A casa era assombrada por uma espécie de poltergeist biológico.
Uma vez chamei um canalizador para resolver o mistério dos canos do lava-loiças que entupiam sempre apesar de só deitar água lá para dentro e o canalizador, um senhor experiente, mal entrou na casa, sentiu as más vibrações, o mau karma e pareceu apreensivo, olhava em volta e transpirava. Ao testar as suas ferramentas no cano e ao ouvir os borbulhares da água negra parada, cheia de soda caústica, ficou branco e disse que caso eu voltasse a ter problemas para eu chamar outro canalizador e ponderar mudar de casa, a especialidade dele não era aquilo e saiu de casa a correr, sem sequer me cobrar nada.
Por vezes, de noite, ouvia ruídos de qualquer coisa a mexer-se nos canos. Talvez fossem ratazanas a tomar banho. Ou um pequeno aligator. Por falar em reptéis, tinha osgas dentro de casa, frequentemente. Era um trade-off porque me comiam as aranhas, as baratas e outros insectos, como uma praga de borboletas estilo traças que faziam os casulos no tecto. Uma vez cheguei a casa com uma miúda, vindo do lux, estamos na marmelada e eu chego ao quarto e vejo a puta de uma osga enorme na parede. Aquilo ia estragar o mood todo. Então disse-lhe para aguardar na sala enquanto eu arrumava ‘um bocadinho o quarto’ e voltei a entrar com um aspirador Hoover de 900w, com a maior das naturalidades. Aspirei a osga e senti-lhe o corpo a passar no tubo do aspirador tlunk tlunck tlunck. Deixei o aspirador na dispensa, com a osga viva lá dentro, durante meses e passei a varrer a sala.
Uma vez o tecto falso da cozinha caiu todo sem sequer explicar porquê. O empreiteiro benzia-se de cada vez que lá entrava. Noutra ocasião, estava a dormir sossegadinho e começou a cair água em barda no meu quarto, junto ao candeeiro de tecto, o que provocou um curioso curtocircuito às 2 da manhã com um estrondo monumental e chispas incandescentes no escuro. Se a isto juntarmos a sensação de água a cair-me em cima e a impossibilidade de acender uma luz, podem imaginar que não foi o melhor acordar que já tive na vida. Um dos hóspedes da pensão de cima tinha deixado a água a correr na banheira e fugiu sem pagar.
Quando passava um autocarro na rua ou alguém fazia amor na pensão por cima de mim, prédio tremia todo, as paredes vibravam, os móveis abanavam. Passava um autocarro de 10 em 10 minutos. A ocorrência de intercurso sexual era felizmente mais rara, a pensão não era propícia a grandes romantismos e infelizmente não admitia prostitutas, o que pelo menos animaria a vizinhança.
Quando descia as escadas tinha sempre uma variedade de sem abrigos que tinham achado por bem dormitar no vão, acessível devido ao facto de no 2º andar ser uma pensão e a porta estar aberta 24h por dia. Era chato porque não havia espaço para passar e era frequente ter de os acordar e pedir-lhes licença para passar e eles não gostam porque andaram a noite toda na rambóia que é beber tetrapaks de uva do monte e falarem sozinhos aos gritos no meio da estrada, forçando os autocarros a apitarem vigorosamente, antes de me abanarem o prédio.
6 comentários:
Eu vivia ao cimo da rua :) mas a minha casa era fabulosa.
Devias ter continuado a usar o aspirador para apressar a morte do bicho que, coitado, foi obrigado a viver confinado num saco de aspirador.
HAHAHAHAHA
Um verdadeiro filme de terror!
Carla
lembro-me de uma vez lá ir jogar playstation e inocentemente pegar numa caixa de cereais em cima da mesa da cozinha para trincar qq coisa e dizeres-me "se fosse a ti n tocava nisso, estão aí há 3 meses...". haha
Admito que tinha uma quota parte de culpa. Por outro lado as cervejinhas eram frescas.
o que é isso do intercurso? também quero um!!!
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