quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

mais um desabafo sobre música e por aí fora



Às vezes sinto-me fortemente inclinado a concluir que ainda não veio um período de música tão boa como desde o início da década de 90 (antes sim, houve até muito melhores, muito muito melhores). É um período que não inclui só o rock grunge ou indie ou alternativo dos sobejamente conhecidos Nirvana ainda sobrepostos a ecos de heavy metal e rock progressivo (Guns, Metallica) que depois definhariam.

Temos também a electrónica com o revolucionário Blue Lines dos Massive Atack,  os Primal Scream, a formação de uma techno alternativa, o hip hop em força com a Tribe Called Quest, Dr. Dre, Bestie Boys e outros, o melhor dos Red Hot Chilli Peppers, o Dangerous do Michael Jackson (talvez o último álbum relevante do rei da pop) etc. a lista não acaba.

Dizem que o mainstream antes do grunge estava também dominado por "má música". É uma generalização errada, mas é certo que foram os Nirvana que escancararam as portas do "alternativo" para o mainstream e produziram uma pequena revolta cultural que não queria absolutamente nada de especial, não glorificava drogas ou o amor, era apenas um sentimento focado no "eu" enquanto inadaptado e o meu grupo de amigos inadaptados e queremos que a sociedade e as roupas sem buracos e com o tamanho certo se lixem. Era, portanto, maravilhoso e intemporal e que naturalmente o mainstream tratou de filtrar e processar.

O perigo de dizer isto é o de cair naquele cliché do velho cretino que acha sempre que antes é que era bom e hoje é muito mau. E não gosto de cair em clichés. Um dos sinais que corrobora o meu feeling foi a morte da MTV enquanto estação de televisão dedicada à música (hoje é algo para mentecaptos ao nível de participantes da casa dos segredos) e o fim do lugar de destaque que a música pop rock de qualidade tinha nas televisões nacionais.

Não digo que a culpa seja das televisões ou da MTV, não senhor, elas são apenas um reflexo e mesmo nessa época obedeciam a critérios comerciais e de procura e oferta.

O meu feeling é que os € e os $ do mercado da música estão num segmento de pré-adolescentes do sexo feminino e em massas fortemente incultas e insensíveis que tiveram poder compra (também maioritariamente do sexo feminino). Notem que isto não é uma afirmação sexista, é apenas uma constatação da realidade, passa-se o mesmo nos livros, os homens das massas, o povão masculino, compram outras coisas mas pelo menos não compram discos ou livros, não tendo grande influência nos tops de vendas. Também se criaram outros mercados como o infantil. Acho que pais que oferecem aqueles discos do ursinho gummy e do fantasminha brincalhão, deviam ver-lhes retirada a custódia dos filhos. Mas isto sou eu. Um top de tabelas de vendas em portugal dá-me vómitos.

Notem que esta decadência não se reflecte só ao nível do que é divulgado, mas também no próprio "fabrico" das coisas. Um exemplo desta máquina está num livro que li há tempos, um manual de masterização do engenheiro de som Bob Katz, uma daquelas velhas raposas de estúdio, de ouvido apurado. Ele refere vários problemas nos ouvintes actuais, são cada vez mais intolerantes e desabituados a som pouco comprimido e sem afinação automática. As próprias rádios ainda somam mais compressão (as rádios mainstream, como a Cidade, RFM, Comercial etc.) porque sabem que para captar a atenção do ouvinte, ele precisa de ouvir coisas com power.

Do lado da oferta de música, da qualidade geral dos artista, não sei... Há uma fragmentação enorme. Oiço 4 discos novos por semana em média e mesmo assim não sei o que se passa, não entendo nada. Acho que no mainstream não há nada de jeito de forma consistente. A arte é fruto dos seus tempos, mas não é uma coisa democrática, a arte pertence às elites, no caso do rock e da pop, às elites jovens. Depende do contexto destas em cada época e, claro do destino, da divina providência de existir aquela e aquela pessoa na mesma época e tudo aquilo se conjugar e depois em retrospectiva se falar em "movimentos" e a crítica colar rótulos. Uma coisa eu sei quando ouvia rock no início dos anos 90, achava as épocas anteriores extremamente ingénuas (e eu tinha 14 ou 15 anos) e que as pessoas dos 90 eram bem mais lúcidas e evoluídas. E hoje olho para trás e lembro-me de vibrar muito com o Ninja Turtles do Vanilla Ice... Não obstante, mantenho o que aqui escrevi, por enquanto.

