sexta-feira, 31 de maio de 2013

perdeu-se qualquer coisa nos montes

 

German singer/songwriter Sibylle Baier's one contribution to the early-'70s underground folk scene was recorded in her home on an old reel-to-reel machine. Her earnest and stoic vocals, as well as her reflective compositions, were comparable to contemporaries such as Nico, Vashti Bunyan, and Anne Briggs, but the accomplished actress, painter, dancer, and seamstress chose to focus on her growing family rather than pursue a career in music. In 2004, her son lent a copy of his mother's home recordings to Dinosaur Jr.'s J Mascis, who in turn saw that it found its way to Athens, GA, record label Orange Twin. Colour Green was made available to the world the following year. all music guide

cojones XXL

Teahupoo, no Tahiti, é o santo graal do surf. Caracteriza-se por ter um recife poucos cm abaixo da superfície da água (chega a estar a apenas 50cm) e por criar uma onda rápida e pesada com mais água no tubo (muito mais) do que em baixo, o que a torna muito perigosa e difícil. Apesar das mortes serem raras (duas registadas), os ferimentos graves são comuns e só mesmo surfistas de topo a podem enfrentar nos dias mais pesados.

 A 13 de Maio de 2013 registou-se um dos maiores swells de sempre. São acontecimentos raros, depende da combinação de vários factores (tempestades) e duram um dia. O maior anterior tinha sido em 2010 e o de 2008 deu o filme Code Red, um clássico no género, o que confere a estas sessões o direito a pertencerem à mitologia do surf. Mesmo dentro da sessão, as ondas variam bastante de tamanho e por vezes, pelo meio, há umas raríssimas freak waves monstruosas como esta:

 Minha nossa Senhora...


 Neste video em bruto da sessão, temos uma onda aos 9:20 que é bem capaz de ser a maior de sempre em Teahupoo. Aterrador e pedagógico para quem considerar que a arte tauromáquica é o supra-sumo dos cojones.

Aqui imagens espectaculares, mas sem a onda monstra dos 9:20 do video acima.




quinta-feira, 30 de maio de 2013

tchip tchip

Agora temos twitter também, para activar as novas tecnologias.
Podem seguir-me ali na barra lateral -->
Já agora, alguém me diz qual é o twitter do maradona da Causa Modificada?
Agradecido!

hey, ciências da educação, leave those kids alone

Como sou do género de falar sem saber, é um facto que o Plano Nacional de Leitura já inclui uma lista bastante extensa de autores muito diversificados (embora, graças a Deus, sejam leituras facultativas). Claro que poderia questionar porque motivo estão lá três livros do Manuel Alegre, incluindo o essencial livro de crónicas O futebol e a vida - Do Euro 2004 ao Mundial 2006. Ou cinco livros do Mia Couto (há assim tão poucos escritores para preencher o slot africano lusófono?) Ou  um livro do portento que é o Gonçalo Cadilhe que está para a literatura de viagens como a Filipa Vacondeus para a gastronomia mundial. Pelo meio, não falta a nova literatura portuguesa incontornável e os seus incontornáveis nomes, lado a lado com os irmãos mais velhos Eças e os Pessoas, todos no cestinho do incontornável que, como se sabe, é infinito e eterno, pois o tempo nunca apaga escritores que nas respectivas épocas são amplamente consagrados e incluídos em listas organizadas por comissões de especialistas governamentais, como sucedeu com os eleitos Pessoa, Eça ou Camões, amplamente reconhecidos pelos Planos Nacionais de Leitura das suas épocas, pelo gosto do público da época e pelos prémios Camões da época. A lista é engrossada com a farinha maizena de uma quantidade surpreendente de autores juvenis portugueses lado a lado com nomes como JK Rowlings que, como se sabe, se não fosse o Plano Nacional de Leitura e a capacidade dos ministérios em identificar autores talentosos e obscuros, seria completamente desconhecida do público português. É bonito o fairplay e deixar que autores estrangeiros possam também ter alguma hipótese aqui.

Mas nem era disso que queria falar, até porque uma lista é sempre subjectiva. Quem sou eu para sugerir para a mesma o primeiro livro de crónicas do António Lobo Antunes ou um de primeiras crónicas do Miguel Esteves Cardoso, por exemplo, por troca com as crónicas do Alegre? Ninguém. O Alegre tem uma dimensão Simbólica / Histórica que dá matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro. Aprendi a dizer isto porque li uma Síntese da matéria para um exame de português do 12º ano e fiquei a saber que lendo o Memorial do Convento do Saramago, os meninos têm de caracterizar uma dimensão Simbólica/Histórica e responder que no Memorial do Convento há uma intenção de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégica discursiva para olhar a actualidade. A história torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro.

Tão pequeninos e já têm de se exprimir na novilíngua Orweliana dos políticos. E a propósito de Orwel... não, não falo mais na lista.

