segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

vida

Tenho saudades do meu pai. Tenho saudades da sua voz que era igual à minha, da sua resmunguice e meiguice rude (um soco no ombro podia ser uma demonstração de afecto). Estas saudades vêm ao de cima quando convivo com o pai da Plaft que é parecido, o que me leva a crer que todos os pais são parecidos desde que tenham bom coração: resmungões, mais ou menos gozões, teimosos e muito fiáveis. Imagino como se dariam um com outro: muito bem, mesmo muito bem. Práticos. Fazem coisas com as mãos (estufas, bricolage, madeiras, hortas, tractores, árvores etc.) mesmo que tenham uma profissão (o meu pai, engenheiro e professor, o da Plaft, advogado). Quando vi a desarrumação nas oficinas e adegas dele, deu-me um baque, o meu pai era igual. Caos, óleo, extensões eléctricas, poderosas máquinas em repouso... O pai da Plaft, contudo, é notavelmente mais bem disposto que o meu era. Talvez tenha cedido qualquer coisa porque teve três filhas. Tento imaginar o meu com três filhas, em vez de um filho único parecido. É fácil imaginar que se teria simplesmente rendido. A avó da Plaft, 80 e muitos anos, explicou-me porque era ateia, firmemente ateia, como eu. Fez-me perguntas biográficas (quem és tu? De onde vens?) e explicou-me como calcular raízes quadradas sem máquina de calcular. Expliquei-lhe que o meu cérebro estava formatado pelos computadores, que a minha geração tinha limitações graves no campo das "contas de cabeça" por isso mesmo. Lamentou e continuou a dar exemplos de como conseguia calcular raízes quadradas até às centésimas, a pedir-me para escolher números difíceis, desde que fosse de 1 a 100... Depois falou francês comigo, com uma pronúncia irrepreensível. Falou muito. Passou pelo word onde tem escrito os seus desejos quando morrer ou ficar doente, coisas do tipo "desliguem as máquinas", semelhantes ao meu pai que me dizia "um tiro nos cornos, vegetal é que não". Não queremos cá confusões, nós, os ateus. Podemos não ser felizes no sentido histérico, mas estamos em paz. Numa cómoda, uma revista emoldurada com a Plaft na capa. De cada vez que passava pela revista, explicou-me que fazia uma festinha na foto com as costas da mão. Adora a Plaft. Diz que é brilhante e que tem pena que uma cabeça tão boa como aquela tenha sido tão pouco aproveitada porque é actriz, em vez de ter um curso a sério. A Plaft retorce-se. Eu tento defender a Plaft, mas isto é família e as famílias são assim, as relações entre pessoas são imutáveis, aquilo que são hoje é aquilo que serão daqui por 10, 20 anos, a diferença face à não-família é que as relações continuam a existir, mesmo as tumultuosas, enquanto que a não-família se pode eclipsar. Penso que o único elogio directo que a avó Plaft me deixou foi o facto de eu ser alto, como o falecido marido era. Deu os parabéns à Plaft por isso. Fiquei um pouco sentido, com a sensação que um jogador de basket teria feito melhor impressão. De resto, deixou bem claro à Plaft que 'não sabia ainda se ele é inteligente, ainda agora o conheci', e isto depois de eu falhar no teste de responder à questão "qual é a raiz quadrada de 73" em menos de 10 segundos... Perguntou-me a altura, depois de me dizer que o marido tinha 1,83 e eu respondi que tinha 1,83 também, apesar de na verdade ter 1,85. Não quis armar-me, senti-me a andar em cima de gelo fino. Afinal de contas, família é família, uma pessoa não faz parte de outra assim do pé para a mão.

21 comentários:

Jibóia Cega disse...

Há até quem diga, "olha ela bem quer entrar para a família, vê lá se a deixas", mas um gajo tem regras e não abdica delas, não é?

R. disse...

Pode levar anos.

R.

Anónimo disse...

tambem tenho saudades do meu. muitas. e mágoa.