10 comentários:

disse...

Quando falas em elites não entendo se falas de elites culturais ou económicas, e provavelmente não importa, porque uma diz respeito a produção ("boa" produção) e outra a consumo. E é a primeira que depende da segunda, por isso adapta-se.

A variedade e a fragmentação de que falas provavelmente estão relacionadas com a facilidade que existe hoje em lançar um "género", se é que isso ainda existe. A própria fusão e indefinição de géneros terá mais a ver com a facilidade de comunicação, pesquisa e partilha (e experiência) que a internet trouxe desde o fim dos anos 90, do que com alguma incapacidade criativa ou de seguir um conceito até ao infinito, ou antes, até ao vómito, como se fazia no século passado. Havia todo o tipo de experiências, mas o mercado pegava numa corrente ou duas porque era mais fácil pegar em modas já estabelecidas, e assim se fazia dinheiro.

Não acho que seja muito estúpido dizer que o formato de mercado actual levou à obscuridade as pequenas editoras, aparecem umas quantas caseiras de que o teu amigo Bernardo B. é exemplo (tenho ideia que o conheces?), que caso tenham produção rentável são compradas ou expropriadas de conteúdo pelos tubarões. Dificilmente hoje encontras editoras com a projecção que a SubPop e a 4AD ou até a Matador dos Pavement tiveram com bandas revelação para o mainstream que já não o eram para um público alternativo, porque hoje, assim que estas surgem (se forem bons para o mainstream), têm logo projecção mundial e mudam forçosamente de editora, provavelmente perdendo-se no trajecto, até por razões de contrato.

Tens razão quanto ao poder de compra, toda o mercado percebeu que os putos é que têm dinheiro e gastam-no às cegas, ao contrário do nosso tempo, que juntavas dinheiro durante semanas para comprar o álbum X, daí que de certeza não ouvisses 4 álbuns por semana quando tinhas 15 anos. Gravavas cassetes dos amigos e seguias uma banda com mais atenção, o que ajudava a essa ideia que tinhas de que aquilo que tu ouvias é que era bom.

Nunca ouvi Pavement na rádio, nem xfm, nem voxx, nem radar, e até esse elitismo dentro do alternativo nos deixava sequiosos de qualquer merda nova que aparecesse na Carbono que se assemelhasse aquilo que ouvíamos. O que não significa que fosse um momento único na história da humanidade.

Enfim, não tenho nenhuma conclusão para este comentário monocórdico. Só queria dizer ainda que a internet te obriga a utilizar outros filtros que antes eram naturais, e agora tens que os criar, porque tens acesso a toda a merda, e naturalmente a única coerência possível de um monte de tralha avulsa é mesmo essa. é uma lixeira.

Anónimo disse...

isto tudo se resume numa frase: a música já não vende! ou, a música é de borla e está disponível instantaneamente - isto decretou o fim da indústria e por isso é que os singles são novamente muito importantes para editoras. ora, quem é que quer ser uma banda de jeito para ser uma banda de singles?

Sherazade disse...

Os livros para gajos, se é que tal coisa existe,

Sou cliente habitual da Fnac Chiado e sempre que vou lá vejo é gajos a babarem sobre a Guerra dos Tronos e outros livros do George Martin, que, aliás, escreve maioritariamente para um público masculino.
Em relação ao 1q84, vi homens de todas as idades ansiosos por saberem se era melhor comprarem o volume integral em inglês ou faseado em português.

Se gosto de ambos os autores?Não. As vendas dos referidos autores impedem - me de comprar o que gosto? Não.