Confesso que isto me passou ao lado quando li o Memorial do Convento e se calhar por isso é que apreciei o livro. Mas pelos vistos, Fernando Pessoa é o prato forte do 12º ano. Que o Fernando Pessoa é incontornável, estamos todos de acordo. Digamos que o Peixoto e o Valter da lista do Plano Nacional de Leitura são como que um encosto de Nissan Vanete na traseira de um Opel Corsa comercial a ocupar uma faixa da direita no IC19. Por enquanto não são incontornáveis porque não estão no programa, só na lista do PNL. Em fazendo pisca e metendo a mão de fora da janela, dá para mudar de faixa e seguir em frente. Mas o Pessoa é uma espécie de acidente épico no tabuleiro da ponte poética portuguesa. Não dá para passar por ele a tempo de também espreitar outros poetas. Não, fica-se ali horas preso no carro, a esmiuçar-lhe os heterónimos todos e ainda a Mensagem e saber que a 3ª fase de Álvaro de Campos se caracteriza por ter  Traços estilísticos: Verso livre em geral muito longo Assonâncias, onomatopeias, aliterações Grafismos expressivos Mistura de níveis de língua Enumerações excessivas, exclamações, interjeições e pontuação emotiva Desvios sintácticos Estrangeirismos e neologismos Subordinação de fonemas Construções nominais, infinitivas e gerundivas Metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles Estética não aristélica na fase futurista ...

livros nas escolas

Cresci com uma biblioteca, em casa. Na escola, sabia que aqui em Portugal se estudava Gil Vicente e que noutro país se estudava Molière e noutro Shakespeare. Que aqui líamos Pessoa e noutros países seria Puchkin ou então Neruda. Percebi que havia escritores um pouco por todo o mundo e que desses, eu ia gostar de uns e não gostar nada de outros e que o conceito de "literatura portuguesa" era uma convenção, que o que contava é a literatura que temos à nossa disposição numa língua compreensível, na nossa biblioteca, na biblioteca municipal, à venda nas livrarias que estão à mão e, em 2013, pela Internet. Parecia-me um pouco desonesto que os franceses impingissem franceses às crianças francesas só porque são franceses e que os portugueses impingissem lusófonos aos portugueses só porque são lusófonos e que no meio disso, cada país fizesse esforços oficiais para impor uma visão muito parcelar, definida por burocratas e políticos sem qualquer cultura ou erudição e pela pior promiscuidade com o "meio literário", sempre moderada pelo politicamente correcto ou pela visão do regime ou por interesses de editoras.

O que se pretende, quando se divulgam e estudam autores, numa escola, nas aulas de português? Desenvolver curiosidade pelos livros e gosto pela leitura, explorando um pouco o sentido crítico e o gosto, de uma forma que é difícil de conseguir fora da escola? Já sabemos que fora da escola existe um mercado livre, que há autores que são mais lidos do que outros, tendo mais ou menos sucesso, maior ou menor marketing. Na escola, o relevante poderia ser expor os putos a uma diversidade de coisas e eles que escolhessem e experimentassem. Se falamos de literatura portuguesa ou lusófona, então temos aqui um problema. Portugal tem poucos grandes escritores capazes de apelar ao público mais jovem. Haverá alguns, certamente (penso no Eça), mas não temos um Twain, um Salinger, Rudyard Kipling, um Jack London, um Michel Tournier, um Hemingway, uma Emily Bronte, um Camus, um Boris Vian, um Tolkien, um Maupassant, um Oscar Willde, um Stendhal, um Kerouaq, uma Marion Zimmer Bradley, Kenneth Grahame, Bram Stoker, Stephen King, Sue Townsend etc. etc. O problema ainda se agrava mais quando pensamos na literatura mesmo juvenil ou infantil. Não temos um Hans Christian Andersen ou uma Selma Lagerlöf, um Saint-Exupery, nem um Lewis Carol. Cresci com o fenómeno Isabel Alçada, mas já havia Enid Blyton / Mary Pollock e Isabel Alçada era uma versão deslavada e moderada do original. Basta percorrer o portal do Plano Nacional de Leitura para perceber que talvez, digo eu, não tenhamos qualquer tradição de livros infantis de qualidade, sejam dos ilustrados ou dos outros. Notem que eu não tenho nada contra qualquer pessoa fazer um livro infantil e editá-lo e divulgá-lo. O que me faz um pouco de confusão é criar uma coutada no Plano Nacional de Leitura, privando os miúdos de obras melhores,  nem que  seja por terem passado o teste do tempo ou terem alguma consagração crítica (que, pasme-se, também é relevante num livro infantil e ilustrado).

