A Virgínia Woof é uma cadela de raça Kanin Klein, uma raça muito chique. É preta e malhada de branco. Tem um focinho comprido e um nariz grande e preto que está sempre a escorrer condensação e muco e às vezes espirra na nossa cara e ficamos a escorrer condensação e muco também, facto que não lhe parece ser relevante.
Vive em casa da minha mãe e gosta de coisas simples como abanar a cauda e o torso inferior de forma vigorosa durante horas a fio. Está quase sempre feliz e com a boca aberta num sorriso enorme, com a língua cor de rosa de fora, a pender para o lado esquerdo. Às vezes deixa de ficar feliz por uns breves segundos quando ouve o vento nas árvores. Aí fecha a boca, as orelhas caídas epinam-se e varrem o espaço, a cabeça imóvel e tensa, cheia de instintos primordiais do seus antepassados lobos. Eu próprio fico tenso quando ela está assim e pergunto-lhe “o que foi Woofie? O que foi?”. Uns segundos depois e volta ao normal, a boca aberta, a língua a cair para a esquerda, o muco a escorrer do nariz. Não foi nada.
Por vezes a Virgínia Woof senta-se no terraço que tem vista para o vale, nos dias em que o vento está de norte ou de leste e fica horas a farejar a realidade a quilómetros de distância. Sabemos que está a farejar porque fecha o focinho e as narinas dilatam-se e estreitam e fazem snif snifs sonoros. É como se estivesse ouvir rádio com o nariz. Às vezes vira um pouco a cabeça, está a fazer zapping.
Gosta de comida mas é esguia, ágil e rápida como um leopardo. Quando está perante muito espaço livre, como a praia ou os planaltos perto de casa, considera que uma forma eficaz de apreender tanto terreno não é com os olhos ou os ouvidos, mas correndo de um lado para o outro em diagonais caóticas. Quando há feno da sua altura só se vêem duas orelhas aos saltos e um rasto atrás dela, o que dá um efeito bastante cómico a quem estiver a observar. É como assistir a um jogo de ténis. Estamos parados com a trela na mão e vemo-la ir da direita para a esquerda. Depois da esquerda para a direita. Às vezes cruza-se com o próprio rasto e fica confusa: "um kanin klein por aqui?" Depois da direita para a esquerda com movimento oblíquo. Nova hesitação. Meia-volta. Direita para esquerda e assim sucessivamente. Quando não é feno, mas sim uma cultura de trigo ainda jovem, o efeito cómico é relativo, o proprietário não vai achar piada nenhuma quando vir aqueles padrões de aliens no dia seguinte.
6 comentários:
As saudades que eu tinha da Virgínia Woof. É pena é os kanin klein serem tão raros. Extinguiram-se? Nas lojas onde pergunto nunca ouviram falar :(
O meu cão também ouve rádio com o nariz! E faz zapping.
Os Kanin Kleins só se arranjam nas melhores lojas do Chiado ou nas bermas de estradas, abandonados, como foi o caso real da "Woofie Woof".
E foste ao supermercado e ao cinema ao Vasco da Gama este fim-de-semana ou não deu por causa da cimeira? Vais para o próximo?
Kanin Klein não é aquele estilista americano que faz perfumes?
Descobri este blog hoje. É hilariante. Este post chamou-me a atenção porque sou fã da Virginia Woolf, achei piada ao nome da cadela...e à tua escrita.
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