quinta-feira, 10 de maio de 2012

o fantasma de pijama

Ler as crónicas do Miguel Esteves Cardoso a propósito do cancro da mama que atacou a sua mulher Maria João e que, entretanto, já criou metástases no pulmão e no cérebro, mexeu comigo. Estão lá as descrições da radioterapia no IPO, a neurocirurgia do hospital de Santa Maria e aquela sensação de passar para um negativo da vida. O meu pai morreu com um tumor cerebral em Fevereiro de 2008, um ano depois do diagnóstico. Eu escrevi, no blogue que tinha então, vários textos sobre isso, desabafos. Se por um lado sentia algum receio de exibicionismo, por outro lado era uma necessidade, ajudava-me (este não foge à regra) e podia ajudar outras pessoas apenas pela ideia de partilha. Foi um inferno mas foi mais duro para a minha mãe que era casada com o meu pai há mais de 30 anos. O diagnóstico que recebemos logo depois da primeira biopsia era de um ano de vida no máximo e a opção que ficou limitava a escolha entre mais qualidade e menos tempo, ou retirar-lhe um bloco do cérebro para viver mais uns meses como um vegetal. Se o diagnóstico tivesse nem que fosse 0,1% de esperança, ter-me-ia agarrado a isso com unhas dentes e espero que ela exista no caso da Maria João. No do meu pai não tinha e havia que encarar isso de frente. Os amigos e familiares mais próximos entendiam a situação, mas as pessoas de uma esfera mais distante tinham dificuldades. Não por culpa deles (bem intencionados) mas por não termos a crueldade de encavacar aqueles que, cheios de boas intenções, perguntavam se ele “está melhor” de um glioblastoma agressivo. As pessoas também precisam de uma reserva de fé para as suas próprias vidas e temos de ser modelos.
No meu local de trabalho, em 20 e tal colegas, talvez só 2 ou 3 mais próximos soubessem da minha situação familiar, para preservar a normalidade. Lembro-me que um dia tive mesmo de calar uma dessas pessoas que me perguntava pelo meu pai todos os dias e tive de lhe dizer não tem cura, é certinho que vai morrer e ela ficou meio em estado de choque por eu estar a fazer o start up ao windows enquanto lhe dizia aquilo mas depois pelo menos deixou-me sossegado a mim, ao meu pai e ao nosso glioblastoma de estimação. A morte foi varrida das casas para os hospitais e temos uma relação algo neurótica com ela. Se alguém sobrevive a uma doença é porque a venceu. Venceu a adversidade. Não consigo pensar assim, uma vez que implica que os outros, os que morreram, não venceram. A vitória é relativa, cada um terá a sua. A minha será não ser maricas nestas ocasiões porque era precisamente esse o meu instinto. Uma vez, em Santa Maria, fiquei petrificado a ver o meu pai ter um ataque de epilepsia, nem me consegui mexer e depois dos enfermeiros se precipitarem sobre ele, saí da sala e vim fumar um cigarro na rua, a tremer. A minha mãe não era mariquinhas, fazia tudo, assistia a tudo, tratava de tudo. Na neurocirurgia lembro-me de ver um miúdo magrinho e franzino, com cicatrizes da operação no crânio e uns olhos enormes. Andava por ali a arrastar os chinelos, curioso, a espreitar para os quartos, como um pequeno fantasma de pijama extralargo. Os pais ofereciam-lhe peluches e forçavam sorrisos debaixo daquelas luzes néon frias. Ele tinha o mesmo tipo de tumor do meu pai. Apesar de imagens assim serem provavelmente comuns em sítios assim, não são comuns para quem neles entra pelas primeiras vezes. E o certo é que saía de lá com a sensação de ver o mundo todo do avesso, como uma criança de seis anos que está a ser traumatizada com filmes do Ingmar Bergman e do Romero.
