segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

elas não percebem nada de arte

Depois de um interregno dedicado às rotinas agradáveis do amor, como comprar mantimentos frescos no Pingo Doce, adormecer a ver filmes com o Hugh Grant e ouvir uma pessoa a falar comigo sobre o que a Fernanda lhe disse a propósito do Alberto que é um grande parvo em não namorar com a Roberta da recepção, eis que é chegado o momento de recomeçar uma vida artística de grande escritor. Foi uma resolução de ano novo. Essa e fazer inspecções sanitárias ao frigorífico pelo menos uma vez por mês. Tenho um romance inacabado, um monstro de 191 palpitantes páginas a esperar o meu esforço e dedicação de grande artista. O problema é que para me sintonizar para o romance, preciso de sofrer a sério. Sofrer a bom sofrer, não tanto como um poeta ou o Torres Couto, mas mesmo assim sofrer. Portanto, a única forma de compatibilizar relações amorosas e arte é por intermédio de relações atribuladas ou de casamentos e a natural infelicidade que vem com o tédio da rotina. A fase do namoro e do encantamento é totalmente incompatível com criação de valor. Qualquer aprendiz de escritor sabe isto muito bem à primeira discussão com o tópico “mas vais ficar em casa outra vez o fim de semana todo?”
É evidente que num casamento, este problema já não se coloca porque a mulher já se cansou de sair à noite e também já não é tão bonita e não está para se meter ao pé de miúdas universitárias todas produzidas e empinadas, preferindo rever-se na Bridget Jones no canal Hollywood.
Ontem, tive o ímpeto de a mandar embora de casa para escrever, para criar. Ela arrumou as suas coisas, furiosa, e mal a porta bateu senti-me profundamente triste e culpado e sozinho. Finalmente! Fui a correr para o computador para aproveitar o estado de espírito e ainda escrevi uns parágrafos bons. Telefonei-lhe depois para pedir desculpa, até porque ia jogar playstation e não se justificava continuar atrofiado, mas não me atendeu. Não há crise. Combina-se uma ida ao playcenter do Colombo, ela adora o bowling. Safo-me sempre. As mulheres em geral gostam muito de artistas como eu porque temos um olhar intenso e febril, com aquela densidade e paixão que caracteriza os mártires. Embora o objecto do nosso desejo seja um mistério ainda por definir, elas gostam de se colocar entre o objecto e o artista, de maneiras que o olhar incida sobre elas, no fundo, como um guaxinim encadeado pelos faróis de uma Nissan Patrol antes de ser esborrachado. A Princesa tem exactamente esse olhar quando lhe falo dos meus projectos confusos e das dificuldades que se avizinham e suspeito que não compreende metade do que lhe digo, até porque no outro dia referiu-se a dois misteriosos livros que lhe terei recomendado, um tal de “Crime e Paz” e um “Guerra e Castigo”.

13 comentários:

Tolan disse...

resolução de ano novo dos comentadores do Tolan: não comentar o Tolan.

Pronto. Combinaram todos uns com os outros foi?

Anónimo disse...

Adorei este texto e o autor é genial.

Tolan disse...

Obrigado.

Tolan disse...

o facto de ter decorrido menos de 1 minuto entre os dois comentários anteriores é mera coincidência.

Anónimo disse...

Não é nada.

Rosa Cueca disse...

Por "olhar intenso e febril" queres dizer, com fortes tendências maníaco-depressivas e uma possível ligação afectiva com objectos cortantes?

Tolan disse...

Sim @_@

Poetic Girl disse...

E não é que é verdade que os melhores textos saem quando estamos tristes, sozinhos e deprimidos? adorei o post! bjs

Anónimo disse...

Há blogs (posts) que, de tão bons se tornam difíceis de comentar, mesmo tendo a caixa de comentários "à disposição". (este blog e o do Mak são dois excelentes exemplos disto mesmo)

Posso ser uma seguidora silenciosa mas sou uma excelente RP do blog, pois sempre que falo com alguém sobre blogs este(s) são, sem dúvida nenhuma referência aos bons momentos de leitura que se pode ter na internet.

As situações descritas em alguns dos posts são tão estranhas que, ou tens uma grande imaginação ou só podem mesmo ser verdade!

Parabéns, mesmo!!

Isabel

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto!
(se bem que os ditos livros não são nada originais...)

sushi mata disse...

andas mal habituado.;) bom ano!

Anónimo disse...

resolução de novo ano: devolver os pedais de wah-wah aos respectivos donos. continuas genial! concordo plenamente ctg, ng consegue criar nada a menos que esteja miserável... o q é uma chatice porque a minha namorada me dá mtas alegrias...

Anónimo disse...

és nojento

essa tristeza, pica, whatever, tem de ser sincera