sexta-feira, 6 de agosto de 2010

kafkiano

Kafka consegue criar uma angústia tremenda no leitor porque a personagem principal tem acções que são inesperadas e contra-intuitivas. Cria em nós uma sensação de pesadelo em que fazemos coisas que, racionalmente, não faríamos, como entrar numa sala escura, saltar de um penhasco para um mar tempestuoso, não conseguir fugir de um Garfield de peluche com espirais vermelhas nos olhos (não perguntem) ou não interagir de forma normal com pessoas conhecidas. E quando acordamos pensamos no sonho e estranhamos o nosso comportamento, parece ter sido ele a causa da nossa desgraça. Quando as relações entre pessoas chegam a um ponto de ruptura, como acontece em casais ou famílias, parece que entramos no domínio de Kafka. Tudo o que dizemos ou fazemos está condenado a encaixar numa conspiração contra nós, é combustível para que nos queimem. Nos livros de Kafka, sempre que a personagem julga começar a ter algum poder, felicidade ou estabilidade, depressa tudo se desmorona e se inverte. Na literatura, apenas Knut Hamsun conseguiu arrancar o mesmo tipo de angústia, de estranhamento total do leitor face ao narrador. Num pesadelo a única coisa a fazer é evitar movimentos, como um homem preso em areias movediças. O silêncio acaba por ser a única resposta que não nos compromete e nos deixa, inequivocamente, ao sabor da vontade dos outros.

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