É curioso tratamento que é prestado à figura do escritor aqui em Portugal nas televisões. Não sei se é assim nos outros países, mas quando eu vejo escritores em tvs estrangeiras (pelo youtube) fazem-lhes perguntas sobre literatura, livros, crítica etc. e não apenas sobre banalidades gerais sobre a vida, o amor, as pessoas hoje em dia, o ritmo dos tempos modernos, o materialismo, o fim do livro, a degradação da juventude, o acto sagrado de ler, os rituais de virar a página, de tocar na merda do livro etc. Alguns, levam-se brutalmente a sério neste papel, vai de dizer que é a mão que escreve e que já chorou a escrever e o outro que o livro é uma igreja, dá a sensação que consideram o "livro" uma coisa melhor que um jogo de playstation ou um queijo bom.
Mesmo aquelas entrevistas na RTP2, daquela jornalista que parecia estar sempre a chorar ou em sofrimento, que nem eram más, não abordavam temas propriamente literários, eram sempre de pendor intimista e tanto podiam estar ali como numa SIC Mulher Intelectual. Tudo bem, acho isso tudo muito interessante, mas eu, que por acaso leio livros, gosto de entrevistas que falem de escrita, da própria visão do autor sobre a sua obra e a dos outros, mas uma visão crítica. E isso não acontece porque a entrevista na TV tem de ser passível de consumo pela maioria que, obviamente, não lê, pois estamos num país que está em último lugar no ranking da OCDE (em 41 países) na leitura e compreensão de textos e em penúltimo no ranking da iliteracia na Europa comunitária. E a televisão é para todos, especialmente a maioria. Não fazia sentido estar a ali a falar de livros e a confrontar o autor com críticas que lhe são feitas ou pedir-lhe a opinião obre coisas de literatura, porque isso era falar chinês lá para casa.
7 comentários:
Chama-se serviço público. Agradeço ser protegida das considerações do Gonçalo M. Tavares sobre temas sérios.
Tolan,
Concordo e subscrevo por baixo.
São/foram muito poucos os escritores capazes de uma apreciação crítica minimamente séria. São/foram muito poucos os escritores que lêem as obras dos seus contemporâneos - menos ainda dos seus contemporâneos e compatriotas. O facto de não "vermos" escritores a falar sobre literatura será uma benção que nos exime ao desconforto da banalidade de ouvir falar sobre o texto que não se leu a sério e não se está a ler, de ouvir o disparate não editado e não reflectido. A literatura - se é que existe, ainda, no sentido Barthesiano do termo - fica assim poupada a uma outra banalização, sendo absolutamente saudável que o escritor fale de outras banalidades como o banal mamífero que é.
a. Segredo: as entrevistas não interessam nada.
b. Segredo (outro): os escritores são famosamente leitores criativos,i.e., maus leitores.
c. Truque: não leia/veja entrevistas.
(O vareta tem alguma razão.)
ai! o sentido barthesiano da literatura...o que seríamos nós sem ele? mamíferos em autogestão, sem dúvida.
ehhh, penúltimo lugar no ranking da iliteracia! somos quase os melhores... haja boas notícias que estes dias só estão para coisas más. quem é o top 3 iliterato?
O teu arqui-inimigo José Luis Peixoto vai estar esta semana no 'Fala com Ela' de Inês Meneses na Rádio Radar. Achei que gostasses de saber...
Enviar um comentário