Repesquei uma coisa que eu tinha escrito no anterior Tolan:
«A personagem do Huck é o Hank do Bukowski ou o puto do Catcher in the Rye do Salinger e 20 personagens do Hemingway. A vida idílica é uma jangada a descer o mississipi, é dormir nu debaixo das estrelas, é pescar um peixe e comê-lo e recusar a civilização. E mal saber ler e escrever, não fazer juízos sobre nada e recusar a consciência. O Huck diz que a conscência humana é mais estúpida que um cão. Eu gosto do Mark Twain, eu acho que o Mark Twain foi a melhor pessoa que já viveu.»
(citar-me a mim mesmo é esquisito)
E acrescento que não concordo em absoluto com o Borges na questão do Tom Sawyer. Também não gosto do Tom. Mas penso que o Tom, apesar de quebrar um pouco o ritmo, funciona muito bem como contraste para Huck. Ao aparecer nos últimos capítulos, dá à obra do Twain uma textura de universo real. Tom e Huck aparecem como estranhos de visita nos livros um do outro.
Sem dúvida que um dos melhores livros inconscientemente obra prima (juntamente com toda a obra de Shakespeare e Cervantes) foi o Robinson Crusoe do Daffoe. O livro é absolutamente magnífico, profundo, seminal, revolucionário, visionário e giro. E foi claramente pensado como livro de aventuras. É hilariante ver uns últimos capítulos dedicados a umas pífias aventuras de Robison e Sexta Feira, já em terras continentais, em que enfrentam um ataque de um urso. É como se um daqueles apóstolos, o São Mateus, resolvesse contar uns episódios pitorescos com Jesus, num anexo a seguir à Bíblia, por exemplo, Jesus vai ao mercado, às compras, um mercador engana-se no troco e Jesus devolve-lhe umas moedas que este lhe deu a mais.
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