O que é a vitória? Condicionam-nos para as vitórias erradas toda a vida. Não ser feliz e são é apenas um dos fracassos. Os modelos são de saúde e força. A publicidade vende uma felicidade de plástico, impossível de atingir, a tecnologia faz progressos diários mas a maior parte das vezes fúteis, é ela que cria a sua própria necessidade: precisamos de mais memória, mais ecrã, mais comunicação e por aí fora. Parece que resolvemos tudo ou estamos em vias de resolver. E depois, no que respeita a cancro, apesar dos tímidos avanço da ciência, mergulhamos numa espécie de obscurantismo primitivo, num grande mistério que decorre com regularidade em locais como o IPO ou a neurocirurgia de Santa Maria. Depois do funeral, os dias seguem-se, indiferentes, fica um buraco, um vazio. Se tivermos de pensar em coisas positivas disto, há algumas. A minha mãe ficou muito mais forte. Também se descobriram amigos novos e uma solidariedade até ali invisível. De facto não estamos sozinhos, é isso que sinto ao ler uma crónica do Miguel Esteves Cardoso sobre a sua querida Maria João ou como me sentia na sala de espera da radioterapia do IPO que nunca estava vazia. Também se relativiza mais a noção de "ter azar" ou outro tipo de desgostos como aqueles próprios dos desamores. O funeral é bonito e catártico, aparecem pessoas de que gostamos sem termos de as convidar como sucede nos casamentos e nos aniversários, conhecemos outras pessoas que gostavam do nosso pai e que estão, misteriosamente, ali, vindas de um passado que nos é desconhecido. De resto não se aprende muito. Pode-se pensar numa revelação do que é importante na vida e de todas essas tretas, de sentimentos que muitas vezes se encontram diluídos porque as ambiguidades próprias das relações humanas, especialmente entre família, desaparecem perante o fatalismo da separação em vida. Assim, a sensação de estar sentado ao lado do meu pai a ver as folhas de um pomar a agitarem-se com o vento e cães a correr, passa de visita de rotina de domingo, para o grau de momento sagrado. Mas não é uma lição necessária, é até bastante dispensável. A consciência do momento sagrado advém da consciência da sua inevitável perda. Se para essa consciência é necessário pormo-nos a pensar que todas as pessoas que amamos podem morrer a qualquer momento e que caminhamos sobre o gelo fino da saúde, vamos ser, no mínimo, uma companhia um pouco deprimente. Só somos eternos quando esquecemos que somos mortais. Gostava muito de poder dizer que uma coisa dessas faz uma pessoa ficar mais sábia mas fiquei sem vontade de fazer perguntas, eu que fazia tantas e pensava tanto. Desde 2008 que não meto os pés num médico porque acredito que quando estamos fodidos eles não nos conseguem ajudar e só nos vão dizer para deixarmos de beber e de fumar. É irracional, eu sei e estou a tratar disso. Abrir a caixa de correio tornou-se um suplício porque detesto essa ideia de existir um mundo que exige coisas de mim mas depois não consegue curar a merda de um cancro a um filho, quanto mais a um pai. Às vezes dou comigo melancólico em momentos felizes e simples porque não os posso partilhar com ele e queria, como quando o Benfica joga bem. Ele ia gostar muito da Plaft sem o admitir e depois ia manifestar-me a sua perplexidade por ela gostar de mim, ia tentar descortinar o seu problema, alguma coisa que explicasse aquela improbabilidade. Tendo em conta a personalidade de ambas as criaturas, não me custa adivinhar que em pouco tempo iriam interagir num tom sarcástico tendo por alvo a minha pessoa amuada e as suas idiossincrasias. Também ia gostar do carro alemão sem o admitir e ia manifestar a sua perplexidade por me terem dado um carro assim, quem é que eu tinha enganado, quando é que vão descobrir. Depois ia abrir e fechar a porta para ver se o fabrico é bom, examinar o motor, tecer considerações obscuras de engenheiro, mexer nas coisas perante os meus protestos, com sorte não me desmontava aquilo às peças para examinar e descobrir falhas ou sinais de má manutenção. E pronto, este texto não tem conclusão, mas há temas assim também e uma pessoa se quer conclusões depois acaba por não começar nada.

