Tentei em tempos uma aproximação à Igreja porque me agradava francamente o resultado artístico e estético da arte a ela associada, é uma coisa que confere ao criador alguma credibilidade e um lado dramático bíblico e histórico, separando-o do resto da manada hedonista e secular que caracteriza os "artistas" em geral, especialmente os do rock. A Igreja propõe-me uma alternativa interessante à lucidez e à solidão: transformar-me numa espécie de ser feliz, seguindo placidamente rituais com hierarquias e regras claras, oferecendo-me em troca um sentimento de pertença cultural e social e um género de apoio moral omnipresente, muito em procura nos dias de hoje. Aquela cumplicidade entre os cristão, ao domingo de manhã, parece-me uma coisa agradável, parece-me bem, embora a média de idades seja assustadoramente semelhante à dos participantes nos comícios do PCP, quase que dá a sensação que os velhinhos portugueses evoluíram em direcções diferentes, como a raposa do deserto que tem orelhas grandes para dissipação de calor e a do ártico que tem orelhas pequenas para a sua conservação, mas que no fundo vieram da mesma raposa original que, em princípio, vivia em climas temperados.
O meu apoio moral neste momento vem de cerveja ou vinho, ocasionalmente vodka e dos autocolantes nos maços de tabaco a felicitar-me pelo lento suicídio. Invejo os católicos, vejo-os na sopa dos pobres no Natal, com um olhar sincero, a afirmar perante as cameras da SIC que “encontraram a felicidade em Jesus” e que “vivem no amor pelo próximo” enquanto distribuem postas de bacalhau demasiado cozido e couves duras por pessoas com aspecto sujo e pobre e com quem os ateus não haviam de querer ter nada a ver. Em boa verdade, consigo imaginar-me mais facilmente no lugar dos maltrapilhos, a ser alimentado à colher por cristãos e mostrar-me agradecido e piedoso (contando que me deixassem escrever em paz) do que propriamente a ajudar excluídos sem talentos artísticos de qualquer espécie.
Mesmo assim, preciso de Internet, electricidade, água, gás etc. não é só comida, e nisso acho que a Igreja já não ajuda nada e também não conheço casos de pessoas que rezem muito para ter a conta do meo paga por milagre ao fim do mês. Se Jesus descesse à Terra, penso que teria de repensar os milagres. Em vez de ressuscitar Lázaro, o que é um pouco politicamente incorrecto e coloca sérias questões sanitárias e burocráticas (imagine-se o caos no arquivo de identificação civil) podia pagar-lhe as prestações do T2 no Parque das Nações, em vez de transformar água em vinho poderia transformar água em vitamin water ou formas luso. Por mais apelativo que possa ser tornar-me cristão, a verdade é que a Igreja também tem um lado soturno e profundamente deprimente, com Cristos sangrentos por todo lado e mártires torturados das formas mais engenhosas, uma coisa própria da mente de um Frank Miller ou de um Tarantino. Também temos o povo a arrastar-se a Fátima e a cumprir promessas em que, supostamente, há uma tácita correlação positiva entre o grau de dor e sacrifício e o objectivo pretendido e isso é uma coisa que me deprime um pouco, não tanto como as touradas, é certo, mas não é bonito. Fazer 100 metros de joelhos pode garantir 20% de visão ao pequeno Amilcar, cego de nascença, mas se forem três pessoas, por exemplo, pai, mãe e avó, e cada um fizer 300 metros, podem recuperar 100% da visão do Amilcar e se calhar ainda metem uma cunha para a artrite do tio João. Não sei. Sempre que tentei uma aproximação, algo me dizia que aquilo não era para mim, mas não desisti.
2 comentários:
Se é de transcendência que procuras, que tal tentar a Ciência? A religião foi a nossa primeira tentativa no que toca à Filosofia, à Biologia, à Geologia, à Astronomia, mesmo à Literatura – e há que reconhecê-la por isso. Éramos ignorantes: desconhecíamos os movimentos das placas tectónicas para explicar os sismos, não conhecíamos a teoria dos germes para explicar as doenças e não tínhamos conhecimentos para interpretar os fenómenos astronómicos. Vivíamos borrados de medo. E que melhor explicação do que a existência de um ser (ou seres) divino(s). Mas hoje? Por amor de deus! Hoje todos os fenómenos relacionados com a vida (sua origem e evolução) podem ser explicados – pelo menos, melhor explicados – através da teoria da Selecção Natural do Darwin em combinação com a ocorrência de pontuais mutações genéticas. E o mesmo acontece com a ciência em relação ao Universo, salvo no que se refere à sua origem; temos uma boa ideia da sua evolução através da muito consensual teoria do Bigbang, mas não sabemos o que aconteceu antes disso. E é aqui, com o amontoar das provas cientificas, que os teístas e os deístas se têm vindo a refugiar nos últimos tempos, advogando que tudo o que é criado tem de ter um criador – falo da analogia do relógio encontrado por uma tribo primitiva: os membros duma tribo primitiva não saberão para que serve um relógio, mas de certeza saberão que existe um criador (o relojoeiro) por detrás dele. A falácia deste argumento é evidente, pois por detrás de deus terá também de existir um criador, e por detrás do criador de deus outro criador, and so on and so on… Outro dos argumentos mais vezes apontados (desta feita, apenas pelos teístas) tem a ver com a suposta vantagem moral que deus nos dá quando inserido numa religião. Neste caso, recorro ao Christopher Hitchens e às 2 perguntas que ele invariavelmente usa para rebater este argumento: (1) “Apontem-me um acto de bondade que um crente faria e que um não crente não seria capaz de fazer?” Não se lembram de nenhum, pois não? (2) “E agora pensem num acto de maldade que apenas um crente faria?” Já se lembram de meia dúzia deles, não é verdade. 11 de Setembro? A mutilação genital de crianças? O apedrejamento de mulheres (supostamente)adulteras? O conflito entre católicos e protestantes na Irlanda no Norte? A proibição do preservativo pela Igreja?
Caro wcpato, estais a falar com um astrónomo amador (aposentado) e um homem das ciências exactas, penso que o texto é suficientemente irónico mas fica registado que este é um tema que te é caro :) abraço
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