Sentado no cais, ao sol, com as perninhas a baloiçar sobre o tejo, forço-me para ler o Portrait of an artist as a young man do enconado do Joyce. De súbito tive uma apoplexia grave, aqueles momentos em que penso "eu não tenho talento, que merda, o que é que estou a fazer foda-se!?" e imagino que os meus últimos 10 anos foram uma anedota de mau gosto, o meu sonho é um sonho é um sonho é um sonho tão ridículo como o dos concorrentes dos ídolos, mesmo daqueles que o ganham.
Há três tipos de escritores. Os maus (não falemos deles) e depois os bons que esmagam e os bons que entusiasmam. O Joyce pertence aos bons que esmagam. Quando leio Joyce fico brutalmente deprimido porque tudo aquilo é uma linguagem e um universo que me é completamente inacessível.
É como ser aspirante a actor porno e calhar ver um video do Peter North. Pior, ler Joyce e tentar escrever o romance no mesmo dia, é como entrar nú num set cheio de gente, com a Jenna Jameson de gatas a ser arrombada pelo Peter North e o realizador e a Jenna Jameson e todos ficarem impacientes comigo porque não consigo ter uma erecção.
O complexo do talento pequeno é forte por estes lados. Tanto é que já tirei os livros que me esmagam todos do escritório onde escrevo e só tenho uma pilha de livros que me entusiasmam atrás de mim. De vez em quando volto-me para a biblioteca e faço um brinde ao Bukowski nosso que está no inferno ou partilho um cigarro com o Boris Vian ou toco no Catcher in The Rye. Eu percebo o que eles estão a fazer, eu gostava de beber copos com eles, eu gostava de ser amigo deles e mostrar-lhes a minha colecção de cartas de magic e se calhar ensiná-los a jogar.
Do Joyce não percebo a ponta de um corno. Não me refiro a perceber o que está escrito, se bem que começa com uma citação em latim do Ovídio ou Orelhio ou como se chama, uma citação em latim que não percebo e nem vem traduzida porque quem gosta de Joyce, sabe latim. Logo a primeira frase. A primeira fase do Bukowski no Post Office é: “this is a work of fiction and its dedicated to nobody”. Isto eu percebo.
O que me custa perceber é a intenção do gajo. Então, é fazer uma obra de arte assim perfeita? Muito bem, epic win senhor Joyce.
Aquilo é doloroso, todas as frases escorrem génio misterioso, mas são como Deus a falar comigo nas igrejas, não o oiço bem, não o oiço, nunca o ouvi, mesmo quando ficava a olhar para Jesus muito tempo na cruz a ver se o gajo me fazia Ok ou um aceno de cabeça, nada. E toda gente parecia ouvi-lo, ou pelo menos, falavam com ele a dar com um pau.
Deste portrait até estou a gostar mais que do Ulysses, é mais perceptível e pelo menos explica porque é que o Joyce era um enconado. Para já, não gostava de desporto e estava sempre a atrofiar e doente. E meteram-lhe o catolicismo e as canções irlandesas deprimentes e soturnas na cabeça, desde tenra idade. Tenho de me lembrar disto para a educação do "filho artista" que quero ter.
10 comentários:
Grande livro.
Não se esqueça do latim... convem que o sue rebento perceba de latim a rodos ;)
J
Deixa lá Tolan, o pessoal também consegue apanhar umas pistas sobre porque é que o Beethoven era genial, mas não deixa de ir ver os concertos dos Vampire Weekend... :)
Ouve, cheguei ao Reye (tu andas a ler muita Hola (e ainda por cima lhe puseste mais um é), e dali não passei. Emenda lá isso, que fica mal neste blogue, além de que o Salinger deve tar a dar voltas, todo incomodado.
Isso foi um lapso, sei que Rye é Rye, passou.
gostei
tenho de pôr um texto que tenho do Henry Miller sobre o Joyce
Caralho, tolan, sabes bem que para se ser assim é preciso morrer para o mundo primeiro. Um bicho esquisito. Faz o filho mas não o metas na escrita, tem por aí artes mais saudáveis, é um aviso.
Oh, mas eu queria... É só um, não faz mal. Só faria isso ao 2º ou ao 3º, dependendo, claro, dos testes psicotécnicos.
há testes psicotécnicos antes de irem para a creche não há?
Devo desde já esclarecer que nunca toquei numa frase de Joyce, apesar de já ter lido muito acerca dele, e todos, invariavelmente, acham-no um grande maluco (doente).
Sim, e tu mesmo podes fazê-lo: espeta-lhe um grande chapo antes do primeiro dia de creche, assim sem motivo nenhum. Se ele chegar aos 19 e escrever uma obra-prima, ai tens o teu desejado "filho artista". Se morreres primeiro, provavelmente foi ele que te assassinou.
Boa, tomei nota! :) obrigado!
Enviar um comentário