domingo, 13 de maio de 2012

Excertos do livro infantil “A Crise Explicada às Crianças”, por Vitor Gaspar



Os pais de Tomás eram de direita. Trabalhavam muito nos Grandes Mercados e eram muito felizes e bonitos. A mãe de Tomás estava a fazer uma deliciosa tarte de maçã na cozinha e Tomás estava a estudar engenharia, quando o Pai de Tomás chegou a casa muito contente, com um jogo de Playstation muito fixe para Tomás e um perfume francês para a Mãe de Tomás.
─ Uma prenda? É para mim? - perguntou Tomás, muito espantado, pois não fazia anos.
─ Estás tão contente porquê? - perguntou a Mãe de Tomás.
─ Fui despedido querida! Era a oportunidade de que estava à espera! Lembras-te daquela empresa exportadora que sempre quis montar? Pois começo hoje mesmo, depois do jantar.
─ Parabéns! - exclamou a Mãe - Sei como isto era importante para ti. Vou fazer gambas!
─ Sim querida! É uma oportunidade.  E sabes, não aceitei ser formalmente despedido, porque assim o Estado ia dar-me subsídio de desemprego e agravar o deficit. Assim que o chefe me disse que ia ser despedido, despedi-me eu!
E beijou Tomás e a Mãe, unindo-os num abraço. Tomás tinha muito orgulho no pai, mas tinha uma dúvida.
- Ó pai, o que é o deficit?
Os pais de Tomás olharam um para o outro. Chegara a altura da pergunta complicada. Sentaram-se no bonito e confortável sofá italiano.
- Querido filho, já és crescido e tens de compreender certas coisas. Sabes, nem toda gente é como o teu Pai, trabalhadora e optimista. ─ disse a Mãe.
- Não? - perguntou Tomás, muito espantado.
- Obrigado querida. Não, filho. Há pessoas que vivem do dinheiro que o pai faz nos Mercados. O pai tem de trabalhar o dobro para te poder pagar o colégio. Porque grande parte do dinheiro vai para as pessoas de esquerda alimentarem o monstro do deficit.
- O deficit é um monstro, pai? ─ Tomás arregalou muito os olhos.
- Sim filho. Um monstro socialista enorme, com escamas, grande boca cheia de dentes e muito comilão. Come dinheiro e está sempre com fome de mais e mais. As pessoas de esquerda gostam dele e dão-lhe de comer porque em troca o monstro dá-lhes rendimentos mínimos, empregos no estado e subsídios para fazerem filmes. Lembras-te daquele filme que a tua mãe comprou por engano, do Cesar Monteiro, o Branca de Neve?
- Lembro! Era horrível pai! O ecrã todo escuro! Só vozes! Tive muito medo.
- Bom, mas não falemos de coisas tristes! - exclamou a mãe - Vamos para a mesa festejar!


Entretanto, na margem sul, Tomé tinha pais de esquerda e brincava com um velho pião de madeira e um carrinho de lata, no chão da cozinha, indiferente aos tiroteio entre ciganos que decorria todos os dias na rua aquela hora. Estava a distrair-se um pouco antes de ter de cozinhar o jantar. A mãe de Tomé não trabalhava, vivia de baixa médica e ficava na cama a fumar o dia todo e a comer chocolates. O pai de Tomé era sindicalista e chegou a casa muito corado e a cheirar a vinho.
- Fizeste o jantar? - perguntou o pai a Tomé.
- Ainda não pai, desculpa.
O pai de Tomé assentou-lhe um estalo com muita força no ouvido. Ele caiu para o lado e ficou atordoado. O pai foi buscar cervejas ao frigorífico e voltou para o pé de Tomé.
- Pequeno camarada, esse estalo, não fui eu que te dei. Foram os mercados, entendes? - disse o pai.
- Sim pai.
- Os mercados é que me obrigam a beber para suportar o terrível trabalho de que sou vítima. Entendes?
- Os mercados são maus, pai.
Do quarto onde dormia a mãe ouviu-se um lamento prolongado, como um uivo de um animal ferido.
- Despacha-te a fazer o jantar, a tua mãe está com fome. Vê o que os mercados lhe fizeram. Ela não era assim. Sabes porque está assim?
- Sei pai,os mercados.
- Os mercados... malditos.... A tua mãe era muito bonita e alegre. Ainda me lembro de quando a conheci na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Tinha uma sexualidade livre, foi o que me atraiu nela. Todos os professores gostavam dela e tinha excelentes notas. Era assim, cheia de amor  para dar a todos, a tua mãe. Às vezes iniciava jovens de cor na vida sexual para combater o racismo. E olha como está agora… E sabes porquê, pequeno camarada?
- Os mercados pai?
- Exacto. Os mercados. Não deixaram que o nosso querido deficit lhe desse o emprego de filosofa que ela pretendia, foi obrigada a trabalhar numa empresa privada, explorada pelo patrão… Às vezes chegava a fazer uma hora a mais de trabalho. Um dia, tinha trabalho para fazer em casa, num fim de semana e foi aí que entrou em baixa médica. Pobrezinha.
 O pai de Tomé chorou lágrimas amargas de socialista, com a mão tapando a cara vermelha e inchada do vinho.


Tomé tentava concentrar-se na cozinha enquanto ouvia o pai choramingar e os lamentos guturais da mãe. Para poder mexer nos tachos tinha de se pôr num banquinho manco e às vezes desequilibrava-se e agarrava-se ao fogão, queimando as pequenas mãos frágeis de criança.

17 comentários:

D.S. disse...

Só falta acrescentar, para a lição ficar completa: "E o pai de Tomás, sindicalista de esquerda, bêbedo e explorador, também comia criancinhas ao almoço."

Margarida Alegria disse...

Esta sátira está simplesmente deliciosa, caro Tolan!
Parabéns!
Decerto que ela é que deveria ser a publicada em livro e não a tal historieta com ursos...
O mundo anda às avessas...
Convido quem quiser a espreitar os meus cartoons sobre os meninos, varito, vitinho e outros no meu blogue, "Alegrias e Alergias".
Estas criancices que nos desgovernam , cá e no mundo inteiro,merecem muitos "retratos".

Rita Maria disse...

Já o tiveste mesmo em mãos?
(tenho alguns motivos para achar que é ainda mais imbecil que isto, que a tua sátira no máximo pecará por defeito)

G. Varino disse...

Esta foi a aparição do meu dia.

Carlos disse...

Subscrevo o comentário da Rita.

a.i. disse...

E é (ou foi muito tempo) o Nuno Saraiva membro da Associação Renovar Mouraria http://www.renovaramouraria.pt/

Izzie disse...

Tolan à presidência de qualquer coisa, já. Amo você.

tata disse...

Amei, as usual

Palmier Encoberto disse...

Lindo :DDD

Anónimo disse...

Esta "adaptacao" do livro em questao é tao parva como o dito

Xuxi disse...

genial meu caro Tolan, it does not match the original book, it surpasses it...

Xuxi disse...

Izzie, tou contigo

Numa qualquer toalha de mesa disse...

de facto quem se lembra de fazer a versão esquerda e direita. a sequela está pronta: a crise do ponto de vista dos negros, gays e descendentes de casas reais. nojo.

Anónimo disse...

Simplesmente Estúpido...

Anónimo disse...

Estudo Filosofia na Fcsh, não consegui deixar de parar de rir à gargalhada com isto.

Anónimo disse...

Excelente!!

joão viegas disse...

Delicioso !

Vou comprar o livro so para poder saborear melhor este post...

Boas