Poderemos estar a começar a ter outra noção, pelas traduções, pela globalização, até por filmes e desenhos animados inspirados em histórias clássicas a que a minha geração começou a ser exposta e pela consciencialização das novas gerações de pais para a importância dos filhos lerem. Tudo isto são coisas que certamente não existiam tão generalizadas em Portugal há 3 décadas quando eu era puto. O país vai arejando, é difícil combater o tempo e as brechas que se abrem graças à globalização. É pena que algumas janelas teimem em abrir.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

tomem, um gatinho




Prémio Camões

(...) Mia Couto se aplica com capricho numa ficção irritantemente mediana, à altura de um leitor cujo perfil retrata um sujeito apto a, graças à tolerância da mobilidade social, “acessar” essas obras belamente sumariadas pelos suplementos culturais. Ao mesmo tempo, apesar da advertência do editor, reputando Mia Couto como “um dos maiores nomes da literatura africana de língua portuguesa”, algo do estilo do moçambicano entra na conta inflacionária do literário em tom pastel ou bege, que tem como maior virtude a de combinar com o que quer que se encontre na sala do cidadão cultivado e humanista de classe média alta. Por sua vez, mesmo a poesia ― um pouco cansada, talvez, de se mostrar sempre intratável ―, e que até há pouco era “preservada” de tais circunstâncias, já agora começa a se sentir enfronhada e prestigiada nos debates onde as coisas são decididas, naturalmente, jamais levando em consideração os seus interesses. Mas isso é irrelevante, o que importa é cair dentro. (...)
aqui

PS: atenção, há opiniões positivas:

Pela originalidade do seu estilo e pela densidade dos seus argumentos, a obra de Mia Couto impôs-se desde muito cedo no mundo de língua portuguesa - Aníbal Cavaco Silva
aqui


 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

cachorro quente

Não me recordo se estava com papeira ou com febres reumáticas, mas sei que a companhia de um cão quente, a suspirar-me para cima nos intervalos das sonecas, ajudou bastante. Tenho saudades de poder faltar à escola por estar doente e ficar de cama a ler, com a minha mãe tomar conta de mim e de ter um cão feito botija de água quente e urso de peluche, a ressonar ao meu lado. Não queria estar demasiado doente, apenas o suficiente para não poder ir à escola. Não era fácil conseguir esse equilíbrio. A maior parte das vezes, após um breve e desconfiado diagnóstico maternal, era-me negado esse privilégio e tinha de ir tomar banho e vestir-me. Era muito raro adoecer como deve ser, de modo a que a convalescença fosse agradável. A papeira foi um martírio. A varicela, se tirar o choque de me ver coberto de borbulhas, foi excelente; não me doeu nada e garantiu-me uma semana de reclusão. É certo que ao fim de uns dias começava a nascer-me uma ansiedade, fosse por faltar às aulas e perder matéria, fosse por temer que os meus amigos, às tantas, se habituassem à minha ausência e se divertissem na mesma, ou mais até.

Infelizmente uma pessoa depois cresce e torna-se difícil conseguir uma doença adequada. As que nos deixam de cama são normalmente mesmo muito más. Recordo-me de um fim de dia em Santa Apolónia em que me arrastei para a cama a tremer de febre, assim que cheguei do trabalho. Vivia sozinho, a casa era velha, cheia de pó, fendas e correntes de ar. Os autocarros sacudiam o soalho e chocalhavam as vidraças sujas de cada vez que passavam na rua apertada, como se todo o prédio também tivesse febre. E ali, sozinho, senti uma falta do cão quente, da canja da mãe... Fui à cozinha comer atum directamente da lata e deitei-me cedo. No outro dia estava no trabalho, como de costume.

domingo, 26 de maio de 2013

a quente...

... mas sem animosidade, Jorge Jesus deve sair. Voltou a descaracterizar a equipa no final, por querer "defender o resultado". Se isso era discutível contra o FCP, com o Vitória de Guimarães adquiriu contornos de ridículo, não só por ser um adversário substancialmente mais fraco, mas também porque após uma época cheia de desilusões, o Benfica deveria ter cavalgado para uma goleada, uma festa. Poderia ter conseguido um parco 2-0, mas deveria ter tentado o 4 ou 5 a zero. Era essa a atitude necessária, essa alegria, esse pequeno prémio aos adeptos. Jorge Jesus é o rosto do medo e da confusão, não distingue um Bayern de um Porto, um Vitória de um Barcelona. Pode ser explicado pelo trauma de que falei uns posts abaixo, o trauma do bad beat que também existe no poker. Quando o azar (porque o Benfica sem dúvida teve azar nos jogos decisivos) nos escolhe como alvo prioritário, uma e outra vez, isso provoca em nós um sobre-ajustamento, uma adaptação que depois, na prática, acaba por parecer atrair ainda mais azar, quando na realidade é a própria adaptação a suscitar os erros. Os adeptos também o fizeram. Como explicar que aos 82 minutos, após o 2-1 do Vitória, tenha ocorrido uma debandada geral do estádio? Paira no ar este espírito do "já sabia". Noutro contexto, os adeptos puxariam pela equipa até à última. Mas muitos já sabiam. Jorge Jesus já sabia. Os jogadores já sabiam e se não sabiam bastava olharem para a cara de Jorge Jesus ou para as bancadas a esvaziar. E eu tanto já sabia que me compraram bilhete para a taça e recusei depois da derrota com o FCP. Até me prontifiquei a pagar os 20 euros no caso de não se arranjar outro comprador (entretanto arranjaram). Simplesmente, é como se já estivesse a ver o filme todo. Não me orgulho disso e vai daqui um abraço de solidariedade aos meus amigos e aos grandes benfiquistas que foram ao estádio. Agora, vamos ter umas merecidas férias de bola e para o ano, seria muito bom começar com uma folha em branco, porque esta é demasiado triste. Continuando na onda do "já sabia", acho que Jorge Jesus não vai querer ficar.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Farturinhas! (e livros)