Peppy Miller disse...

Agora que entraste para a familia da Plaft assim à séria, aposto que és um bocadinho mais feliz ;)

Anónimo disse...

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MDRoque disse...

As saudades do Pai deixam de doer tanto quando forçamos só as boas recordações, as divertidas, as felizes. Quando damos por nós a rir de de algo que desperta uma lembrança, a saudade é uma ternura no tempo que já não é. Adorei a avó da Plaft ! Que encanto de senhora. É boa com os números; tu és fantástico com as letras. Olha que duo imbatível. Qualquer dia ainda havemos de ver um "Raízes" à portuguesa, by Tolan & Granny :)

Anónimo disse...

Ás vezes penso que qualquer tipo de racionalização de emoções sobre pais mortos é desadequado, no sentido em que não se sabe bem por onde começar e como descrever a perda.

Fazem falta; e quanto mais novos os perdemos, parece uma crueldade maior.

Por outro lado, a avózinha parece bestial.

Pólo Norte disse...

Ceci n'est pas une déclaration d'amour.

pássaro viajeiro disse...

Não estou assim tão certo de que família seja sempre família.
Já não tenho dúvidas quanto aos caracteres e personalidade das pessoas. O que são hoje já o foram ontem e serão toda a vida. Isso sim, é imutável! Nunca ninguém muda.
Bonita homenagem ao seu pai.

Anónimo disse...

Só para referir que o comentário em cima não é da minha autoria.
R.

Izzy disse...

Bonito. Concordo com a definicao de pai. Que tambem podia ser a de algumas maes. Curioso que descreveste a minha garagem. Desarrumacao total, cabos, pregos, parafusos, restos de madeira, serradura... Sonho adquirir um agrafador pneumatico com compressor de ar e um kreg jig.

So nao sei se concordo que nos os ateus estamos em paz. As vezes penso que era mais facil ceder e acreditar no "conto de fadas". Ter essas certezas acho que seria mais reconfortante.

Anónimo disse...

Saudades que às vezes magoam de tão grandes que são.Saudades das conversas, dos risos, do toque, da cumplicidade :(

pássaro viajeiro disse...

O ateísmo, em meu entendimento, não passa de uma disposição de espírito, assim como quaisquer crenças disseminadas pelo planeta o são igualmente. Logo, legítima e obrigatoriamente respeitáveis.
Pessoalmente sou crente na religião católica, porque tive e tenho motivos muito particulares para acreditar, a menos que a minha racionalidade me desvendasse o inexplicável.
Reconheço porém que em mais de noventa e nove por cento de quem se afirma como católico fervoroso, o faz apenas motivado por qualquer interesse ou causa.
Porque afinal, a fé nada mais é do que expectativa alicerçada numa hipotética probabilidade de que o desejado nos venha parar às mãos.

Tolan disse...

a questão de Deus existir ou não, nunca me disse nada :) Só falei nisso porque a avó da Plaft me testou. Estava à espera que fosse católica (afinal tem quase 90 anos) mas saiu-se com um discurso assertivo, ainda justificado com o disparate da existência de religiões diferentes: "como é que os católicos podem dizer que têm razão e que os outros estão todos errados? Disparate, ouve o que te digo, disparate!" :)) Comentámos esta conversa com o pai da Plaft e alguém disse "a avô vai ficar com um grande melão se o São Pedro existir e ela for lá parar ao portão dele" e o pai da Plaft respondeu "o São Pedro é que ficava com um grande melão de ter de a aturar" :))))

pássaro viajeiro disse...

Para uma senhora de quase noventa anos, convenhamos que não está nada mal, não senhor.
O que aqui deixo ficar, não interprete como um argumento meu justificativo de uma pretensa razão, mas só a título de curiosidade.
Encontrei isto por acaso, eventualmente conhecerá, mas se não conhecer acho que, no mínimo, merece uma profunda reflexão.
Afinal, é a ciência a manifestar-se.

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