Quando escrevi isto estava a pensar, entre outros, no Francisco José Viegas, uma pessoa que nunca me fez mal nenhum, nem fará (se Deus quiser), mas pela qual sempre nutri uma antipatia séria. É agora Secretário de Estado da Cultura. É jornalista, é uma coisa muito curiosa em Portugal, a quantidade de jornalistas que estão em altos cargos, por exemplo, na administração de empresas ou no marketing. Vejo Viegas como um parvenu que escolheu um ponto diferenciador para ascender: a cultura. Toda a paixão pela lusofonia, particularmente o Brasil, sempre se me afigurou como uma forçada procura de massa crítica aqui na aldeia, uma vez que o Brasil é um mercado gigantesco e uma pessoa que estabeleça uma ponte entre o Brasil e Portugal, pois que tem mais peso na cultura. Não sei se foi o Brasil que procurou Viegas.
Fernando Pessoa ou Camões são como adereços que o ligam a uma história credível e que o distinguem dos outros, mais contemporâneos e superficiais, mais de modas. Sobre Camões nas escolas diz que o problema é político, porque Camões «desde o século XIX que, infelizmente, Camões é sinónimo de patriotismo. Primeiro, pela mão dos republicanos; depois, pela do Estado Novo; depois, alternadamente, ora pela “esquerda cívica”, ora pela “direita das escolas”. De fora fica Camões como um génio a ler, reler e comentar. Às vezes, no Dia de Camões e das Comunidades, apetecia sugerir a leitura do autor de Os Lusíadas – um soneto que fosse, uma redondilha. Hão-de ver que é deslumbrante. » Não sei se o problema de Camões com estudantes é ver-se envolvido nestas considerações mas Francisco José Viegas não hesita. Eles, os senhores das escolas, não compreendem Camões porque não são livres de espírito, são da "esquerda cívica" ou da "direita das escolas". Viegas compreende, está acima disso e não teria dificuldade em ensinar Camões a putos irrequietos. Havemos de ver que é deslumbrante, como Viegas e só Viegas vê. Prevê-se também que Camões deverá ser servido, como um sublime acepipe cultural, nas próximas comemorações oficiais do dia da raça, talvez declamado pela bela voz de barítono de Pedro Passos Coelho sob o olhar beatífico e pestanejante do Professor Cavaco Silva.
Mas não é só em Camões ou Pessoa que Viegas parece procurar aquela mística de ligação com o passado e planar acima do seu tempo ao qual é imune, de charuto na boca (fumar é politicamente incorrecto etc.), qualquer fait divers serve. Por exemplo, a propósito da E. Colli, esfrega as mãos: «Algum dia teria de acontecer — e logo numa quinta de agricultura biológica. Parece que, até agora, as suspeitas acerca do E.coli recaem em amostras que têm sido porta-estandarte da dietética moderna e da «cozinha ilustrada»: pepino, rebentos de soja, beterraba, rebentos de vegetais usados em sanduíches. Sim, faltam a rúcula-bebé (etc.)
Qualquer dia tinha de acontecer, pois evidentemente. Também vamos aguardar serenamente pelo dia em que, não sei, alguém que defende os direitos dos animais maltrata uma criança ou que um ciclista em Lisboa atropela uma velhinha.
Também é fascinante a capitalização que tenta fazer de um misterioso judaísmo para se diferenciar. Um exemplo de fundamentalismo islâmico é noticiado, como a proibição de um beijo ou a obrigação de usar o véu e pimbas, Viegas refere-o e exibe-o a um fantasma de esquerda anti-semita, com a autoridade de ser vítima pois é uma espécie de judeu por usocapião, não é como nós.
Assim, vai sendo politicamente incorrecto. Um observador atento poderia considerar estranho que uma pessoa assim tão politicamente incorrecta e livre e culta chegue a ministro ou secretário de estado em Portugal. A propósito, Vasco Pulido Valente descreve a sua curta passagem pelo parlamento como deputado do PSD focando-se nos urinóis da assembleia que, entupidos, transbordavam de mijo.
*frase de Camões
4 comentários:
Bem-vindos ao longo bocejo trasmontano, variante judaísmo histérico. A cultura é por "tradição" uma área de rompimento com o "estabelecimento", mas vai continua a ser, na cúpula governativa, comandada por "arrivistas" e "águas paradas".
Eu já li Francisco José Viegas e não gostei. Se calhar estou a ser injusta porque só li um livro " Longe de Manaus" onde ele faz, como referes,a ponte entre Portugal e Brasil. Não gosto do livro, mas gosto muito menos da escrita. O Eça, era conhecido pelas suas descrições pormenorizadas, Francisco José Viegas consegue estar uma página e meia a descrever um quarto sem o descrever... ou seja limita-se a elencar coisas que estão no quarto, como se estivesse a inventariar o contéudo do mesmo. Não chega a Nóbel, apenas a bocejo
Bom post político. Uma leitura que concordo em absoluto. E lembro-me que ele, num programa com o Alfredo Saramago, era duma boçalidade atroz. Muitas, muitas ideias feitas e claro, charutos, vinhos, cervejas, manjares, o luxo requintado que poucos entendem. Salvava-se o Saramago, o outro. Depois tem um livro, não me recordo agora o nome, que é uma cópia descarada no estilo do montalban, uma coisa má de tão óbvio.
Mas o pior de tudo é a arrogoncia, pensar-se-ia q um homem da cultura, mais a mais com o dom da cópia, fosse mais dado a dúvidas e ponderações. Não, opina do seu trono como dono da verdade. Só ele percebe, iluminado que é, todos os outros são tristes exemplos da espécie.
Como secretário de estado, obviamente não sei como se comportará, não lhe conheço uma posição sobre monumentos, música, artes de palco, arte contemporânea, ...mas advinha-se um autoritarismo tonto, muito discurso sobre a iniciativa privada (que como sabemos em portugal é só privada) e muito camões. Este senhor podia ser o vereador da cultura do Rui Rio e todos sabemos o que tem sido a cultura no Porto.
Vai ser lindo ver este e o Crato a espetarem-se ao comprido, muitas balelas, muito discurso critico, mas sem ideias profundas para os sectores.
http://nemsemprealapis.blogspot.com/2011/06/porque-net-fornece-um-novo-dia_20.html
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