terça-feira, 16 de abril de 2013

post que vai ser apagado dentro de horas, aproveitem

Volto ao outro problema (o maior) que não abordei no post anterior que entretanto apaguei. Desde a entrada para a moeda única, o limite do deficit foi entrando no debate democrático até o dominar completamente, não só em Portugal, como em toda a europa. Os ministros das finanças, num percurso inverso ao dos ministros da economia, foram ganhando uma preponderância que hoje em dia esmaga a do próprio primeiro ministro. Grosso modo, não se estabelecem objectivos, pelo menos quantificados e muito menos impostos por memorandos ou tratados de união para outros números que não os do deficit, despesa ou receita fiscal. O diálogo europeu resume-se a isso e esta união perdeu o carácter de união política que tinha na sua génese. O crescimento económico, nível e qualidade de vida ou o emprego tornaram-se conceitos abstractos e vagos, subjugados à realidade imposta pela componente das finanças do estado. O debate na última década foca-se no tema onde cortar e onde ganhar receita, muitas vezes à custa de cosmética criminosa (PPPs) ou de receitas extraordinárias (privatizações a preço de saldo) no caso português. Colocou-se a contabilidade do estado e o euro numa espécie de assunto fulcral do espaço mediático, empobrecendo e destruindo a  democracia europeia. Mas para quê? Viu-se que os limites do deficit impostos no tratado monetário foram sendo sucessivamente quebrados por todos os países europeus. A Alemanha quer limites para  o endividamento na Constituição, demonstrando que não aprendeu a lição, pois haverá sempre um José Sócrates disposto a inovar na contabilidade.

É óbvio que deve existir realismo e rigor nas contas, muito especialmente em países que não a Alemanha, se pretendemos uma moeda única comum com alemães. Contudo, é preciso agir sobre o próprio mercado financeiro ou, mais exactamente, deixar de agir sobre o mercado financeiro desta forma.

 Se o FMI tivesse verdadeiramente inspiração liberal, não incluiria algo como preserve financial sector stability; maintain liquidity and support a balanced and orderly deleveraging in the banking sector no memorando. Incluir isto, para mim, é o mesmo que incluir algo semelhante sobre o sector da restauração ou construção naval. Há uma coisa que se pode concluir desta crise: o modelo de negócio dos bancos assentou em práticas erradas e ineficientes, em certos casos, catastróficas. Não faz sentido proteger um sector com empresas  que tomaram más decisões no exercício normal da sua actividade, tão más quanto as dos políticos e privados que se sobre-endividaram nas últimas duas décadas, sem reflectir na essência do problema.

Isto nota-se na percepção que os clientes têm da banca. Os bancos são normalmente indiferenciados para os consumidores. Cada português é cliente de vários bancos. A lealdade é mínima e a decisão fortemente racional. A maior parte escolhe um banco porque tinha a taxa mais vantajosa para o crédito ou porque era o banco da empresa onde trabalha ou porque é o banco mais perto de casa. Uma peça fundamental é a do gestor de conta: quando muda de banco, o cliente vai atrás. Portanto, no sector sofisticadíssimo da banca que o FMI quer preservar, a única coisa que distingue bancos é se somos bem atendidos por um tipo que se lembra do aniversário do nosso filho e faz um jeitinho na taxa ou se está perto de casa ou do trabalho. Mesmo em Portugal, o banco mais diferenciado é a CGD, precisamente porque é visto como o "banco do estado" e existe a crença de que é o último a cair e, portanto, o mais seguro, premiando a CGD com uma vantagem que de facto não deriva da qualidade de gestão, de melhores práticas ou pela solidez concreta das suas contas.  No fundo, o modelo de negócio da banca, não evolui para uma verdadeira diferenciação concorrencial em que os piores são eliminados. Não há risco de falência imediata, a não ser em casos extremos, havendo mesmo prémio para os bancos que é mais provável o estado salvar. Com a hipótese de falência, os accionistas dos bancos teriam um forte incentivo para garantir que os mesmos eram bem geridos, cabendo-lhe boa parte da supervisão como parte interessada. 

A diferenciação pela solidez e transparência do banco seria mais relevante para o consumidor e para o accionista. A confiança é um dos principais factores de escolha no mercado financeiro, mas a ausência de possibilidade de falência retirou um incentivo para a diferenciação por esta via. A crise, felizmente, trouxe uma sombra de diferenciação, mas ainda incipiente. Alguma coisa distingue um banco que teria falido se não fosse o estado a injectar dinheiro de outro que não precisou de injecção de capital? Alguém deixou de ser cliente de algum banco e escolheu outro desde a crise, por estes critérios? Não existe a crença de que ou caiem todos ou não cai nenhum?

Os movimentos de capitais no que respeita à confiança, são internacionais. As pessoas colocam o dinheiro na suiça ou em bancos alemães (os russos preferiam o Chipre e deram-se mal). Ou seja, os bancos, os sistemas bancários ou financeiros estão indissociados dos respectivos estados, o que é prova que a maior diferenciação não resulta da gestão de um banco em particular, mas de um contexto fiscal, financeiro, monetário específico de uma nação. Falamos em bancos suíços, franceses ou bancos alemães, e não no banco A, B ou C como em qualquer outro sector. É como se o sistema financeiro estivesse num limbo: é o mais interligado e globalizado de todos os sectores, com transferências e operações à velocidade da luz, mas por outro lado, um banco espanhol é um banco espanhol e um banco alemão é um banco alemão e a confiança nos mesmos está intimamente associada à confiança "no país". Com a adesão ao Euro, Portugal e outros países ganharam uma súbita credibilidade internacional e tiveram acesso a muito mais financiamento a juros acessíveis do que nas suas moedas antigas, uma vez que havia a percepção de que era impossível um país do Euro não pagar as suas dívidas, facto repetido, mesmo durante a crise, pelos principais líderes europeus. Criou-se assim um crescimento artificial e a factura deveria chegar mais tarde ou mais cedo.

