segunda-feira, 15 de novembro de 2010

uma boa tarde de poker

Finalmente fui ter a casa dela, a minha amiga que foi mãe recentemente. Mora com o filho num bairro com muitos mantorras, daqueles ao lado do IC19. Os prédios são todos grandes e iguais e as ruas inóspitas e grafitadas e para piorar o cenário, há um LIDL. Os LIDL dão-me calafrios. A polícia de choque faz a ronda em carros blindados. Conduzi com cuidado, mantendo-me alerta e com as regras de prevenção do carjacking bem presentes. Trancar portas, manter uma distância grande do carro da frente e não parar nos sinais vermelhos. Perdi-me e só consegui encontrar a sua casa porque  me fez sinais da janela do prédio, com uma bandeira de portugal do euro 2004.
Saí do carro com a malinha das fichas de poker. No átrio ouvem-se discussões, gritaria, bêbados irados, galinhas vivas a cacarejar e pretas a rir em rituais de macumba. Entro em sua casa, pede-me desculpas pela desarrumação inexistente. Há brinquedos de bebé, fotografias de bebé, comida de bebé, carrinhos de bebé e, surpreendentemente, um bebé. Mandamos vir uma pizza, temos de telefonar a 3 companhias e só depois de muita insistência conseguimos que um rapaz corajoso nos venha fazer a entrega. Fumo um cigarro à janela porque ela odeia fumo. O rapaz da pizza chega meia hora depois, branco como a cal e a transpirar. Quando nos vê, suspira de alivio, diz que já foi alvejado uma vez naquele preciso bairro porque "disseram para não meter anchovas e meteram anchovas, mas eu só entrego as pizzas, a culpa não foi minha". Pagamos-lhe e ele despede-se. Uns instantes depois ouvimos gritos na rua, uma mota a acelerar, tiros e depois silêncio.
Almoçamos. Fala-me da vida difícil que tem, os 3 empregos, as dívidas, o vizinho de cima que às vezes bate à porta às 4 da manhã a gritar "ABRE ARMINDA! ABRE A PORTA!" (ela não se chama Arminda). Dá-me o bebé para o colo, pesa uma tonelada. "Tem pulgas?" pergunto. Fica ofendida. Fica muito bonita quando se ofende. Depois do almoço, ensino-lhe a jogar poker. Insisto para que se jogue a dinheiro. Primeiro não quer, diz que está só a aprender, mas insisto mesmo muito e ameaço ir-me embora. Concorda, depois discutimos os montantes e por fim chegamos a acordo, vamos jogar a 20€. Ela perde depressa o primeiro jogo. Jogamos outro, dura mais tempo, ela tem sorte aqui e ali, mas eventualmente acaba por perder mais 20€. Pergunto se ela quer ir levantar mais dinheiro e ela acha melhor não jogar mais, diz que não vai perder mais dinheiro e que já acha inacreditável eu estar mesmo a falar a sério quando digo que vou ficar com os 40€, responde-me que pensava que era a brincar. Pergunto-lhe se não quer apostar qualquer coisa, a televisão ou a aparelhagem. Já disse que ela fica muito bonita quando se ofende? Nisto, os meus olhos cruzam-se com os do miúdo, vai fazer um ano agora. Tem olhos grandes e bochechas rechonchudas. Sinto um peso na consciência. Devolvo 5€ à mãe. Ela não os aceita e expulsa-me de casa.
Volto pelo IC19, a acelerar e a ouvir o relato do Benfica Naval no rádio. Ainda chego a tempo de ver o golo do Nuno Gomes. Foi bonito. 35€ de lucro, descontando o combustível, foi bom. Vou estoirá-los em marisco no Ramiro. O importante, no poker, é a selecção de mesa e de adversários mais fáceis.

4 comentários:

Sophia disse...

Próximo fim de semana, lar de idosos? (confirma se receberam da caixa geral de aposentações e que tenham mais de 90 anos)

Peter of Pan disse...

Porra, muito bom! Se bem que podias ter sido menos piedoso e sacar mais uns quantos euritos à rapariga...

Bom texto! :)

Isabel disse...

Gostei,mas espero que nãoo seja verdade (essa parte de cobrar os 35€ a uma amiga com problemas financeiros)!

Miguel disse...

E não a comeste, meu maricas??