quarta-feira, 17 de novembro de 2010

o que é que eu sou?

O que é que eu sou? Toda a minha vida é uma sucessão de curiosidades que são avidamente satisfeitas a custo de estudo e experimentação. Não implica que eu realmente saiba de um assunto a fundo. Satisfeita a curiosidade, teórica ou empiricamente, mudo para outra. Isto, ao fim de décadas, resultou num ser bastante híbrido e desfocado com uma enormidade de hipóteses permanentemente abertas e num campeão imbatível no Buzz.

Felizmente, com o avançar do tempo, alguns caminhos vão-se fechando sem eu poder fazer nada quanto a isso. A maior parte deles não me faz grande diferença. Outros, como o poker profissional, implicavam uma dedicação e um esquema mental incompatível com a escrita por exemplo. Desistir do poker profissional foi algo bem visto, especialmente pela minha mãe.

Mas outras desistências fazem diferença séria, como a profissional/empresarial. Notem que considero uma desistência a ausência de ambição. Podemos ter um emprego e servi-lo, desistindo. Podemos ser professores, economistas, médicos, mas se não tivermos uma ambição, uma paixão por aquilo, se não estudarmos aquilo, somos a mesma coisa que um robot miserável, como a maior parte das pessoas, aliás, encara o seu emprego.

Tive ocasião de ser empresário ou de tentar, e por vezes tenho boas ideias, mas não me vejo ancorado a uma decisão dessas, ao stress e dedicação e ambição que isso implica. Sobretudo, não me vejo a deixar de fazer o resto. E porquê? Por um estímulo material? Eu tenho tudo o que preciso pelo que me posso dar ao luxo de dizer que não sou materialista.

A escrita surgiu-me como a única coisa suficientemente vaga e ampla em que posso depositar as ilusões, também elas, vagas. É de longo prazo, pelo que é complicado perceber depressa que somos maus. Talvez aos 56 anos, ao me diagnosticarem o cancro no pâncreas, eu diga: "foda-se, devia ter escolhido o poker senhor doutor".

O problema, muito sério, é que uma pessoa precisa de dinheiro. E por isso trabalho durante o dia e estou cansado à noite. O stress intromete-se na minha vida, o meu esquema mental altera-se de dia para dia e tudo isso complica seriamente a escrita de algo como um romance que é uma coisa de longo prazo, uma maratona. Não sou de ferro. Chego à noite e apetece-me genuinamente brincar ao blog, jogar playstation, ver videos engraçados e conversar no chat. Além disso, que motivação material tenho se a questão do dinheiro na escrita é utópica? É que mesmo o John Fante em 1931 recebia 150 dólares por um conto publicado numa revista obscura, dava-lhe para meses. Quantas pessoas, em Portugal, lêem os livros que eu gostava de ter escrito? De tantos países disponíveis, a minha mãe havia logo de ter casado com um português.

Mas há coisas que me dão gozo, nem tudo é mau. Em primeiro lugar, as pessoas que fui conhecendo. Em segundo, o que aprendi na escrita tornou-se-me muito útil. Ao ir criando uma voz mental que sai por impulso instintivo, não só nas tentativas de romances, como no blog, também me vou descobrindo. Sou muito curioso e a última curiosidade, o último assunto, sou eu, quem sou eu. Daí que por vezes tenha uma reacção negativa a mim próprio, como se eu próprio me desiludisse. Talvez eu escrevendo descubra, pelo menos isso, que não sou escritor. E quando fechar os olhos, no último de sopro de vida num hospital, ligado a uma máquina indiferente, saberei que não me será erguida uma estátua de mármore no Largo de Tolan.

6 comentários:

Beatrix Kiddo disse...

o q é que costumas jogar? (comentar um texto destes com a perguntinha sobre a última frase, tsc tsc)

Tolan disse...

Merda, por acaso apaguei a última frase agora (é provável que apague o post todo). Agora, Batlefield 2 e Final Fantasy XIII. :)

Maat disse...

Mas porque estás tão convencido que hás-de morrer numa cama de hospital?

Tolan disse...

Porque preciso de tempo para pensar um pouco nas coisas Maat. Não vou morrer de certeza num acidente de carro ou com um piano a cair-me em cima.

Pólo Norte disse...

És um sortudo: o senhor do Adeus trabalhava muito mais que tu a acenar a atorto e a direito e o máximo que conseguiu foi uma proposta de estátua no Saldanha.

Tolan disse...

A primeira vez que vi esse gajo foi no metro. Eu estava sentado num lugar, numa carruagem vazia e o gajo veio sentar-se ao meu lado. O tipo lambeu os beiços, começa a roçar a perna e eu levantei-me e saí na estação seguinte. Tinha chegado a Lisboa há pouco tempo, da província.