segunda-feira, 16 de maio de 2011

In Cold Blood - Truman Capote e a verdade na arte

Perry Smith e Richard Hickock, os assassinos de uma família em 1959 em Holcomb, Kansas

Já ouvi uns quantos escritores e críticos, por exemplo, o Pedro Mexia, afirmarem que o importante é o livro e que o escritor e a sua vida, são irrelevantes, ou devem ser irrelevantes. Pois eu discordo profundamentee acredito que a arte e o artista são um e um só. Um dos meus filmes preferidos, The Misfits, escrito por Arthur Miller e realizado por John Huston, com Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift, é mítico porque Gable, Monroe e Clift morreram pouco tempo depois (semanas no caso de Gable) e o filme ser, de alguma forma, uma metáfora da biografia daquelas três estrelas. Outro dos meus filmes preferidos, o Limelight do Charlie Chaplin, é comovente pelo lado biográfico, é um testamento de Chaplin. Podia continuar. No cinema isto parece muito mais óbvio porque o "actor" é um corpo físico que está ali em frente às câmaras e a relação entre a arte e o artista é mais óbvia.

Na literatura existem críticos e leitores - não sei porquê mas suspeito que se prende com o horror à psicanálise - que pensam de outra forma, que uma obra de arte é uma emanação de um criador que está a quilómetros do que faz. Nabokov dizia de Dostoiévski que era "um repórter social", pois que porra, Dostoíevski existiu mesmo e viveu e escreveu.

O In Cold Blood do Truman Capote é um livro a sério. Estou quase a terminá-lo. Tem um estilo "jornalístico", Capote usou um "underwriting" factual, sem rodriguinhos, directo, o narrador é apenas a testemunha "ausente" e a literatura mais poética advém das falas e depoimentos reais. Contudo, é uma obra de génio tão evidente que só mesmo um imbecil pode considerar o In Cold Blood "mal escrito". Capote fez extensa investigação e privou com os homicidas Dick e Perry, viveu na pequena cidade de Holcomb, falou com as pessoas, recolheu dados e envolveu-se na história. A execução de Perry, por quem se afeiçou  - pois revia-se nele - deixou-lhe marcas que nunca desapareceram.
Claro que o In Cold Blood é parcialmente uma obra de ficção, um pouco como a história romantizada em que os historiadores ou escritores preenchem o vazio e o desconhecido com as suposições mais prováveis. Existem passagens inteiras que serão inventadas e alguma pesquisa na net revela-me que quando Capote afirmou que "tudo no livro era Verdade", foi desmentido por vários dos "retratados". O livro seria um bestseller estrondoso, precisamente pelo "claim" de ser verdade. O que cativa naquele livro, é o facto de se debruçar sobre coisas reais, pessoas reais, um crime real. O leitor sabe isso e até pode admitir alguma ficção, mas não escapa ao essencial que é "isto aconteceu, é, no global, uma coisa real", como eu senti ao ler a biografia romantizada dos imperadores romanos no livro A República Romana. E isso confere um  peso totalmente distinto a uma obra que, se fosse sobre um crime fictício, seria interessante, no máximo, mas nunca uma obra de arte.

Para o meu gosto pessoal, admito que o real, pelo menos algum real, uma inspiração real, mesmo que distorcida e ampliada, é uma coisa que me agrada. Levada ao limite, considero-a o fim da linha da literatura, o ponto em que a vida e a arte se fundem num só e são indistintos.

12 comentários:

prosinecki disse...

(argumentos)

não percebes nada disto! bukowski hahahaha!

Anónimo disse...

a verdade na arte é outra coisa, por exemplo, só a obra verdadeira é artistica. mas é outra verdade.

trabalhos de casa disse...

Define verdade, se faz favor.

Tolan disse...

Pensei em apagar o post hoje de manhã mas que se lixe.

Usando o cliche, a verdade é escrever com as tripas. Na arte, uma mentira ou ficção escrita com as tripas, é verdade. Não me referia a coisas necessariamente biográficas, como é o caso de Bukowski, Fante ou Hemingway.

E não digo que tenha de ser assim, falo apenas do meu gosto, daquilo que me atrai. Sempre que sinto que uma obra é um produto competente de uma intenção puramente intelectual, como se o autor em vez de escrever aquilo pudesse ter escrito outra coisa se fossem essas as especificações, então há algo que se perde, pelo menos para mim - o que não quer dizer que seja mau.

Anónimo disse...

caro tolan,
por favor explique o que é que a psicanálise tem de horror. a psicanálise também admira a verdade, a arte e o artista.

Tolan disse...

eu não dizia isso, dizia que há quem tenha horror à psicanálise.

Anónimo disse...

tolan, descreveste verdade como se descrevesses sinceridade ou raio. se for assim, é possível que haja muita verdade no peixoto. verdade (a artistica) não é igual a sinceridade.

Tolan disse...

Eu até acho que sim, que há sinceridade no Peixoto, é um dos seus pontos positivos. Penso que ele tem voz própria. Pode-se não gostar do estilo.

Anónimo disse...

tolan,
fico mais descansada. até porque achei que o seu texto falava precisamente de algo que os psicanalistas admiram que tem a ver com a criatividade, (resultando, ou não em arte), e de como estão intrínsecamente ligadas a aspectos do mundo interno do criativo.

Se tiver curiosidade sobre a matéria conselho uma obra muito interessante do autor Didier Anzieu (psicanalista e escritor): Les corps de l'oeuvre - Essais psychanalytiques sur le travail crèateur, (editions gallimard). Se não conseguir encontrar eu ofereço-lho.

Tolan disse...

Obrigado anónima :) eu só tenho medo de ler coisas sobre isso porque me posso auto-analisar demais e ficar demasiado consciente, o que não é bom... Não corro esse risco? Vou fazer um texto sobre isso.

Anónimo disse...

Claro que não corre esse risco (esses boatos infundados de que a auto-análise desvirtualiza...)! A minha opinião vale o que vale, mas ao que tudo indica conhecer a matéria de que somos feitos só tem vantagens; afinal de contas por muito que o processo criativo seja uma via para o conhecimento/elaboração, ainda há muito espaço para a análise!
Aguardo o texto!

sem-se-ver disse...

a minha vénia