O problema com as namoradas é que nunca são exactamente aquilo que queremos que fossem. Então é preciso educá-las a pouco e pouco. Eu considero uma namorada uma espécie de obra de arte inacabada, um produto em desenvolvimento, um cão inteligente que pode aprender truques como gostar de Sonic Youth e Tourgueniev.
Esta aqui está a ser o maior desafio de todos os tempos mas pelo menos, toda ela é uma folha em branco para eu criar. A cultura geral dela é um cruzamento entre o Cavaco Silva e a Luciana Abreu. Tem aquelas referências clássicas (“música clássica é boa”, “gosto muito de museus com arte antiga”) e aquelas irreverências modernas (“os gostos não se discutem”, “sintoniza a rádio cidade por favor”).
Mas com paciência pode ir ao lugar. Ontem, pela primeira vez, convenci-a a irmos à Fnac comprar livros. Sei que não é perfeito, mas temos de ir um passo de cada vez. Ela acha absurdo ir a livrarias quando há livros no Continente e pelo caminho dá para comprar papel absorvente em promoção, lombo de porco e pacotinhos de vinho branco dos grandes para cozinhar (os pequenos não compensam).
Observei-a com interesse e tentando não interferir. A primeira tentação foi olhar para a montra da Fnac, depois para os expositores. Reparei que tinha tendência a pegar nos livros que tinham capas coloridas e que estavam bem em destaque, com espaço à volta e títulos apelativos como “O Décimo Dom”, “Romance atribulado”, “A magia do amor” ou “O cãozinho que chegou no natal”. A certa altura achei que devia intervir e levei-a para a secção de literatura séria. Sentiu-se inexplicavelmente atraída pelo livro “Livro” do José Luís Peixoto, exposto por engano nessa secção, ao lado de uma foto do mesmo em tamanho natural, tão assustadora que me senti fisicamente incomodado. Começou a folheá-lo. Fiquei furioso mas contive-me. Penso que temos de ser pedagógicos nestes momentos.
- Porque escolheste esse querida? Não queres antes levar este aqui ó, o Livro do Desassosego.
- A Roberta da recepção já me falou neste. Já estive para comprar, no Continente está mais barato. Ganhou o prémio Saramago.
- Leva antes este do Fernando Pessoa. Já ouviste falar no Fernando Pessoa?
- Já, parvo. Não, vou antes levar o “Livro”.
- Leva antes este, O livro do Desassossego. Por favor. Não leves esse. Eu ofereço-te o livro.
- Mas esse é sobre quê? Eu não gosto de coisas deprimentes aviso-te já.
- Este não é deprimente. Nada. É um senhor que está… desassossegado percebes? Então está sempre a pensar em coisas… engraçadas e… e a imaginar coisas… lembras-te dos marretas?
- Os marretas?
- Sim, mas os bonecos, os muppet babies. Eles imaginavam sempre coisas e depois viviam no mundo de fantasia, isto é parecido.
- Eu não gosto muito de coisas com muita fantasia. Odiei o Guerra das Estrelas e o outro, o que me mostraste…
- O Blade Runner. Mas deste vais gostar…
- Eu não tenho tempo para ler uma coisa desse tamanho.
Pegou no livro como se pegasse num animal morto pela cauda. Olhou para mim, para o livro, para mim, para o livro, encolheu os ombros e levou-o.
Um pequeno passo para ela, um grande passo para a cultura nacional. Fui eu que paguei o livro mas por uma boa causa. Depois passámos pelo Continente comprar lombo de porco. Ela não cozinha mal.
32 comentários:
Vou só sentar-me e aguardar a indignação geral do mulherio.
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Tolan, és o maior... :D
E, bluesy traveler, "o mulherio" também tem sentido de humor, ok? :))
Não acredito na real existência desta namorada, mas não há dúvida que esta fantasia dá posts muito bons!
A Rádio Cidade é realmente má, apresenta-lhe as rádios locais.
Se é namorada e ainda não está educada, deveria estar na "fase da aprovação". Pronta a assentir a qualquer ínnuendo que demonstrasses.
Ná.
Ou então é a Elsa Raposo e aí retiro o meu cepticismo.
bom demais para ser verdade :)
aliás, mau demais.
Vou deixar um comentário à mete-nojo.
O meu namorado teve o meu carimbo (imaginário) de aprovação suprema no dia em que entrei na casa dele pela primeira vez. Não só pilhas de livros pelo chão (não cabendo todos nas prateleiras), não só Tolstois e outros clássicos de gabarito, não só Saramagos do meu coração, não só filosofias misturadas com livros técnicos, não só Torga e Nuno Júdice, mas em cima da mesinha da sala, não um, mas dois Livros do Desassossego, em edições diferentes. Perdoei o facto de fumar e ser do Benfica e até perdoei a camada de pó na dita mesa, e soube que aquele é o meu homem.
:) (Eu avisei que era à mete-nojo.)
Desde que ela não vire a cara (o rabo) ao sexo anal, so far, so good.
nossa!
Prefiro uma posição inversa à tua: alguém que me eduque. É sempre mais fácil admirar alguém que nos ensina qualquer coisa.
