quarta-feira, 9 de março de 2011

vodka

Custa-me compreender porque motivo mudam de opinião sobre mim se eu sou sempre a mesma pessoa desde que me lembro de ser. Com a morte, as opiniões sobre nós também mudam, perdoam-nos as coisas, fazem-nos elogios fúnebres, o que é um pouco inútil se pensarmos bem, os elogios fúnebres deviam ser feitos em vida, acho que deviam encenar funerais, a pessoa deitava-se num caixão e ouvia os amigos e família a falarem bem dela e depois levantava-se revigorada e toda gente ia para os copos bem disposta.

Quando era puto, antes de adormecer, por vezes imaginava o meu funeral e toda gente a chorar, incluindo o meu cão, a minha mãe, o meu pai, a Inês, a Cristina, a Paula e a Sílvia e a Luísa. E toda gente muito triste e comovia-me de tal forma com essa imagem que por vezes chorava na cama até ensopar a almofada, sem me aperceber que, na vida real, era o único que o fazia por mim, que se comovia por mim - situação que aliás se mantém, num loop de narcisismo que vou tentando controlar e fazer render com a aspiração de escritor.

A minha cadela irrompia pelo quarto adentro e focinhava-me com o nariz húmido e snifs snifs, arrancava-me da letargia e lambia-me a cara e a boca. Depois subia para cima da cama. Gostava de sentir o peso dela, quente, em cima dos lençóis, aos meus pés e o som do seu ressonar pacífico, entre-cortado por suspiros, adormecia-me em paz, eu era apenas um puto com um sabor e um cheiro que lhe era agradável e que por vezes lhe passava enchidos e cartilagens de porco do cozido à portuguesa por debaixo da mesa sem o Dono Grande ver.

Uma boa música, durmam bem (bom dia para a maior parte de vocês)

3 comentários:

Anónimo disse...

Fuck, outro post fantástico. (Suspiro e sinto a inveja a espetar-se nas costas)

Adoro a música. Ouvi-a há pouco tempo. (onde?) Foi talvez num filme. (qual?) Raio do alzheimer...

annie disse...

este deixou-me tão triste.

anouc disse...

Acho que todos temos um pouco esta fantasia. Tinha um amigo que passava o tempo a dizer-me que um dia gostaria de encenar o próprio funeral, só para ver quem ia e quem não ia e quem chorava e quem não chorava.
Quando ele morrer, pelo sim pelo não, vou chorar baba e ranho, não vá ele estar à espreita por detrás de uns arbustos, o cabrão.

p.s. não vou ouvir a música porque neste momento desconfio com temor dos teus gostos musicais, e não quero ficar enjoada outra vez.