Vai começar a Feira do Livro, um dos poucos eventos que consegue meter roulotes com farturas e churros no acessível centro de Lisboa, convenientemente perto de livros. Gosto muito de massajar certos livros depois de lubrificar as mãos com óleo fula, açúcar esfoliante e perfumá-las com canela.  Este ano, para além de massajar as orelhas do José Rodrigues dos Santos e o ego do João Tordo, vou  untar muito bem os livros que tenham na capa coisas como "A nova literatura portuguesa passa obrigatoriamente por aqui". Pobre literatura portuguesa, com tanta obrigação de passar por aqui e por ali, lembra o projecto do TGV Lisboa Porto. Ou um jogo de geocaching planeado por uma toupeira cega. Chega, deixem lá a nova literatura portuguesa passar por onde ela quer que ela já tem idade para se emancipar e decidir o seu futuro. Mas nem só de farturinhas vive a feira do livro. É na feira do livro que compro 80% do meu stock de livros anual, pois fica mais em conta e despacha-se tudo de uma vez. Os livros não são um bem perecível como os iPhones ou os abacates (curioso, quando compro abacates estão sempre verdes, verdes, verdes, dia após dia, e depois, de um dia para o outro ficam-me podres, isto também acontece com vocês?). Como um esquilo que se prepara para os rigores do inverno recolhendo o máximo de avelãs para a sua toca, também eu faço o mesmo com livros, temendo o inverno da falência das editoras que vendem os livros que eu quero. Este ano vou com o meu trolley de velhinha que a Plaft comprou para ir ao supermercado e vou stockar muita coisa na dispensa, como um bom preper intelectual. Pensam que isto é paranóia? Já vi um dos meus livros preferidos desaparecer, o Bela do Senhor, do Albert Cohen, editado, creio eu, pela Contexto. Se um livro como o Bela do Senhor pode desaparecer, santo Deus, nenhum bom livro está a salvo do autocarro literário simplesmente deixar de parar no seu apeadeiro.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

banda sonora #1

Partilho aqui uma playlist (em desenvolvimento) para ouvir no carro em viagens longas (+50km) e à noite, idealmente em condições de chuva e pouca visibilidade, fuga à polícia, choque emocional, vontade de pegar fogo a coisas etc. Não é uma playlist facilmente partilhável com outra pessoa no interior da viatura, mas é possível, desde que esteja devidamente amordaçada na bagageira :)

 (os links vão para youtubes)
ghost rider - Suicide
fat city - Alan Vega, Alex Chilton, Ben Vaughn
hot freaks - Guided by voices
down on the stret - The Stooges
pablo picasso - Modern Lovers
roadhouse blues - The Doors
oh yeah - Can
dead and lovely - Tom Waits
good morning, captain - Slint
drunken butterfly - Sonic Youth
milk and honey - Jackson C.Frank
damaged goods - Gang of Four
friction - Television
leaders of men - Joy Division
monkey gone to heaven - Pixies

pausa para paragem na estação de serviço, comprar whisky, tabaco e gomas (as caveiras de pirata são as melhores, mas podem ser ursinhos se não houver mais nada)

 murder weapon - Tricky
rising son - Massive Atack
(...)

as raparigas não gostam de magia

A propósito deste post do Mak, lembrei-me que também eu passei pela fase magia quando era criança. O meu pai, que tinha um sentido de humor um pouco retorcido, dizia-me que eu conseguia mover objectos se me concentrasse muito neles, o que lhe garantia um pouco de sossego enquanto eu ficava especado a tentar mover um dedal de costura ou um copo de água horas a fio, só com o poder da minha mente. Para garantir que eu não me desencorajava, às vezes dizia-me "epá, isso mexeu agora mesmo" e eu "mentira, não mexeu nada" e ele "mexeu mexeu, foi só um bocadinho mas eu vi" e depois continuava a ler o jornal e a fumar o seu cachimbo sossegado.

