quinta-feira, 21 de julho de 2011

o sabor da cereja

Ao meu lado na viagem de 10 horas veio um senhor de idade. Era daquelas pessoas simples e de idade que se sentam no lugar e na fila errada, que não atinam com os headphones, que ouvem com atenção as instruções de segurança e apalpam debaixo do banco para ver se lá está o colete, que de vez em quando levantam a cabeça e olham confusos para algo que lhes chamou a atenção tentando detectar sinais de perigo no comportamento de uma hospedeira e que se benzem antes do avião descolar. A propósito do pão duro de 3 dias (uma vergonha na tap) meteu conversa comigo, foi para o Brasil em 1959, vindo de Castelo Branco. Há muitos anos que não voltava a Portugal e estava de férias umas semanas. Com o início da turbulência já em cima do Atlântico, tentou encetar uma conversa sobre o avião da airfrance que caiu mais ou menos ali mas eu consegui fingir que estava com muito sono e só murmurei qualquer coisa. Depois, de repente, perguntou-me se ainda havia cerejas em Portugal. 'No Brasil não há cerejas, só umas do Chile mas não têm nada a ver, o sabor é completamente diferente'. Disse-lhe que sim, que havia cerejas ainda. Disse-me 'espero bem que haja porque é a última vez na vida que vou as vou poder comer'. E disse isto a sorrir.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parece aquele filme do William Hurt (The Accidental Tourist). ;)
Lara

Anónimo disse...

espero vir a conhecer essa paz com o destino