De vez em quando luto contra os meus preconceitos contra a poesia. Aliás, considero o meu preconceito contra a poesia muito semelhante ao racismo que as sessões dos RA (racistas anónimos) ainda não conseguiram debelar. Eu sei que é errado, não me orgulho disso, prejudica-me a sedução de raparigas de esquerda, mas não consigo evitar, muito menos quando me acontece, como uma vez numa dessas performances artísticas dos freaks do bacalhoeiro, estar a ouvir um preto a declamar um poema chamado “o meu monólito negro” enquanto a miúda do PS com quem estava se torcia toda na cadeira em deleite.Fantasiei com os meus colegas dos RA (quase todos polícias) a entrarem por ali adentro à SWOT team, com pastores alemães a farejar droga e a distribuírem porrada.
Fui passar o fim-de-semana na minha casa de mar, em Peniche. E nisto, horror, esqueci-me de levar cerveja e livros. Cheguei às 23h, com tudo fechado e entrei em pânico. Tinha de ir dormir sóbrio e sem ler. A cerveja é muito importante. Comecei à procura nas gavetas todas, no armário da casa de banho, por debaixo do lavatório da cozinha e não encontrei cerveja. E para ler, só uns folhetos de instruções do microondas e frigorífico, uns rótulos de embalagens, nada de jeito E na gaveta da mesa-de-cabeceira, encontrei um livro de poesia que devia ser da minha mãe: “Poemas maiores – Mário Cesariny”. Dei um salto para trás como se tivesse encontrado uma aranha. Fui buscar uma vassoura e dei-lhe toquezinhos com o cabo, para ver se estava morto. Não se mexeu. Peguei nele e folheei. Era uma espécie de best-off. Eu por mim fazia antes um medley, misturava versos dos vários poemas dele num só poema de duas páginas a4 e resumia tudo bem resumidinho. Aliás, tendo em conta a forma de poesia surrealista do Cesariny, não se perdia nada em sentido.
Hesitei entre ler aquilo ou o rótulo do Sonasol ou da caixa de whiskas. O Cesariny dizia que a poesia é o oposto da literatura. Eu não o diria melhor. Ainda bem que admite. Gostava que um preto dissesse que ser preto é o oposto de ser branco. Aquela coisa do todos diferentes todos iguais só pode mesmo vir de um branquelas que nunca tentou dançar quizomba com uma preta, fazer boxe ou correr mais rápido que um leão esfomeado. Então deitei-me e com cuidado, comecei a ler uns poemas do Cesariny (sóbrio). Como é hábito, a maior parte enervou-me seriamente. São frases como ” intensamente amantes loucamente amadas” ou versos como…
Claro obscuro novo velhíssimo obsceno
puro
no meio do mar
… que dão aos poetas a fama que têm. Então é uma coisa que é clara e obscura, nova velhíssima, obscena e pura. E que está no meio do mar. Deve ser o Capitão Iglo. Mas ali pelo meio, gostei de algumas coisas. Como
Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos
Bonito. Eu no outro dia estava a dizer isto mesmo a um colega mas de uma forma mais simples, foi só um “não deve ser por aqui mas deve ser para este lado de Oeiras”. Perdemo-nos por causa do GPS dele que marcava a sede de uma empresa que afinal já não era ali e chegámos 20 minutos atrasados à reunião.
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