32 comentários:

hmbf disse...

Desenvolve esta merda, caralho!!!!

Anónimo disse...

Este teu texto é mais de O Autor do que do Tolan.
Grande abraço.

silvia disse...

Sei o que é ! O meu pai também se foi com um tumor na cabeça, no meu pai foi tudo muito rápido só durou 15 dias após a operação,mas lembro-me de o olhar de esperança quando o médico lhe deu 5 meses...
Passados 8 anos passou-se outra vez noutro sitio com a minha mãe :) e graças a um médico do IPO que explicou-me basicamente como devemos acompanhar alguém ...uma das regras básicas é nunca perguntar como se sentem, apesar de tudo ter corrido mal aprendi alguma coisa mas nunca será o suficiente...
Só sei que é tramado !!!

A Chata disse...

O teu melhor post. Mesmo contando com aqueles dos ursinhos cutxi cutxi!

Stiletto disse...

Somos eternos porque os que cá ficam nos recordam.
É lixado e só quem passou por isso é que sabe exactamente o que é esse vazio.
Abraço

B. disse...

Também passei por algo semelhante, embora tão mais rápido que não tive tempo de me preparar para o pior. Dói como tudo, ainda hoje.

Pipoco Mais Salgado disse...

Meu caro Tolan, o que escreveste é absolutante fantástico e não estou a falar de métricas nem entrelinhas, nem o caralho. Aliás, quelquer um te dirá que sim, que é brutal este post. E se esta merda que é a blogosfera serve para alguma coisa de jeito para além de eu me divertir, que sirva para que eu, que tenho a puta da sorte de ter o meu pai que também se questionará todos os dias como consegui eu a minha própria Plaft e como raio me deram um carro alemão, e porque razão falo um italiano tão fluente, isto para além de nunca estar contente com a temperatura do vinho que lhe sirvo, que a blogosfera sirva, dizia eu, para te mandar um abraço, daqueles à homem, só porque sim, só porque me parece que és um gajo às direitas.

(e agora volto ao normal e vou ali escrever sobre a temática snob-chic e voltar a tratar as pessoas por "você")

mago disse...

Foda-se. Que post.

Vareta disse...

Ora... "O que é a vitória? Condicionam-nos para as vitórias erradas toda a vida." - e todavia amuas se o benfica não ganha...

E quem são "eles" que nos condicionam?

E será que não sentes (isto é mesmo uma interrogação, não é uma insinuação) a Plaft e o carro alemão como 'vitórias' que querias partilhar com o teu pai? É que falas em "momentos felizes e simples" - mas depois passas para 'continuidades' que querias partilhar (Plaft e carro), coisas que não são momentâneas nem simples, como se o que quisesses mesmo partilhar com o teu pai fosse o teu relato das coisas (isto não é nenhuma crítica, sabes bem de 'onde venho'). Parece superficial e egoísta, talvez, mas, em relação às pessoas que perdi, uma das coisas que mais me marca é a impossibilidade de voltar ao registo em que EU falava com elas e só com elas, uma inflexão de voz que nunca mais vai soar, um 'código' que perde validade. Não é uma questão de 'perda', antes pelo contrário: é um excesso, uma coisa que fica a mais, sem préstimo, um pacote de leite a azedar nos frigoríficos da nossa linguagem. Uma verruga, grande e escura, a pender da língua.

Quando morreu a grande Szymborska, com 88 anos, a maior parte dos obituários referia que a senhora fumava. Qualquer coisa como "pois, se não fosse o raio do vício a senhora ainda podia cá estar", como se morrer aos 88 anos fosse, como tu bem dizees, um fracasso. Dezenas de milhares de anos de treino nesta coisa belíssima da mortalidade e ainda continuamos cheios de manias. Estamos todos a morrer - mas faz-se um spin linguístico e chamamos-lhes "anos de vida" (como é que soaria a canção dos parabéns com "muitas felicidades / vá morrendo com jeitinho"?). Ao contrário do que tu dizes, acho que será muito mais deprimente estar na companhia de alguém que não consiga ver que, sem a impermanência, esta merda não tinha piada nenhuma (Ray Kurzweil, por exemplo...).

Anónimo disse...

Li e vi-me num espelho.
E comovi-me até às lágrimas.
Obrigada.

Maria Helena

Catrapisca disse...

