O que é que eu sou? Toda a minha vida é uma sucessão de curiosidades que são avidamente satisfeitas a custo de estudo e experimentação. Não implica que eu realmente saiba de um assunto a fundo. Satisfeita a curiosidade, teórica ou empiricamente, mudo para outra. Isto, ao fim de décadas, resultou num ser bastante híbrido e desfocado com uma enormidade de hipóteses permanentemente abertas e num campeão imbatível no Buzz.
Felizmente, com o avançar do tempo, alguns caminhos vão-se fechando sem eu poder fazer nada quanto a isso. A maior parte deles não me faz grande diferença. Outros, como o poker profissional, implicavam uma dedicação e um esquema mental incompatível com a escrita por exemplo. Desistir do poker profissional foi algo bem visto, especialmente pela minha mãe.
Mas outras desistências fazem diferença séria, como a profissional/empresarial. Notem que considero uma desistência a ausência de ambição. Podemos ter um emprego e servi-lo, desistindo. Podemos ser professores, economistas, médicos, mas se não tivermos uma ambição, uma paixão por aquilo, se não estudarmos aquilo, somos a mesma coisa que um robot miserável, como a maior parte das pessoas, aliás, encara o seu emprego.
Tive ocasião de ser empresário ou de tentar, e por vezes tenho boas ideias, mas não me vejo ancorado a uma decisão dessas, ao stress e dedicação e ambição que isso implica. Sobretudo, não me vejo a deixar de fazer o resto. E porquê? Por um estímulo material? Eu tenho tudo o que preciso pelo que me posso dar ao luxo de dizer que não sou materialista.
A escrita surgiu-me como a única coisa suficientemente vaga e ampla em que posso depositar as ilusões, também elas, vagas. É de longo prazo, pelo que é complicado perceber depressa que somos maus. Talvez aos 56 anos, ao me diagnosticarem o cancro no pâncreas, eu diga: "foda-se, devia ter escolhido o poker senhor doutor".
O problema, muito sério, é que uma pessoa precisa de dinheiro. E por isso trabalho durante o dia e estou cansado à noite. O stress intromete-se na minha vida, o meu esquema mental altera-se de dia para dia e tudo isso complica seriamente a escrita de algo como um romance que é uma coisa de longo prazo, uma maratona. Não sou de ferro. Chego à noite e apetece-me genuinamente brincar ao blog, jogar playstation, ver videos engraçados e conversar no chat. Além disso, que motivação material tenho se a questão do dinheiro na escrita é utópica? É que mesmo o John Fante em 1931 recebia 150 dólares por um conto publicado numa revista obscura, dava-lhe para meses. Quantas pessoas, em Portugal, lêem os livros que eu gostava de ter escrito? De tantos países disponíveis, a minha mãe havia logo de ter casado com um português.
Mas há coisas que me dão gozo, nem tudo é mau. Em primeiro lugar, as pessoas que fui conhecendo. Em segundo, o que aprendi na escrita tornou-se-me muito útil. Ao ir criando uma voz mental que sai por impulso instintivo, não só nas tentativas de romances, como no blog, também me vou descobrindo. Sou muito curioso e a última curiosidade, o último assunto, sou eu, quem sou eu. Daí que por vezes tenha uma reacção negativa a mim próprio, como se eu próprio me desiludisse. Talvez eu escrevendo descubra, pelo menos isso, que não sou escritor. E quando fechar os olhos, no último de sopro de vida num hospital, ligado a uma máquina indiferente, saberei que não me será erguida uma estátua de mármore no Largo de Tolan.
6 comentários:
o q é que costumas jogar? (comentar um texto destes com a perguntinha sobre a última frase, tsc tsc)
Merda, por acaso apaguei a última frase agora (é provável que apague o post todo). Agora, Batlefield 2 e Final Fantasy XIII. :)
Mas porque estás tão convencido que hás-de morrer numa cama de hospital?
Porque preciso de tempo para pensar um pouco nas coisas Maat. Não vou morrer de certeza num acidente de carro ou com um piano a cair-me em cima.
És um sortudo: o senhor do Adeus trabalhava muito mais que tu a acenar a atorto e a direito e o máximo que conseguiu foi uma proposta de estátua no Saldanha.
A primeira vez que vi esse gajo foi no metro. Eu estava sentado num lugar, numa carruagem vazia e o gajo veio sentar-se ao meu lado. O tipo lambeu os beiços, começa a roçar a perna e eu levantei-me e saí na estação seguinte. Tinha chegado a Lisboa há pouco tempo, da província.
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