quarta-feira, 20 de abril de 2011

pensamentos avulsos e confusos

comunhão
Se dois existencialistas, por exemplo, o Vergílio e o Sartre, se encontrarem num café, é possível que um diga ‘epá, sou existencialista, só existo eu’ e o outro diz ‘eu sinto exactemente o mesmo! Só eu existo e sou a verdade! E escrevo livros e milhares de pessoas lêem-nos!’, ‘eu também, eu também!’ diz o outro e depois bebem uns copos e tornam-se grandes amigos. E no dia seguinte acordam confusos, com um certo mal estar, porque perderam um bocadinho do existencialismo. Só com grande esforço de hipocrisia podem pois continuar a pensar da mesma forma.
A comunhão, no sentido não religioso do termo (mas também) é a única fé plausível, a única religião credível. A partilha de algo, um momento, uma comunicação, uma sintonia. Ter um culto como ser católico ou ser do Benfica ou mesmo ser ateu ou ‘existencialista’, insere-nos imediatamente num grupo de gente que partilha connosco qualquer coisa e reduz-nos a um membro de um grupo, o que é bom, deve ser bom e deve ser cultivado.
Quando estamos com um velho amigo, zonzos do bagaço da típica, a fumar um cigarro e a ver os telhados de Alfama à noite e um cargueiro iluminado no Tejo, num miradouro de uma Igreja, isso é um momento de comunhão religiosa, nem pior nem melhor, que uma missa do 7º dia na Praça S.Marcos S.Pedro no Vaticano.

a matilha

A melancolia que pode por vezes atacar-nos num momento de felicidade, por vezes na exacta proporção da felicidade, ao ponto de nos poder fazer chorar. E a felicidade que nos pode acometer num momento de infelicidade, como num funeral, num dia bonito, um pardal num fio de electricidade, uma rapariga bonita que não víamos desde a infância e que brincava connosco a em pinhais selvagens. Isto devia levar-nos a concluir que a felicidade e a infelicidade são, evidentemente, ilusões, como Deus. Porque se fossem reais, manifestar-se-iam com causas e efeitos determinados e lógicos. No extremo, os sentimentos fundem-se um com o outro e positivo e negativo não existem. Somos macacos, um pouco mais espertos, uma pequena diferença genética, nada mais, um defeito que nos faz perguntar 'porquê?'. Só quem não viveu com animais de estimação como cães e gatos pode afirmar que eles não têm alma. E não é certo que não perguntem 'porquê?', a julgar pelo ar confuso de um cão quando, depois de lhe darmos 2 rodelas de chouriço, recusamos dar mais rodelas de chouriço, originando uma pequena poça de baba na alcatifa e grunhidos indignados e que me soam claramente a 'porquê? porquê? porquê?'
A matilha é pois a felicidade.

sorrir ao nada
A liberdade e a ausência de paz começam na solidão. A solidão de não ter um destino comum com ninguém, de ser incompreendido, de não encaixar em lado nenhum. É também um acto egoísta pois ao recusarmos a influência dos outros, estamos também a fechar-nos a eles e a não comunhar das suas tristezas. Se não somos humanos, que efeito causarão em nós as notícias de mortes e tragédias no mundo ou o sofrimento de um amigo com um desgosto de amor? No entanto, a solidão é a única forma real de dor, cujo o único paleativo é a loucura. Definir loucura é difícil, talvez aquele momento em que perdemos o elo com os outros. Ninguém consegue comungar connosco e nós não conseguimos comunhar com ninguém. Nada nos pode fazer ficar tristes ou contentes, a não ser nós próprios e por isso podemos sorrir ao nada, com os olhos abertos, numa ala psiquiátrica do Júlio de Matos, como o meu tio, quando o vi lá pela primeira vez, aos oito anos. Ele sorria, mas eu fiquei triste, porque não era louco.

17 comentários:

Anónimo disse...

caro tolan, o existencialismo não é nada disso

Tolan disse...

não quis definir o existencialismo, mas pelo que leio do Vergílio (e li de Sartre), a cena dele é "Aarrggh ninguém me compreende! São todos simples! PRECISO DE OS ACORDAR! Têm de ACORDAR e compreender o ABISMO! Só assim poderão renascer e viver com VERDADE! ARGHHH! " etc. etc.
Ora se tivermos, não sei, milhares de pessoas a ler isto e a identificarem-se com isto, penso que há aqui um paradoxo. O verdadeiro existencialista é o que fica calado, eventualmente, como o Buda, no seu silêncio.

Tolan disse...

Mas estou sempre disposto a aprender ,._., *orelhas para baixo*

Margarida disse...

Comunhar acaba por nos diluir num todo opondo-se à dimensão individual, única, que o ser humano tem para os existencialistas. É assim que eu vejo/leio/interpreto o seu texto.

LN disse...

anónimo, o que é o existencialismo?

Se não dás Deus às pessoas, dás-lhes o Eu: um abismo muito maior. Está aqui a síntese do existencialismo. O resto são tretas adiposas... desde as alas agressivas do ateísmo até aos corredores transcendentais. O que importa ao existencialismo? Eu, minha força. Eu, minha essência. Eu, minha prioridade.

(e, se responderes, tem em conta: Camus, Nietzsche, Sartre, Kierkegaard...)

binary solo disse...

eu gosto muito deste video:

http://www.youtube.com/watch?v=vV2gmpHmohc

faz de mim um existencialista?

binary solo disse...

parvoice a parte, gostei do que li. esta bem esgalhado sim senhor

Diego Armés disse...

Eu é mais geografia: Praça de S. Pedro, Vaticano. (A outra é em Veneza). You may proceed.

Anónimo disse...

Comunhar ou comungar, eis a questão!

Margarida disse...

Pelos vistos parece q não existe o verbo "comunhar" mas apenas comungar. Eu não sabia. Pela minha parte, obrigada Anónimo.

Anónimo disse...

no existencialismo não há eu, caros! o existencialismo é exactamente essa ausência.

Tolan disse...

epa foi um erro engraçado e eu corrigi-o :)

LN disse...

Uau!, o anónimo, agora é que estonou a pólvora! O existencialismo é não haver Eu! (risos)

anónimo, vá dar banho ao cão, que é capaz de ter mais talento.

Cão disse...

Eu gostava que as pessoas não me andassem praí a dizer para me darem banho constantemente, obrigado, fico com otites :O(

Margarida disse...

Ó Anónimo, desculpe lá mas você está muito confuso ou nunca leu o Sartre já para não falar de Heidegger!

Margarida disse...

"Heidegger,in Sein und Zeit (1927), investigates the meaning of authentic existence, the significance of our mortality, our place in the world and among other people as an individual."

Isabel disse...

Tanta filosofia... comentar o quê? Só sei que os cães têm alma, que a minha matilha me traz felicidade e que sou pouco dada a comunhões, prefiro a solidão.