domingo, 7 de novembro de 2010

pensou que ia morrer

Este Ask The Dust do John Fante junta-se a uma lista interminável de romances sobre escritores e escrever. Digamos que qualquer escritor que pense «além de nós, só existem as nossas experiências» e que «o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais» (página wikipedia sobre o solipsismo) vai inevitavelmente falar sobre escrever, estar desinspirado e lutar contra os seus demónios. O Hemingway tem de atribuir ao explosive expert Robert Jordan do For Whom The Bell Tolls o inesperado desejo de um dia escrever um livro e a improvável profissão de professor de espanhol para estrangeiros. E depois há romances negros como o fantástico Tough Guys Don't Dance do Norman Mailer em que, apesar de não abordar a escrita, a personagem é um escritor que não escreve, apenas escreveu, em tempos. No cinema também há excelentes exemplos (adaptation, barton fink etc.) A força desta opção é a diluição da fronteira entre a ficção e a realidade do escritor que escreve a ficção. Não forçosamente autobiográfica (mas muitas vezes sim), isto legitima a obra na medida em que ela é verdadeira. No Ask The Dust isto é levado ao extremo, a ficção surge num efeito telescópico, o John Fante está num tempo ligeiramente adiantado ao tempo da ficção, como se a relatasse. Um exemplo curioso é a sua descrição do quase afogamento do protagonista e narrador (e escritor) no oceano pacífico, ao tentar salvar uma mexicana nua. A meio do afogamento no mar, com toda a tensão e dramatismo da cena, o narrador culpa-se um pouco pelo facto de estar a escrever uma cena em que leva o leitor a acreditar que vai morrer, sendo que, se a está a contar, é porque não morreu. Mas pensou mesmo que ia morrer, diz ele, desculpando-se.

1 comentário:

André C. disse...

Este vai já para a lista de próximas leituras.