Voltando ao início do post: se os contribuintes forem demitidos da obrigação de garantir a estabilidade dos mercados financeiros e a sua liquidez, em troca da possibilidade de falência dos bancos de que são clientes - e isso os responsabilizar mais na escolha do banco e forçar o banco a demonstrar a sua solidez e boas práticas - então pode-se evitar crises desta dimensão e duração e até contornar parte do problema do deficit, uma vez que o tempo tratará de impor mais estabilidade e tomadas de decisão mais conservadoras, eliminando parte da incerteza e volatilidade do sistema financeiro actual. Por um lado, se um banco empresta dinheiro ao João Jardim para que João Jardim faça os jogos olímpicos de inverno numa montanha de neve artificial, os accionistas e depositantes podem não gostar dessa atitude e escolher outro banco que não o faça. O banco alemão que empresa dinheiro ao banco português pode também decidir fechar a torneira. Por outro lado, os governantes podem ter mais incentivos a demonstrar a transparência e boa saúde das suas contas, pois de outro modo terão dificuldades acrescidas em financiar-se a taxas razoáveis ou mesmo a ser eleitos, visto que os eleitores estarão mais alerta para estes temas, uma vez que podem perder parte das poupanças. Se um país / autarquia corre o risco de ser insolvente, não se conseguirá financiar a não ser por instituições financeiras e investidores que estejam, conscientemente, a aceitar o risco real de não verem o dinheiro de volta, uma vez que os seus cidadãos não assumirão "qualquer dívida" a qualquer preço. Não tenho dúvidas que só responsabilizando por inteiro os clientes da banca (nações, privados), quer os bancos e investidores, se pode resolver o problema.

7 comentários:

Palmier Encoberto disse...

À cautela, já fiz um copy-paste (que agora tenho umas coisas para acabar e não posso ler)... :)

a.i. disse...

essa união política de falas empancou precisamente nessa parte - a da união política.olha aqui a historia da ue em termos simples:
http://europa.eu/about-eu/eu-history/index_pt.htm

o objectivo era que depois da união monetária se passasse para uma união política, um federalismo europeu, que é uma questão também totalmente posta de parte, agora que só se fala da crise

Tolan disse...

a.i. talvez seja melhor assim. Ou pelo menos, o caminho deveria ser o inverso. Primeiro a união política, que deve ser legitimada pela democracia, o que não sucedeu, muito pelo contrário, e só depois a monetária. Com o Euro, Portugal e outras economias ganharam uma credibilidade acrescida e súbita, artificial, e que garantiu acesso a muito mais crédito a juros baixos e um desenvolvimento fictício e especulativo. O resultado está à vista. Querer continuar neste caminho com eurobonds é, a meu ver, continuar a tapar o sol com a peneira e a brincar às economias alemãs. Contudo, a realidade é sempre mais forte e vem ao de cima mais tarde ou mais cedo. Eu preferia mais cedo, mas se for preciso um colapso europeu completo e revoluções e ditaduras dentro de uma década, seja.

A Bomboca Mais Gostosa disse...

Clap clap clap.
A união política seria fundamental, com regras e princípios básicos para todos. Uma espécie de Estados Unidos da Europa, digamos. Aliás, as fundações da construção europeia previam isso mesmo. Assim, só temos manobras de contabilidade criativa e políticos corruptos. Não que se acabasse de vez com a corrupção e má gestão dos dinheiros públicos, mas creio que ajudava.

a.i. disse...

por falar em eurobonds, não é engraçado que o passos tenha chamado o tal do poiares que, além de sido contra a privatização da rtp, tb é defensor das eurobonds? eu fartei-me de rir ao pensar nisso e no namoro pegado entre o passos e a merkel (que disse "eurobonds nunca enquanto eu for viva!") não há muitos meses aqui em lisboa

Catarina disse...

dizeres que os consumidores escolhem os bancos por critérios objectivos (taxas de juro etc,) não é diferente de escolherem pq o gestor de conta se lembra do aniversário? e a falência dos bancos iria sempre prejudicar aqueles com pouca ou nenhuma cultura financeira que são, penso eu, os que já pouco têm.

Anónimo disse...

Anonimal diz:

Muito interessante... só li as 2 primeiras linhas e a última, e mesmo assim acho muito interessante. Espero que não apague.
Neste momento na TVI24 está um comentador que escreve no Público e que é prof. universitário e que tem o melhor cabelo de todo o comentário político. Em cima da mesa, além de três copos de água, está a análise à educação portuguesa (+ 1 vez... será que esta gente não percebe?)
Não sei se o milagre foi descoberto porque a tv está sem som e eu estou a ouvir um remix do DJ Schmolli, um gajo que faz umas cenas engraçadas com a música dos outros.
De qq forma era só para dizer que venho a este blog para uma lufada de fresca genialidade escrita e não para análise política, tão fresca como um gás do PdC.

Estou zangado, mas mesmo assim espero que não apague (nunca se sabe se Passos Coelho aqui vem para respirar tb)

Que granda cabelame tem o prof.