sexta-feira, 13 de maio de 2011

miniconto: Casa Comigo - (recuperado do bug da blogger que o apagou)

— Queres casar comigo? — perguntou Jorge.
Com as mãos no corrimão da varanda do quarto de hotel, Vera pousou o olhar nas palmeiras recortadas a negro no céu violeta do pacífico e ficou em silêncio. Procurava um sinal de que estava a sonhar. Ele terminou o gin tónico, pousou o copo e abraçou-a.
— Querida, queres casar comigo?
Ela voltou-se e agarrou-lhe o roupão aberto, torcendo o tecido, encostou a face ao seu peito e suspirou:
—Sim. Oh sim querido…
— Ok querida, era para saber — afastou-a com delicadeza foi para dentro do quarto. Vera ficou encolhida como um animal ferido, a ofegar baixinho para não ser ouvida por predadores. Depois riu-se sozinha e depois ficou muito séria.
Jorge abriu o mini bar e serviu-se de outra schweppes e de outra miniatura de Gordons e depois deitou-se na cama. Tentou ligar a televisão mas o comando não tinha pilhas e apesar das pancadinhas não conseguia pô-lo a funcionar.
— Jorge, estou farta de ti, estas coisas já não têm piada, não levas nada a sério.
Soprava um vento quente do mar, as cortinas do quarto agitavam-se, como as palmeiras, como o cabelo e o vestido de verão dela.
— O que foi? — tinha aberto o comando do ar condicionado para ver se as pilhas eram do mesmo tipo do comando da televisão, mas não eram. —O que foi, porra? — perguntou outra vez, agastado pelo contratempo das pilhas.
— Devíamos ter acabado no verão passado.
— O verão passado? — bebeu um pouco do gin tónico e tirou o maço do bolso do roupão. Só via a silhueta de Vera a contra-luz, à porta da varanda. Acendeu um cigarro e deixou-se hipnotizar pela chama do fósforo até esta lhe queimar o polegar.
— Sim, o verão passado, o jardim zoológico de Madrid, os crocodilos, lembras-te? ‘Aproxima-te, não tenhas medo, aproxima-te mais?’
— Isso foi um acidente.
— Não foste tu que me foste lá buscar ao fosso, de qualquer forma.
— Eram grandes, os crocodilos.
—Eu sei que eram grandes, os cabrões dos crocodilos.
— O que é que adiantava Veruska? Ia fazer o quê, eu, aos crocodilos? Não sou a porra do crocodilo dundee…
— Tu pareceste desiludido de não acontecer nada!
— Pedi-te desculpa na altura, pensei que esse assunto estivesse arrumado.
— Estou a dar em doida! Nunca saímos deste quarto de hotel! —foi para a varanda e fincou as unhas no corrimão — ESTOU A DAR EM DOIDA!
Ele levantou-se da cama e foi para a varanda com o copo e o cigarro. Com o vento o roupão abriu-se totalmente, estava nu por baixo.
— Por amor de Deus, tapa-te — gritou ela — não é preciso dares escândalo no hotel. Ele fechou o roupão, aparentemente não tinha reparado que estava nu.
No pátio em frente dois tipos mergulhavam à vez na piscina. Esforçavam-se para fazer chapões e bombas e os salpicos de água faziam uma rapariga numa chaise longue rir muito.
— Então o episódio dos crocodilos ficou-te entalado. Já vi que és do tipo de pessoa que guarda ressentimentos de tudo e depois manda à cara. Vou ter isso em consideração para decidir se caso contigo ou não…
—EU NÃO QUERO CASAR CONTIGO!
— Ainda há bocado disseste que querias, ali na varanda... ainda não estou com os copos Veruksinha.
— És cruel. Não tens coração.
— Pedi-te desculpa uma vez por aquilo dos crocodilos, peço outra vez, pronto, descuuuulpa… — rolou os olhos.
—Se fosse só os crocodilos Jorge… só esta semana foram tantas… não encontrava o meu passaporte no aeroporto e tu passaste na mesma e encolheste-me os ombros, só me fizeste sinal que me ligavas quando chegasses.
—Mas encontraste o passaporte, estava na tua mala e vieste na mesma.
— A questão não é essa, tu vinhas para aqui sem mim!
— Já tínhamos pago isto. Aliás, eu já tinha pago isto. Vais continuar Vera? Eu também tenho razões de queixa, nem tudo é perfeito.
— Ai sim? O que foi? — meteu-se à frente dele. —diz! Vá diz lá uma! — empurrou-o.
— Não quero, não vou dizer, não sou de guardar ressentimentos.
Terminou o gin tónico e sentou-se na cama, a olhar para os chinelos do hotel. Eram felpudos demais para um clima tão quente e os pés transpiravam.
— Nunca te apetece fazer amor, por exemplo! —gritou de dentro do quarto para a varanda. Ela não respondeu. —E nunca fizeste um esforço para ver futebol! No início disseste que farias um esforço!
—Acabou, Jorge.
Com o fim do por do sol o vento amainou e as palmeiras imobilizaram-se. Ouviam-se risos e alguns splashes de mergulhos tardios.Vendo o seu próprio reflexo na tv desligada, ele enfiou as mãos nos chinelos e fez deles fantoches felpudos. Os fantoches ora discutiam e davam turras um ao outro, ora começavam aos beijinhos e a roçar-se. Parecia bastante entretido com isso.

9 comentários:

Tolan disse...

A quem deixou comentários elogiosos no post, podem deixar de novo se faz favor? também desapareceram.

G. Varino disse...

Porra, Tolan, se és bom nos clichés, preconizo um belo romance!! (axo k foi mais ou menos isto)

Tolan disse...

foi, confere. obrigado.

G. Varino disse...

As coisas k eu faço por ti...

Edgar V. Novo disse...

«— O que foi? — tinha aberto o comando do ar condicionado para ver se as pilhas eram do mesmo tipo do comando da televisão, mas não eram. —O que foi, porra? — perguntou outra vez, agastado pelo contratempo das pilhas.»

Só por isto valeu a pena ler o miniconto.

Anónimo disse...

— És cruel. Não tens coração.

Lembra-me uma música dos Ena pá,muito romântica como devem calcular!

Pedro Góis Nogueira disse...

Muito bom. Gosto mesmo disto. Já tinha lido ontem no Google Reader, mal é publicado vai lá parar e dali não sai mais...:)

olha, caezinhos disse...

http://www.youtube.com/watch?v=xSlg-JWQJa4

Pipoca dos Saltos Altos disse...

História de amor da vida real, o fim nunca é o esperado. Beijos