segunda-feira, 25 de julho de 2011

Utoya

Tolstói critica fortemente os historiadores - como bem se recordam - por estes tentarem explicar o passado com uma metodologia aparentemente científica mas que na prática resulta em coisas desonestas, parciais e muito incompletas. Fazem da "história" um conjunto de factos descontínuos e finitos e marcados por personalidades poderosas e acontecimentos supostamente importantes. E depois seleccionam eles os factos ou a forma de os ver. E é assim que nós aprendemos história, decoramos datas de batalhas ou descobertas e o nome dos reis.


É certo que isto evoluiu, os historiadores de hoje não serão os mesmos de há 150 anos. Contudo, basta ver a discussão entre investigadores e historiadores que é gerada por figuras como Salazar de cada vez que sai uma biografia do dito, para perceber que há coisas que provavelmente nunca vão mudar. Existe informação quase infinita e ambígua e sintetizar essa informação e procurar "explicar", será sempre sujeito a enviesamento.

Sabemos que é preciso passar tempo para depois haver mais objectividade e se cristalizar uma ideia mais clara de um determinado acontecimento ou personalidade. Mas por outro lado, isso também é feito à custa do desaparecimento de informação, considerada ruído ou irrelevante, que existe na informação contemporânea.

Um bom exemplo foi o massacre de Utoya e a bomba. Este atentado tem gerado uma série de teorias nos jornais. Assim que o atentado sucedeu, muitos acreditaram imediatamente na suspeita da Al Qaeda ou de outros grupos de fundamentalistas islâmicos em retaliação pelas caricaturas de Maomé. Para mim isso era totalmente credível. Depois, deu-se uma pirueta e afinal é o grupo de gente oposta, um cristão fundamentalista e de extrema direita.

Daí, considera-se este caso como exemplar de qualquer coisa e faz-se a ligação ao ressurgimento da extrema direita em toda a europa como uma resposta ao multiculturalismo. Portanto, tão depressa se explicam bombas e assassínios em massa por fundamentalismo islâmico como por xenofobia e extrema direita (sendo que as vítimas, apesar de tudo, são jovens noruegueses).

Se o tipo fosse apenas um psicopata sem ideias políticas, então veríamos toda uma série de teorias de que os jogos de computador, a internet e o heavy metal alienam os jovens e teríamos um Columbine norueguês.

O massacre de Columbine tinha aquele toque de gratuitidade e inexplicável: como pode um adolescente (naquele caso dois) nutrir tanto ódio por colegas, sendo que nem sequer era vítima de bullying e tinha uma educação e classe aparentemente normal? Então o enigma focava-se nisso apenas e na questão de ser fácil obter armas automáticas. O massacre de Utoya, que é talvez ainda mais enigmático e grotesco, como tem um contexto político, vê recair sobre si para já toda uma série de reflexões políticas, ao ponto de nos telejornais e rádios e jornais, se fazer um apanhado do crescimento da extrema direita na europa e dos actos de violência dispersos e completamente desligados entre si, para apoiar a teoria.

3 comentários:

Diego Armés disse...

Boa reflexão, perspicaz e pertinente (só não digo certeira porque de coisas certas sei muito pouco...). O impulso, a urgência de dizer coisas, obriga a que se expliquem fenómenos antes de se compreenderem os mesmos. Isto é arriscado por causa da tal possibilidade de estas explicações ficarem "historicamente cristalizadas" - assim, sem mais, para a posteridade: o gajo era de extrema-direita e isso explica tudo o que aconteceu.

Anónimo disse...

Muito bom este texto. E bonitas as fotos.

R.

Vareta disse...

O Roland Barthes deixou tudo bem explicadinho antes de fenecer, em mil nove e oitenta.

Qualquer informação é uma narrativa. A objectividade é uma falácia. Da pluralidade de significados, escolhemos um - e seguimos com ele, todos contentes, como se fosse o 'correcto'. Além do mais, o tempo histórico é sempre o presente.

Nunca vai haver uma 'leitura correcta' sobre Utoya, nem agora nem daqui a 800 anos. Poderão existir centenas de leituras intelectualmente honestas e milhares de de sacas de purgueira escritas sobre o evento - e nenhuma será 'correcta'.

Ou seja: tens razão. E os gatos fazem todo o sentido.