Tolan, está para nascer a namorada que goste do Blade Runner.
ah! e nem lhe tentes mostrar o 2001!
Pois, isso do Blade Runner é verdade. tive uma namorada que gostou do 2001 mas era lésbica (só se assumiu anos mais tarde)
Até aqui tudo bem, agora é não perder as próximas cenas do capítulo seguinte!!
ahahahhaha
Em relação à rádio isso há-de melhorar com o tempo, como tudo o resto.
abraço
eu aturaria o blade runner, o Rutger Hauer está mega sexy nesse filme.
Foste tu que compraste o livro e deves ser tu que compras tudo o resto:) E deixa os Sonic Youth em paz, que essa história de que se aprende a gostar tem muito que se lhe diga.
Ah! É verdade, isso do José Luís Peixoto está a tornar-se uma obsessão! :)
Cozinhar bem e vinho de pacote no mesmo texto leva-me a crer que algum destes factos é mentira...
Também não acredito na existência dessa namorada. Muito mau para ser verdade...
Mas agora vou fazer de conta que acredito. Não compreendo essa necessidade dos homens de educarem as mulheres quando estas não lhes "agradam", por assim dizer. Não compreendo - por mais que tente - como é que alguém pode ter um relacionamento (?) com alguém que não tem nada em comum e que - pior! - sente necessidade em mudá-la.
Mas, mais uma vez, continuo a acreditar que ela não existe. A existir seria terrível.
Mas ela sabe k vocês namoram???!!!
Eu por acaso não fico nada ofendida com o post, porque assim como há homens que precisam de ser instruídos pois o único livro que leram na vida foi o de cheques, tb há mulheres assim mais superficiais e sei isso porque conheço algumas...
Estás no bom caminho Tolan. Força.
olhem lá, pázinhos!
eu conheço a namorada do tolan. ela existe sim, é podre de boa mas burra que nem uma porta. no entanto, já tinha ouvido falar dos seus dotes culinários... corria um boato lá pela escola... bem, não vou contar, não quero acabar com o namoro do tolan - afinal até os totós têm direito a ter namorada.
Não te conheço. Nem à moça. Mas é por demais evidente: não vais lá. Ou melhor, não vão lá. Olha que eu sei; não percas tempo a não dar valor ao que te digo. Mas não termines já. Deixa que estoire naturalmente, com o tempo. É isso que enriquece uma pessoa. Depois ficas mais fodido da vida, mas também mais sábio e maduro.
É sempre a mesma coisa, a gaja boa e burra fica com o gajo, a gaja inteligente e culta fica com o gato. Bah, vou desistir do mestrado e vou pôr silicone nas mamas.
Eu até entendo porquê. É como o Taming of the Shrew, mas ao contrário. Deve ter a sua piada pegar numa gaja burra e tentar ensiná-la e moldá-la de forma a ter os gostos "certos". Vê lá se não crias um monstro.
o eterno mito da eliza doolitle faz as delícias dos homens. o pior é que não há mulheres burras... incultas, sim, mas burras ... ( e já agora, é por causa de comentários como os que li aqui que muitas mulheres são as culpadas da sua discriminação e de serem machistas e criarem machistas )
http://www.youtube.com/watch?v=16tq0em1TdU
É o que me vem à cabeça. Ouça.
Um casal de sonho, portanto! Ele dá-se por contente com a cultura geral de dois semi-encéfalos e considera a FNAC uma livraria, ela nao gosta de Blade Runner e acha Bernardo Soares aborrecido. Perfeitos um para o outro! Já agora, repararam que este tipo de gajos prefere miúdas assim? A ego trip é tao grande e proporcional à inseguranca que mesmo a namorada lhes tem que demonstrar a sua superioridade intelectual.
O único sintoma de burrice que vejo aqui é a resistência da “pobre diaba” (sim, só me vem isto à cabeça quando li este post) em conhecer novos mundos e literaturas. De resto, parecem-me opções perfeitamente legítimas.
Que se tenha os intelectuais em boa conta, tudo bem, até percebo. Agora, os intelectuais que se têm em boa conta acabam na futilidade intelectual que é este post.
sim, isto em parte é caso para indignação e que se dane a bt com o seu comentário sobranceiro. há namoradas e namoradOS assim. e, por certo, haverá também outros padrões de cultura perante os quais o sr tolan é igualmente ignorante.
ass. mulherio
Mas ela cozinha bem porra, eu disse isso no post, é uma qualidade, não falei só nos defeitos por isso não percebo a indignação que para aqui vai. Mulheres que cozinhem bem hoje em dia são um achado.
Limitada, fútil, gozada em público (e sem defesa) e a ter mau sexo. Essa rapariga tem mesmo pouca sorte!
vê lá se não andas enganado e é ela que te anda a EDUCAR A TI. ahahahah
Estás feito! Agora nunca mais te toca comidinha caseira... primeiro que a moça acabe o livro hás-de comer muita lasanha e canelones.
Bem feito!
Quanto ao pacote grande do vinho, assume lá, foi ideia tua LOL
E a ver se não educas demais a moça e lhe tiras a graça; olha que o Blade Runner também não arrancou grandes suspiros na sua estreia e a sua "graça" foi sendo reconhecida (e apreciada) com o tempo.
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