Um nó na garganta e um relembrar de algo que teimo em querer esquecer...

trollofthenorth disse...

Puta que pariu. Liguei aos meus pais Tolan. Não falava com eles desde terça-feira. Esqueço-me demasiadas vezes da sorte que tenho em ainda os ter vivos e com o mínimo de saúde.

Ganhei consciência da minha própria mortalidade, numa estação dos CTT, num qualquer dia em que toda a 3ª idade foi levantar as reformas. Foi uma sucessão de ideias e cheiros seguido de um baque. E nesse momento chorei e aceitei. Mas nada nos prepara para a morte de um ente querido. É das coisas mais fodidas em que consigo pensar.

Respect.

Sofia disse...

Foda-se. Uma pessoa vem para aqui à espera de ler as parvoíces do costume e depois lê isto!
Sinto muito pelo teu pai...

AR disse...

Um post em grande! Gosto de ti Tolan!

nat disse...

provavelmente, um dos melhores posts que já li até hoje.

Rosa Cueca disse...

A minha avó (que foi mais que mãe para mim) morreu com um tumor na bexiga. Não era nova. Viveu uma vida plena, realizada.
Mas o que penso ainda hoje, depois de 15 anos da sua morte, é que nunca me deixaram despedir dela.
Que nunca compreendi o que aconteceu, ou a rapidez, ou o porquê.
Aquelas coisas que nunca explicam às crianças, pensando que a dor delas não se sente também.
Todos conhecemos casos destes, alguns têm a sorte de poder acompanhá-los de longe, outros têm o azar de ter de lidar com eles de caras.
Pode acontecer a mim, a ti, ao outro. Não há nada que minimize a dor, ou o choque, ou o sofrimento.Nem o tempo que passa o apaga.
Mas ficam as memórias..

Izzie disse...

Deixaste-me sem palavras. Um abraço.

Gi disse...

Tolan, cheguei aqui através do blogue 2 dedos de conversa.
O seu texto é muito forte e bonito.
Só queria dizer-lhe uma coisa, e peço desculpa por me intrometer: se se sentir doente, vá ao médico, porque entre estar bem e estar "fodido" há patamares intermédios em que o médico pode ajudar. Vale?

Tolan disse...

iiih que lamechas que estamos todos. A culpa foi do MEC. obrigado a todos pelos comentários e pela partilha *

Anónimo disse...

Ao meu pai foi-lhe diagnosticado há pouco tempo um mieloma multiplo. Não é um tumor no cerebro nem lhe deram um ano de vida. Mas pela primeira vez enfrentei a ideia de que o meu pai é mortal. Vou com ele ao IPO e vejo os sacos de soro, as agulhas, e tudo aquilo me causa uma repugnancia que tenho vergonha de admitir: o meu pai não pertence ali, ele não tem veias nem musculos, nem tumores, ele é todo imortalidade, não deviamos estar ali. E depois é ver-lhe o medo nos olhos, a forma como estuda as análises meticulosamente.
Eu nao pergunto como ele está, falamos da doença como uma coisa exterior aos dois que paira ali no meio. Falamos de sintomas objectivos, nunca do que ele sente. Acho que se ele me diz que tem medo, acho que é o fim.
Um texto muito bonito Tolan, parabéns

Catarina

Johnny Guitar disse...

A vida não é de fiar, Tolan. Mas estamos cá para isso.

Ana disse...

Apesar de nunca o ter feito, hoje não posso deixar de aqui deixar um comentário, muito simples: acho que nenhum post, até hoje (pelo menos, desde que sigo o blog) tinha tido a capacidade deste, de mostrar quem está a escrever desse lado.
Por isso, parabéns.
Pelo conteúdo... que mais dizer?
A morte de um ente querido não deve ser banalizada com as expressões de conforto que todos usam, mais que não seja, porque até podem confortar um pouco, mas não apagam nada.

Tolan disse...

obrigado Catarina, revi-me totalmente no que disseste, mesmo que as circunstâncias sejam, felizmente, diferentes. Coragem!

Espiral disse...

Um post que me comoveu...

Um abraço fechado.

Rosário disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
M. disse...