Depois deram-me um livro com truques de magia. Alguns eram bons e outros péssimos. Os péssimos, para mim, envolviam mentir. Coisas como dizer "isto é um aro normal, sólido" e o aro não ser sólido ou "vou escolher uma pessoa ao calhas" e ter combinado com alguém... não suportava esse tipo de truques em que o mágico mente. Os meus preferidos eram truques honestos que podiam ser feitos de improviso em qualquer ocasião em que fossem úteis, como num encontro romântico por exemplo. Só fiz isso uma vez. Acho que foi o primeiro encontro a que fui na vida, no Movies do Monumental, que para mim na altura era o cúmulo do requinte. O encontro não estava a correr muito bem porque ela não sabia quem eram os Pixies. Não sei o que me deu, mas tive como que uma ideia brilhante e recordei um truque de magia da minha infância. Quando ela foi ao WC retocar a maquilhagem, eu masquei e colei uma pastilha na parte de baixo do tampo da mesa do restaurante, depois colei uma moeda de cinquenta escudos à pastilha, mas não demasiado colada, apenas ao de leve, para se desprender facilmente. Quando ela voltou, eu mostrei-lhe outra moeda de cinquenta escudos e disse "e agora o el grande Tolan vai passar esta moeda pela mesa!" e pousei a moeda no tampo da mesa, mais ou menos por cima da moeda colada por baixo do tampo, tapei-a com o guardanapo e disse "abracadabra" e dei uma palmada forte no guardanapo, suficientemente forte para, com o impacto, fazer tremer a mesa e desprender a moeda de cinquenta escudos colada na parte de baixo do tampo. Tadaaa! A moeda atravessou a mesa, caiu no chão e rolou pela alcatifa do movies, por entre os pés das pessoas. Tive de me levantar e, quase de gatas, recuperar a moeda. O jantar continuou normalmente. Ela nem quis saber como é que eu fiz o truque. Começou a falar de outra coisa, depois de uns momentos de silêncio pesado. E eu, durante o jantar todo, não pude usar o guardanapo que estava a tapar a moeda número dois e fiquei o tempo todo atrofiar com a hipótese de ter a boca suja de molho.

terça-feira, 21 de maio de 2013

não sou um robot, juro

Se me dissessem, quando tinha 10 anos, que um dia a tecnologia iria evoluir ao ponto de me pedir para "provar que não sou um robot" como sucede nas caixas de comentários... provavelmente acreditava sem grande dificuldade, pois lia muita ficção científica. Em qualquer caso, é estranho ter de fazer pequenos testes como reconhecer palavras escritas de forma quase ilegível, números em fotos desfocadas e resolver pequenas operações aritméticas para provar que não somos uma máquina. 

Sente-se uma tensão entre duas forças, de um lado os tais robots (neste caso de spam) que se tornam cada vez mais complexos e evoluem no sentido de consegui fazer o que nós conseguimos e, do outro, as defesas e testes que os informáticos humanos desenvolvem para se defenderem dos robots que outros informáticos desenvolvem. 

Prevejo um futuro em que as nossas campainhas de prédio necessitarão de dispositivos para nos proteger dos  jeova bots e ciber-vendedores de tv cabo...

*dling dlong*

Boa noite. Já é cliente Meo?

RIP Manzarek :(

Ray Manzarek, teclista dos The Doors, morreu nesta segunda-feira aos 74 anos.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

um cientista

I am a scientist - i seek to understand me
All of my impurities and evils yet unknown
I am a journalist - i write to you to show you
I am an incurable
And nothing else behaves like me


se eu tivesse uma cauda...

...abanava de satisfação a ouvir o novo Like Clockwork dos Queens Of Stone Age.

cafés

Café típico da baixa, extenso balcão de alumínio com bolos tristes sob luzes néon, um patchwork colorido de chocolates, chupa-chupas e pastilhas, bebidas espirituosas em prateleiras de vidro, o Correio da Manhã e o Record que às 9:00 já têm as páginas amarfanhadas pelos taxistas e comerciantes, uma televisão na TVI com o Goucha a saracotear-se de blazer lilás e cartões das deixas na mão e a outra, a que tem a voz mais estridente que já me foi dada a ouvir, a debitar observações jocosas em tom de revista à portuguesa, deixando a plateia de donas de casa a rir e os empregados do café hipnotizados. Tento, sem grande sucesso, pedir um café no fim, é sempre a mesma coisa... Um café, por favor. A minha voz muito grave não deve ser perceptível no caos acústico da reverberação ampliada por tanta superfície lisa e fria, faltou-me falar no chão de azulejo, enfim. Procuro o olhar dos dois empregados, um distrai-se a negociar com um distribuidor, o outro divide a atenção entre a tv ou o balcão que precisa de ser polido pelo pano, ou uma moeda de 10 cêntimos que caiu para o meio dos compais do expositor frigorífico. Olhe, era um café, se faz favor. Nada, sentir-me-ia invisível não fosse dar-se o caso de ter chamado a atenção de todos os três ou quatro clientes habituais. Um deles até se volta para trás, sentado que está ao balcão, vira-se para o empregado e hesita em ajudar-me, mas volta a mergulhar nas importantes notícias do Metro. Então solto o meu "OLHE, UM CAFÉ SE FAZ FAVOR!" no tom de voz de Manuel Alegre a declamar poesia revolucionário num comício de jovens raparigas de  esquerda. O café sobressalta todo e o empregado até faz um esgar de elá, também não é preciso. Como uma criança que estava a provocar o pai e lhe esgotou a paciência e fica sentida com aquela brusca mudança de tom, dirige-se para a máquina. Pergunta-me 'é cheio, não é?' e digo que sim, mas só porque não o quero curto e nos primeiros meses ele  trazia-me o café curto convencido que estava a satisfazer um capricho de um cliente habitual. Só percebi que era propositado e não sovinice quando, certa vez, encontrando-se a limpar uma mesa longe da máquina do café, completou a minha declamação "OLHE, ERA UM CAFÉZINHO!" com a instrução "e é curto para o senhor!" para o colega que se encontrava de serviço perto da máquina.  Hoje desisti de pedir de café ali, há outro perto e cujo café não é mau. Assim que acabei a torrada, levantei-me e fui pagar e eles perguntam-me os dois muito tristes e muito espantados: "então hoje não bebe cafezinho?" e eu respondi "Não." Um não seco e curto. E foi assim. Paguei com uma nota de 5 euros nova e tudo, para verem que não foi por falta de trocos.  Ia tomar o pequeno almoço no tasco com três metros quadrados, mas hesitei antes de entrar. Um dos empregados, um jovem suburbano tatuado, do sporting, imitava uma  galinha desajeitada por entre os carros cá fora, para dar as boas vindas a um chofer de presidente que eu sei que é do benfica porque se envolve em discussões inúteis com aqueles empregados, todos os dias. Pelos vistos terá cantado de galo. Lá dentro a discussão ia animada.

