quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Aprender a Rezar na Era da Técnica - Gonçalo M. Tavares

Lê-se depressa. Não estou a apreciar. Estou desiludido. Já não lia Gonçalo M. Tavares há 5 anos pelo menos e algo mudou, em mim, ou nos livros dele. Tinha gostado, agora não gosto. Este ganhou o prémio do melhor livro estrangeiro em França. E enquanto escritor, é elogiado a torto e a direito. Tenho sempre a sensação de estar a ler a introdução e já vou a meio. Gonçalo cria uma personagem que é apenas um veículo para reflexões forçadas, previsíveis, académicas e batidas. Sobretudo, não são credíveis.
Curiosamente, os temas sobrepõem-se ao La Carte Et le Territoire do Houellebecq e assim uma pessoa pode perceber porque é que o Houellebecq está noutro patamar. No Aprender a Rezar na Era da Técnica as personagens são bonecos unidimensionais, sem qualquer réstia de mistério ou interesse. Pode passar por intenção inicial, criar uma espécie de "sims" que se movem num espaço cartesiano com o eixo natureza e o eixo sociedade, mas percebe-se que não é opção, é limitação. É um livro desprovido de vida, neutro, inerte. A violência, sexo ou crueldade, descritas de forma fria e indiferente, não me causam o efeito que era suposto causar. Talvez provoquem calafrios a donas de casa entre dois livros do António Lobo Antunes ou a críticos literários que gostam das coisas no sítio do costume com um qb de irreverência para apimentar e ser moderno. E depois repete-se. Penso que já a li a frase "O que mais surpreendera Lenz, não fora a [COISA QUE PELOS VISTOS O LEITOR PENSAVA QUE SURPREENDERA LENZ] mas sim a [COISA QUE AFINAL SURPREENDEU LENZ]" umas quatro vezes. Percebemos a ideia num parágrafo mas ele continua a desenvolver o originalíssimo tema do combate com a doença que vai conquistando orgãos no corpo, ou da criança que teve uma educação muito rígida em que não podia mostrar medo ou era castigada ou dos comportamentos humanos em geral, como a ambição, a subserviência ou o medo. Não há risco neste romance, há apenas uns espamos ocasionais por territórios de absurdo forçado que me parecem a reinterpretação de coisas lidas e familiares. É um ensaio académico linear sobre a condição humana etc. etc. Desde o título, pretensioso, ao próprio uso de nomes forçados como Lenz Buchmann para criar um vazio de referências, tudo é consciente e pensado. Do Gonçalo M. Tavares, não há nada. Nem uma linha. Não tem voz literária. Não existe. Se ao menos houvesse um erro, uma vírgula mal posta, poderíamos dizer "ah, cá está o Gonçalo M. Tavares", mas não, aquela merda está escrita de forma perfeita, inteligente e escorreita e lê-se bem, como aquelas pautas de música barroca escritas por um computador com um algoritmo matemático inspirado nas obras de Bach.

18 comentários:

Anónimo disse...

quando leio este blogue, tenho pena. Tenho pena de ter transformado o meu num diario, sem cuidado com as palavras, os acentos ou a pontuacao.
Tenho pena que o Tolan ande ja com uma sirigaita que nao percebe nada destas coisas e mal sabe ler.
(suspiro)

Edgar V. Novo disse...

A mim nunca me deu para ler os escritores portugueses da nova geração.

Não sei se faço bem, se faço mal.

Mas pelo que li aqui, posso continuar assim que nada ando a perder.

Helena Barroso disse...

Descobriu que o GMT é um mau escritor. GMT é um mau escritor do início ao fim da sua obra. E a sua crítica está bem feita.

Pedro Góis Nogueira disse...

Nunca li Gonçalo M. Tavares, mas esta crítica vai um pouco de encontro ao que eu imaginava. Tenho de comprovar, está visto. Ao falares da "voz literária" lembrei-me logo do Vasco Pulido Valente ter dito que a maioria dos escritores portugueses não têm voz nenhuma. Em relação a alguns casos (como por exemplo a Agustina) discordo, mas em termos de auto-promoção são todos muito bons...

Pedro Góis Nogueira disse...

Não que não façam bem em promover-se, devem fazê-lo, não é esse o ponto...

o anão gigante disse...

«A vida, apesar de tudo, é fácil. Numa rotunda.»*

Contraproposta:

A leitura é uma auto-estrada. A minha saída é já a seguir ao prefácio.**


*Publicidade a livro de Gonçalo M. Tavares na revista Ler.
** Ninguém parece ter notado, mas, a obra publicitada não inclui prefácio. Não quis ser deselegante e mencionar a saída logo após o ISBN.