Acrescento ainda que comprei o CD da Adele, da mesma forma que aprecio electro, minimal, synthpop e industrial. Aliás, 2 dos melhores djs e criadores de industrial que conheço são mulheres, por isso a sua generalização ainda me parece mais ...digna do Emproadinho.

Talvez haja mais adolescentes do sexo feminino a comprarem, em vez de sacarem da net, o que me parece algo positivo e não motivos para cortar os pulsos.

Sherazade disse...

Completando a frase: os livros para gajos, se tal coisa existe, seriam melhores que os livros para gajas?

Anónimo disse...

Ocasionalmente voltas às origens (do blog) e escreves qualquer coisa que dá gosto ler. É por isso que, ocasionalmente, continuo a passar por aqui.

Tolan disse...

Zé, falava de elites culturais. E concordo com o que dizes, muito interessante o ponto de termos de ser nós a criar os filtros.

Sherazade, acho que cerca 80% dos livros são comprados por mulheres (os bons e os maus). Logo, os tops são mais determinados pelos volumes de mulheres. Não digo que o que os homens lêem seja melhor. De resto, falei em "massas". Achas que não conheço mulheres com excelente gosto em literatura ou música? :| e gostei do último disco da Adele.

e sim, existem livros para gajas caramba, existem desde sempre. E nem todos têm a qualidade da Jane Austen, infelizmente.

Sherazade disse...

Admito, Tolan, que existem livros "planeados" para um alvo maioritariamente feminino ou masculino, mas já me irrita ler artigos em que alguém se queixa da qualidade dos livros nos tops e depois, para finalizar em beleza, refere que são todos livros para gajas, porque isso dá logo a entender que são uma merda.

Deixei de ler o Blitz,quando ainda era um jornal habitado por pseudo filósofos falhados, porque os críticos só sabiam atirar para o ar umas imbecilidades em que quem era avaliado era o suposto alvo do trabalho, e não o trabalho em si.

Eu também poderia dizer que a "Guerra de Tronos" tem como alvo nerds e geeks do sexo masculino, com fantasias sadomaso e que acreditam que a Idade Média foi o que o Tolkien descreveu no Senhor dos Anéis. Após afirmar isto, podia concluir que tendo em conta o alvo dos livros, estes só poderão ser uma porcaria e deveriam ser queimados juntamente com os livros da Nora Roberts.

É verdade, considero ambos os autores uma merda, por motivos diferentes, mas não pelo seu suposto target.

Perante isto, a verdade é que não compreendo a importância dada aos tops. Se desde sempre houve livros desenhados para públicos especifícos, também desde sempre que não se espera que sejam os bens culturais consumidos pelas elites que figurem nos referidos tops e tal nunca impediu as referidas elites de consumirem o que querem.

Aposto que o top não te leva a comprar o 1Q84, lol, nem te faz ter vontade de ir comprar o CD do David Carreira!

Andreia disse...

Obrigada pelo que escreves! tens posts muito, muito divertidos! e depois, posts como este, que me dizem muito sobre nós, tugas!
Aproveito este post para te deixar uma sugestão musical: The Paperboats! A banda é liderada por um londrino de origens lusas, e os músicos são de Aveiro! malta boa!
o album de estreia chama-se "Surviving the Flood" e foi lançado em Setembro.
está à venda, em exclusivo, nas Fnacs e começou a passar na MTV esta 2ª feira.
Se achares por bem, ouve um bocadinho e diz-nos o que achas!
obrigada!
Andreia
andreiapmtavares@hotmail.com

Anónimo disse...

Elites pop rock? É favor definir. A mim aqui cheira-me a absurdo.

Diego Armés disse...

Juntando o teu texto ao comentário do Zé, deparo-me precisamente com a percepção que tenho do assunto. Provavelmente, não será possível tirar daqui UMA conclusão; mas o que vocês dizem faz todo o sentido para mim. A questão dos filtros é importantíssima para o consumidor (seja do que for) e hoje ainda mais, tal é a dimensão da oferta e do ruído.