sábado, 18 de maio de 2013

"melhor será a piada"

Expresso: Investe num tipo de humor arriscado.
Nilton: Não gosto do óbvio. O cliché, o sexo, os homens e as mulheres... detesto isso. O humor são equações. Numa equação, há a soma de dois números que dá um resultado final, o humor também é isso: uma soma de uma set up com uma punch line. O humor não deve ser dado de bandeja e eu gosto de dificultar sempre essa equação: quanto mais antagónicas forem as conexões entre os dois pontos, maior será a surpresa e melhor será a piada. 



sexta-feira, 17 de maio de 2013

o diabo está nos detalhes (update)

Era preciso chamar a isso coadoção? Mesmo? E com o acordo ortográfico em cima e tudo? Não podia ser "adopção", não? Demoraram muitas horas a chegar a acordo?  

 - Aceitamos que pais do mesmo sexo acolham crianças e as eduquem como pais para toda a vida desde que... não lhe chamem adopção. Isso é que não. Propomos coacção. As crianças não podem escolher, são coagidas a terem pais homossex... Não? Então coadoção, pronto. Última oferta!

Já estou a ver os os miúdos, daqui a uns anos, a ouvirem a revelação da parte dos pais:

- Filho, temos uma coisa importante para te dizer... és coadotado.
-Que horror! Sempre pensei que fosse adoptado!

Ai Portugal, Portugal...



PS: entretanto informaram-me nos comentários que não é o mesmo que adopção e fica aqui o esclarecimento (obrigado a.i.) o que está em causa são apenas situações em que as crianças já vivem num familia gay, mas que apenas tem vinculos de filiação/adopção com um deles e não com o outro, limitando-se a alargar a possibilidade de adopção a(o) companheira(o) da sua mãe/pai (adoptante ou biológica), está apenas a salvaguardar as situações de facto que já existem, e em que os laços afectivos na familia já estão criados.

E sim, isto era só uma desculpa para meter o gif, não tem nada a ver mas...

faz muito mais sentido assim

quinta-feira, 16 de maio de 2013

psicologia retro-dupla-invertida à rectaguarda com duplo mortal encarpado?

A psicologia invertida não resultou. Se Jesus continuar, vamos ter de encontrar outras formas de apoiar a equipa. Já encomendei uma tábua Ouija para ter uma conversa com Bella Guttmann e vou tentar arranjar patas de coelho de sobra.

Ontem tive exactamente a mesma sensação que tive num torneio de poker on-line, com as blinds muito altas, mesmo antes de entrar na mesa final de 9 jogadores (num torneio de 10 mil jogadores), perdi duas jogadas consecutivas com um azar inacreditável. Se não tivesse esse azar, podia arrecadar uns 15 mil dólares depois de 5 ou 6 horas esgotantes de jogo, no mínimo. É uma sensação... chata. Desagradável. Um misto de incredulidade com frustração, precisamente porque me tinha acontecido aquele azar na jogada anterior e eu já estava à espera, como ontem quando chegou ao minuto 90 e foi canto, pensei "queres ver? tu queres ver?"