Aladdin Sane disse...

oh não. tanta gente a dizer mal do escritor, uns porque estão a acabar de ler, outros porque ouviram dizer e afinal confirma-se o que afinal não sei ainda e nunca descobrirei.

acabei de o ler há dez dias, e o tb tem toda a razão. bom, não li essa obra do houellebecq (pode ficar ulebéque?), mas ele consegue ser "agradavelmente" cínico, o ule, e o gonçalo leva-se demasiado a sério.

mas!!! turbo-diesel. mas isso não apaga a qualidade do jerusalém, que li duas vezes - e vi a peça d`o bando.

sugestão: peguem em 20 euros e comprem a tetralogia "o reino" na bertrand. claro que não vão gostar do "aprender a ler...", mas o jerusalém "compensa". sobre os outros dois, estou prestes a descobrir.

Aladdin Sane disse...

à saída do espectáculo d`o bando, dobrei a esquina e vi um gato morto no passeio. um dos olhos saltara-lhe da órbita, como nunca vira. acreditem que por momentos pensei tratar-se de um adereço d`o bando! (eu é que andava a precisar de tratamento).

Tolan disse...

Já li o Jerusalém, foi o tal de que gostei, há uns 4 ou 5 anos.

Maat disse...

donas de casa a ler Lobo Antunes? mas tu conheces mesmo algum caso destes ou mandaste para o ar? eu tinha mais a ideia que elas liam a Maria ou a Margarida Rebelo Pinto, Nicholas Sparks e outros que tais. se calhar, isso é só no meu mundo...

Diogo C. disse...

Pah, acho importantíssimo que se diga isso do GMT, isso de não se ver GMT nenhum nos livros. O humanismo, não há, apesar de ser boa pessoa. O GMT é mais cientista do que artista. De artista não tem nada. Ou terá, mas é demasiado formal. Os livros dele são ciência do transcendente da alma ou dessas coisas assim, reutilizada a partir de referências tão visiveis que chegam a ser vergonhosas. Mas é um tipo com talento e que trabalha e portanto merece os aplausos. Olha, eu não me dava ao trabalho disso, por exemplo.

ana disse...

Já li cerca de 4 ou 5 livros do M. Tavares e gostei muito de todos eles. Comecei a ler este há umas semanas e foi, se me permites, exactamente isto que comentei (naturalmente por outras palavras):
"(...)e algo mudou, em mim, ou nos livros dele. Tinha gostado, agora não gosto. (...) Gonçalo cria uma personagem que é apenas um veículo para reflexões forçadas, previsíveis, académicas e batidas. Sobretudo, não são credíveis." Concordo plenamente. Mas para mim é uma desilusão. Tavares é (ou era) o melhor escritor desta nova geração, brilhante pela qualidade do que escreve em tão massiva quantidade de livros (e em tão pouco tempo). Terá morrido o escritor?

Tolan disse...

LN, concordo e gostei disso do é mais cientista do que artista.

Ana, pode ser uma fase má, ampliada pelo facto de se meter em trilogias. Todos os escritores muito produtivos fazem livros muito maus de vez em quando, é normal, o importante seria não transformar isso num padrão de decadência ou repetição.

Anónimo disse...

"Dá vontade de bater a uma pessoa que escreve tão bem na casa dos 30" António Lobo Antunes
"Seguramente prémio nobel nos próximos anos" José Saramago
Será que estes dois senhores estão enganados?
Será que tem autoridade de dizer o que dizem?...

Tolan disse...

Têm a mesma autoridade que eu ou tu. Elogiam o Gonçalo Tavares porque ele é neutro e não uma ameaça à imortalidade de cada um deles, numa fase em que o talento de ambos (lobo e saramago) estava já em claro declínio. O Saramago e o Lobo Antunes não se suportaram a vida toda e amuavam frequente, desdenhando a obra um do outro (e eram claramente os dois melhores escritores vivos). Portanto, se o Lobo Antunes não consegue reconhecer no Ano da Morte de Ricardo Reis uma obra prima e o Saramago detesta o Lobo Antunes talvez por este ser crente, não sei.

Tiago M. Franco disse...

Não podia discordar mais sobre a vossa opinião relativamente a esta obra. Concordo quando afirma que "Gonçalo cria uma personagem que é apenas um veículo para reflexões forçadas", só que ao contrário de si, vejo nesse processo de criação literária a genialidade do autor. São muitas as passagens que lhe poderia referir desta obra, mas olhando para os recentes distúrbios em Londres, veja como o autor é extremamente contemporâneo " Lens não tinha ilusões: só não entrava numa qualquer rua da cidade com a mesma cautela e com a arma preparada para disparar porque, naquele outro espaço, algo ainda inibia o ódio: a mútua vantagem económica."

Tiago M. Franco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Concordo com tudo que foi dito; é uma literatura forçada.