

Existe um grupo de pessoas que depois dos 20, às vezes mesmo pelos 30 adentro, continua a coleccionar coisas fixes (músicas, filmes, livros etc.) e a falar delas, porque registaram esta lição dos seus tempos de adolescência. Por exemplo, não há um único bom crítico que tenha perdido a virgindade antes dos 25, 26 anos. As coisas são como são. Felizmente, com a progressão na vida, as pessoas vão encaixando num universo mais específico e confortável e rodeiam-se de pessoas um pouco mais semelhantes. A escola, que tem como único critério agregador o ano de nascimento de uma pessoa, acaba por juntar indivíduos de proveniências e feitios diferentes. Hoje, o único contacto que tenho com os fixes do liceu, é quando vou ao talho do supermercado ou pago o depósito de gasolina numa bomba da autoestrada.

18 comentários:

Isa disse...

" mim só me calhavam as mais sensíveis e inteligentes, que é como quem diz, as menos giras. "

ainda não recuperaste?

qt à última frase, vês, os fixes não valem nada, não são de grande serventia, os inteligentes sim :)

Maat disse...

Hoje, o único contacto que tenho com os fixes do liceu, é quando vou ao talho do supermercado ou pago o depósito de gasolina numa bomba da autoestrada.

wow! eu sou snob, mas tu bates-me aos pontos. obrigada por me fazeres sentir menos mal (hoje pensava como os politécnicos são tão inferiores às universidades. ok, se calhar estamos ao mesmo nível).

Sofia P. disse...

oooonce there was this kid who... ena ganda viagem no tempo :D és muito melhor nisto que o Markl!

e quando passas pelos fixes dizes "inchaaaa!"? Isso era bonito.

R. disse...

Porra como me lembro dos crash test dummies, mas a rapariga tinha razão, os pixies eram melhores.

(e os politécnicos não é que sejam inferiores às universidades... apenas formam técnicos...)

Cat disse...

No liceu, eu era das sensiveis e inteligentes, agora, também sou gira. Lá está é inversamente proporcional à "evolução" dos fixes.
E os Pixies eram realmente melhores. :)

Anónimo disse...

Rações Valouro? Posso perguntar de onde és. Sou de bem perto da dita fábrica.
Também não era dos fixes mas (e sei que fica gira a generalização) vejo muito fixe que se safou muito bem.

ME disse...

Tambem eu tentei desesperadamente ser fixe mas nunca passei de uma minorca gorducha com alguma queda para o ridiculo! Depois cresci e caguei nessas merdas todas passei ter opinião própria, saber fundamentar os meus pontos de vista e a ter a minha voz fora da carneirada! E aí sim, alcancei o tão almejado estatuto, pelo menos aos olhos de um bando de adolescentes sedentos de coisas fixes!

Anónimo disse...

não percebo porque ficam tão felizes por ver os fixes com maus empregos

a.i. disse...

oh oh andaste a ver os stand up no final do conan o'brien, hã?
ontem ou anteontem um fez exactamente essa mesma piada: hoje em dia onde podemos encontrar videos do que fazem os 'cool' do nosso tempo de liceu? no fecebook.

a.i. disse...

Tolan, vai ver o blog da rita maria (boas intenções) e retira já o que disseste sobre raparigas giras não serem inteligentes e sensíveis

Anónimo disse...

mas os fixes da universidade... esses continuam a ser os fixes da vida.

Anónimo disse...

bom texto, quando queres és o melhor blogguer em portugal.

Sofia disse...

Ela tinha razão...Além do mmm mmm mmm dos crash test dummies havia mais alguma música deles que se aproveitasse? Era apenas mais uma One Hit Band.

Rod disse...

Os Crash Test Dummies são muito fixes.

Sãozinha disse...

Tens sorte. O meu primeiro cd foi um dos Bon Jovi.

Anónimo disse...

Revanchismo?

Anónimo disse...

«Hoje, o único contacto que tenho com os fixes do liceu, é quando vou ao talho do supermercado ou pago o depósito de gasolina numa bomba da autoestrada.»

Mas pagas em dinheiro vivo?

R.

Beatrix Kiddo disse...

às vezes tb me cruzo por aí com as que faziam broches