A história tem uns quantos artistas geniais que se deixam enredar no hábito de tentar responder às questões que importam, Tolstói é um deles. A certa altura descobre que a raiz de todo o mal está a propriedade por exemplo, idealiza uma vida de peregrino despojado de bens. Tolstói procurava ora na filosofia (racional) ora na religião (fé) uma solução, também deixou de escrever, contrariando os amigos escritores que imploravam para que não o fizesse. Para onde quer que se virasse, não encontrava solução para os seus prórpios problemas (até se tornou, não ateu, mas profundamente anti-clerical e anti-igreja, procurando ter ele próprio a sua interpretação das sagradas escrituras). Em Portugal, Zeca Afonso foi o último artista 'santo'. A questão para ele era 'se eu penso isto, se isto é a verdade, então tenho de levar as coisas às últimas consequências' e então tinha pânico de se comprometer e não ser verdadeiro, num mundo muito cinzento e confuso que o tentava arrastar para um lado ou para o outro e que se preocupava com coisas muito mais prosaicas e práticas.
As questões que importam têm o problema de não terem resposta e qualquer cidadão normal, mesmo um com algumas angústias, ou mesmo um artista qualquer, convive bem com isso.
Podemos pensar em Deus num momento em que vemos um céu estrelado ou num funeral, mas não é que tenhamos de pensar nele 24h por dia ou quando estamos na privacidade do WC e isso se torna constrangedor. Podemos preocupar-nos com os pobres mas não significa que tenhamos de sacrificar a nossa situação e sermos peregrinos sem nada. Conheci uma pessoa assim uma vez, e era uma pessoa tenebrosa, fez isso de dar tudo, mas depois cravava as pessoas para tudo e não se calava com o facto de ter feito isso, tinha muita fé e tentava convencer os outros a fazer o mesmo.
somos só uns pequenos animais, uns bichos. As ovelhas são demasiado burras para irem sequer para a sombra das árvores ali ao pé e muitas morrem de insolação e nós somos assim. E depois alguns armam-se em cão-pastor. Tolstói e Zeca Afonso pensavam que eram parte do rebanho com as suas músicas e livros porque sentiam que não eram compreendidos integralmente ou que aquilo era entretenimento, o que em grande parte é verdade. Mas essas coisas, os seus livros ou músicas, eram pequenas nuvens a passar por cima do rebanho, projectando um pouco de sombra fresca nas existências áridas.
2 comentários:
Tolan, cada vez gosto mais do q escreve.
Talvez as pessoas mais talentosas sejam mesmo as existencialmente angustiadas.
Belo texto q aqui postou!
Um texto, de certo modo, tolstoiano, pois não desiste de repensar na frase seguinte o que disse na anterior. Os nossos cronistas e críticos encartados deviam aprender a escrever assim e não a fazer-nos passar por idiotas.
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