Aliás, deixei de jogar poker uns meses mais tarde, como Jesus deixou no ar, ontem, que vai repensar a continuidade.  É óbvio que não coloco minimamente em causa capacidade e qualidade de Jesus. Ontem o Chelsea foi  vulgarizado e se ele continuar, também vejo coisas positivas nisso. Mas tal como no poker, os bad beats deixam marcas, até nele próprio, se for minimamente supersticioso, como aliás, todos os apreciadores de futebol são. Começamos a ver uma intencionalidade no azar, um lógica que nos está a dizer algo. A mim disse-me: deixa o poker.

o que sucede quando num belo gráfico de barras 3D com os pontos obtidos até a 29ª jornada colocamos o valor mínimo nos 40 pontos


... por amor de Deus, um pouco de dignidade nunca fez mal a ninguém.

deve-me ter escapado alguma competição de bócia, só pode


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Liga Europa? Nem pensar, somos eurocépticos (updated)

Vamos tentar psicologia invertida com a sorte. Coloquei um desafio no facebook do Tolan para que os verdadeiros adeptos do Benfica torçam para não ganharmos essa porcaria de troféu.

Depois ponho aqui no facebook as melhores frases antes de irmos para o jogo. Já tenho belas frases:

"A Europa nao nos liga, para que e' que eu hei-de querer a Liga Europa?" 
 "Ganhar hoje nao da jeito, o jogo aqui acaba as 6:45am e ia dar mau aspecto chegar a status meeting das 8:30am de cachecol vermelho, sagres na mao e sem voz."
- André

“O sucesso consiste em ir de derrota em derrota sem perder o entusiasmo. (Winston Churchill)"

 "Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota!" 
- Ângela

"As malapatas são uma espécie de maldição tão bonita, porquê quebrá-las"
 - Alexandra (a Grande)

"Espero bem que a Nossa Senhora de Fátima não se lembre de praticar um milagre hoje! Deus nos livre!"
- Palmier Encoberto 

"Um clube que já ganhou Taças de Campeões não se rebaixa com uma liga qualquer."
- Luís Soares

"Ganhar competições internacionais é tão 1962..."
- Tiago

Nossa Senhora Angelita de Berlim

“Penso que foi uma inspiração da nossa Senhora de Fátima”, - Cavaco Silva (Presidente da República), ontem, a propósito da 7ª avaliação da troika.

Percebi a força que o fenómeno milagre de Fátima tem no Portugal moderno, europeu e que se quer de volta aos mercados, desde que vi, quando a Irmã Lúcia foi a enterrar, uma espécie de Volta a Portugal em Caixão, com o carro funerário, filmado de helicóptero, a percorrer estradas cheias de povo a dizer adeus com lencinhos brancos e a torcer pela boa ventura da alma da santa pastorinha.

Eu próprio, em Março de 2011, já tinha tentado convencer os investidores a ficarem com o Santuário de Fátima, pois é a modos que a pulseira power balance de Portugal e podia-lhes trazer boas energias para os investimentos. Por isso, ao contrário de muitos amigos e conhecidos, revi-me nas palavras do nosso Presidente e penso que isto poderia ser uma nova linha estratégica para lidar com a crise.

O primeiro passo é converter o líder da troika, o etíope Abebe Selassi e inspirar-lhe piedade cristã. Não seria a primeira vez que cristianizávamos um escurinho. De seguida, vamos todos em peregrinação a Berlim, visitar a Merkl, num novo êxodo lusitano, um cortejo de portugueses, ricos e pobres, solteiros e casados,  jovens e idosos e crianças, muitas crianças vestidas à pastorinho, com figuras de proa da sociedade portuguesa, desde empresários a sindicalistas de mão dada, passando por políticos de todos os quadrantes e por caras conhecidas da cultura e da arte, não faltando um Diogo Morgado caracterizado à Jesus, nem um Vítor Gaspar comovido com o melhor povo do mundo, muito melhor que o outro, o eleito.

Na frente, Cavaco Silva vestido à José carpinteiro e Maria com um xaile preto, solene e meditativa e, ainda mais adiantado, Abebe Selassi, o batedor etíope que conhece o caminho para a capital alemã, os perigos da viagem e, recorrendo à sua ampla experiência da infância em Mogadíscio, capaz de descobrir o melhor lixo comestível para alimentar a faminta comitiva.

Os últimos quilómetros, talvez já na periferia de Berlim, seriam percorridos de joelhos. Há imensas ciclovias em Berlim por isso era seguro e o piso não é tão abrasivo como o asfalto. Finalmente, a vigília nos jardins do Palácio Meseberg, noite fora. De velas acesas, entoamos uma canção, cada vez mais forte, liderados pela voz de barítono de Passos Coelho...

Auxiliadora, Virgem Formosa,
Dos pequeninos, mãe dadivosa
De mil tormentos, entre o furor
Teus filhos salva, Astro de Amor

No seu leito, Angelita Merkl acorda, esfrega os olhos... Was für ein Lärm ist das? Serão outra vez os freaks do movimento occupy a sachar-lhe os canteiros de rosas para neles plantar rabanetes e couves? Vê as horas, tira a botija de água quente que entretanto arrefeceu, compõe a camisa de noite de flanela, calça os chinelos fofinhos, ajeita o barrete do pompom e caminha pelos longos corredores do palácio, em direcção às vozes...