Só me ocorre dizer que é um post do caralho, pardon my French. Parece ter vindo mesmo lá do fundo.

sem-se-ver disse...

abraço sentido.

MJLF disse...

Grande texto.

Cat disse...

Fuck... um belíssimo murro no estômago, este teu texto. **

Anónimo disse...

Não há muitos que saibam escrever, mas ainda há menos os que têm algo para dizer. Como eu, aliás, que te ofereço o comentário: "Foda-se, que post do caralho".

TpT

Luis Rosario disse...

Também tenho saudades do meu pai, fiquei a odiar o IPO e os fdp dos médicos que disseram "é melhor operar para eliminar o cancro antes que metastize..."

Neste post parece que está também um bocado de mim, Tolan, obrigado.

Anónimo disse...

parabéns. és um freak. e isto é um grande elogio.

no meio de todo o teu (e vosso) sofrimento, parece que se manteve a união e a aproximação entre todos. por vezes damos por nós a desejar que tudo termine o mais depressa possível e de forma menos dolorosa, quando já mais nada há a fazer. quando a minha avó, com 95 anos, estava no hospital, a poucos dias de morrer, peguei-lhe na mão - ela não falava, mas estava lúcida - olhámo-nos nos olhos e tentei recorrer à telepatia para lhe dizer "deixa-te ir, não resistas, vai em paz".

podia terminar aqui o texto, alguém ficaria eventualmente embevecido. mas durante vários anos a convivência dos meus pais com ela foi tétrica. mal se suportavam, e por vezes havia irritações que traziam ao de cima ressentimentos bem antigos que conduziam a birras e comportamentos infantis por parte de todos. Muita antipatia.

o meu pai, que sempre a detestara, no dia do funeral disse à minha mãe : "já pedi perdão a deus", pelo mal que lhe desejara (à sogra). suponho que seja assim que as pessoas normais passam a esfregona pela consciência.

o (meu) pai não morreu, mas de há uns anos para cá, desde o 1º avc, está condicionado nos movimentos - caminha, mas tem de ser com bengala para distâncias maiores. volta e meia cai, e tem tido a felicidade de estar alguém por perto para o levantar.

quando estou junto deles (pais) agora (re)vejo nele algumas atitudes que a minha avó tinha. é como se ele estivesse a passar a ser ela.

há uns meses atrás (contou-me a mãe) foi caminhar para junto da via rápida, depois de uma discussão em que se irritara. depois de voltar, contou que estivera para se atirar para debaixo de um camião na estrada (importante: nunca o conseguiria, mesmo que quisesse), mas depois arrependeu-se por 3 motivos:
1.teria pena dos bombeiros que teriam de lhe apanhar os bocados;
2. teria pena dos X filhos e Y netos;
3. teria pena do trauma que o motorista teria.

(nem uma palavra para a mulher que o aturou nem sei bem quantos anos - quase 50)

anos a fio a chegar a roupa ao pêlo aos filhos sempre que se irritava com eles, deu-lhe para se afeiçoar a uma gata que eles têm, que foi mordida por um cão vadio. parece que há quem tenha "muito amor para dar".

há uns tempos, no hospital, depois de mais um avc ligeiro, tive um flash, e vi surgir na sala de espera a minha avó (entretanto falecida) na sua cadeira de rodas. ainda nesse dia, sentado ao lado da mãe, sabe-se lá porquê, abracei-a. ficou hirta.

as pessoas acumulam ressentimentos e merdinhas durante anos a fio, e depois parece que os funerais servem de catarse a tudo isso, exorcizando as nossas podridões. subitamente a família fica toda próxima. após a sepultura do defunto, cada um vai para seu lado e tudo recomeça.

é estúpido e descabido estar a escrever-te isto. e não estou a fazê-lo (penso) por "terapia", pois já falei sobre isto com outras pessoas, que não psicólogos. (mesmo os freaks nunca estão sozinhos). mas quando voltares a entrar em badtrip, pensa nisso como uma inevitabilidade, algo porventura cíclico como os pequenos tremores de terra que servem para evitar grandes terramotos. não te sintas mal por isso; procura não magoar os outros nessa fase, que logo passará.

para freak, freak e meio... não?