quinta-feira, 29 de setembro de 2011

o mundo é um lugar estranho

Desde muito cedo que fui exposto a orgãos de informação, muito antes de ter capacidade de entender o que se passava. Achava os telejornais e os jornais muito confusos e misteriosos. Logo a começar por se referirem a eles como "orgãos de informação". Para mim orgãos ou eram partes do corpo como o nariz ou as orelhas ou então como o orgão eléctrico em que se aprendia a tocar piano. Quando falavam de Inglaterra, era sempre os "conservadores" e os "trabalhistas" e eu realmente ficava confuso porque se é verdade que os trabalhistas eram os que trabalhavam, os conservadores seriam responsáveis pelas latas de atum e sardinha de que eu gostava bastante. E pensava que a sociedade inglesa se dividia entre esses dois tipos de pessoas. Achava que a Inglaterra era um país estranho e ainda por cima ameaçado pelo IRA que era uma coisa que metia medo, chamava-se IRA, podia ser RAIVA ou AMUO ou ARRUFO mas era mesmo IRA! Metia medo, como o Irão! O Irão era assim uma Ira muito grande e era de onde vinham muitos terroristas. Eu pensava que os terroristas eram realizadores de filmes de terror que queriam subsídios do governo para fazer filmes e como não tinham subsídios faziam as cenas de forma amadora, sem efeitos especiais e no mundo real. Os americanos tinham democratas e republicanos. Aqui não era menos confuso. Os democratas eram os que defendiam a democracia, o que fazia dos republicanos os maus da fita, se bem que a República era uma coisa supostamente boa porque em Portugal até tínhamos um presidente disso, que era o Ramalho Eanes. Na Rússia só havia comunistas, estes eram fáceis de entender, eram aqueles que nunca achavam nada de especial e não se impressionavam com nada, era tudo muito comum, faziam as coisas todas comuns e diziam aos designers e aos engenheiros para inventarem coisas muito comuns. Quem fizesse algo especial era enviado para a Sibéria (o que também era muito comum). O meu pai não gostava de comunistas mas também não gostava daqueles de quem os comunistas não gostavam (o meu pai não gostava de ninguém que aparecesse na TV, excepto jogadores do Benfica e o Ericksson). Estava sempre a dizer "estes reaccionários!" quando apareciam padres na tv. Eu achava que reaccionário era alguém com muito bons reflexos ou então uma pessoa que reagia mal a certas substâncias. Também não compreendia porque chamavam direita aos "centristas" do CDS. Ainda hoje não compreendo isso. Os centristas seriam os que estavam no centro. Então pensei que se calhar eram como aqueles da inquisição, os que chateavam o Galileu Galilei e que achavam que estavam no centro do universo, só que era um universo sem lado direito, só esquerdo. A minha mãe dizia que era de esquerda e que o capitalismo era mau. Aí concordava com ela porque também me parecia errado que houvesse capitalistas que defendessem Lisboa e Paris e que se concentrasse tudo nas capitais. E quem defendia a minha aldeia? Eu queria ser aldealista. Mas não existia isso. O mundo era um sítio extremamente confuso em que toda gente tinha de ser qualquer coisa. Eu secretamente queria ser ditador como o Hitler porque detestava escrever com a caneta (não havia computadores na altura) e devia ser o cúmulo do fixe poder ditar coisas a milhões de pessoas em vez de ter de ser eu a escrever! E podia ditar parvoíces à vontade, as pessoas só tinham era de escrever o que eu dizia e mais nada. E se não prestassem atenção, iam parar aos "campos de concentração" para se concentrarem e não serem distraídos como os judeus. Quando perguntava ao meu pai: "o que é que eu sou?" ele respondia "adoptado". Também não ajudava.

5 comentários:

Catarina disse...

Considerarias contrair matrimonio comigo?

Filipa disse...

Lá está, é como eu digo, às vezes até tens graça.

Patife disse...

Tolan, pá, obrigado pela quantidade de gargalhadas que consegues resgatar aqui ao Patife. Em grande. ;)

Anónimo disse...

E nunca pensaste que a URSS tinha muitos dinossauros por causa da perestroika? Ou porque é que o gato do Gasganete andava sempre metido em confusões com outro gato que era o Arafat?
Bons tempos...

:p

Andorinha disse...

Adorei o texto. A única diferença entre tu e eu qdo catraios é q lá em casa ninguém é do Benfica.