Bradamos todos, numa só voz
Auxiliadora rogai por nós
Auxiliadora rogai por nós

...assoma à janela, espreitando por entre os pesados cortinados de veludo do palácio. Cá fora, uma constelação de velas e iPhones, como um firmamento de pirilampos mágicos e o canto, um canto angelical...

Tu que do empíreo, és soberana
Tem dó da imensa miséria humana
Do nosso exílio pelo caminho
Envolve a todos no teu carinho...

Infelizmente, a estratégia não está livre de perigos. Merkl talvez não compreenda português e não reconheça os rostos no  seu jardim, nem os de Gaspar, Passos ou Cavaco, despenteados e farruscos que estão dos tubos de escape dos porsches, audis e bmws da autobahn que palmilharam enchouriçados em coletes reflectores. É bem possível que nos confunda com um bando anormalmente grande de ciganos romenos a pedir asilo e um visto de emprego e que dê ordens aos guardas para nos levar dali para fora, antes que chegue alguma equipa de reportagem ao raiar do dia. Contudo, tenhamos fé, pois nestas horas difíceis, é-nos cada vez mais claro que só um milagre nos salva e no que respeita a milagres, tanto faz este como aquele da transmutação de portugueses desempregados em vinho empreendedor do melhor ou o outro da multiplicação dos pasteis de nata.

terça-feira, 14 de maio de 2013

James Joyce e rock n'roll

Quanto tinha 13 anos, o meu objectivo de vida era conseguir tocar o cover do crushing day do Joe Satriani. Isto foi bem antes do guitar hero para a playstation, na altura só havia mesmo guitarra. É possível fazê-lo, como este senhor, o Vladimir Shevyakov, demonstra aqui no youtube:
.

Fácil, não é? Contra todas as probabilidades, nunca consegui. E o grunge veio, varreu o metal e o hard rock os seus virtuosos, mudou o standard de apreciação artística para algo bem mais acessível do ponto de vista técnico. Também me fez reavaliar o meu gosto, depois de acabarem as discussões no recreio sobre quem era o melhor guitarrista e baterista, sempre com números de batidas por minuto a apoiar os argumentos, solos impossíveis e argumentos absurdos como "o Steve Vai faz a guitarra falar, eu ouvi!" ou "o Yngwie Malmsteen estudou música clássica!"

Com a exposição a outros tipos de música, percebi que não é forçoso ter virtuosismo, apenas competência técnica ao serviço de um som distintivo e de um profundo sentido estético. Devo dizer que vários amigos ficaram fixados no metal. Eu percebi que pudessem não gostar de Pixies, Nirvana ou Pavement, mas resumir a discussão a "essa música só tem 4 acordes", ou então "qualquer pessoa sabe tocar isso", era definitivamente um argumento palerma que até os mantinha longe de grandes bandas do passado, como Clash, Stooges, Ramones ou Sex Pistols.

Os guitar heroes são sucedâneos do enorme e genial Jimmy Page. Agarraram-lhe no exibicionismo virtuoso e resumiram a música a isso, a música ao serviço de um eventual solo que se estende por 2 ou 3 minutos aborrecidos, sem nexo e direcção (aliás, esta faixa do Crushing Day do Satriani e esse disco do Surfing With The Alien é capaz de ser uma excepção menos má). E tudo isto tem ligações com a literatura. Quase que se podia dizer que o Jimmy Page está para o rock como o Joyce para a literatura, tal como Jimmy Page meteu os guitarristas a tocar para outros guitarristas, também o Joyce meteu escritores a escrever para escritores, mas isso seria certamente uma simplificação arriscada e não quero ter o Vareta aqui à perna nos meus comentários.

 O certo é que após passar pela satisfação de conseguir tocar (imitar mais ou menos) guitarristas nas minhas músicas preferidas, muito pelo advento da internet que disponibilizou um recurso infindável de tablaturas (uma espécie de pautas para analfabetos musicais), percebi que a questão virtuosa estava  longe de constituir um ponto crítico nisso, desde que se fosse competente. Se eu fosse mesmo teimoso na música, tivesse uma banda e ensaiasse, havia um dia de poder compor músicas iguais às das bandas que gostava, pois teria virtuosismo mais do que suficiente. Contudo, isso não aconteceu. De facto, nunca compus nada de jeito. Nada. Eu próprio, com o meu espírito crítico, ouvia o que inventava e sabia que era muito limitado.

É que mesmo nos recursos aparentemente limitados das notas do riff do I Can't Get No Satisfaction dos Stones, há uma infinidade de possibilidades, de subtilezas, de ideias, que fazem todos os guitarristas que não compuseram o I Can't Get No Satisfaction sentirem-se frustrados por não se terem lembrado daquilo e render-se à evidência de que não são o Keith Richards.  Mas quando copiamos, parece simples!

Destes 100 riffs de guitarra mais famosos da história do rock n'roll (lista altamente subjectiva) apenas algumas excepções são difíceis de tocar para um guitarrista amador teimoso.



fim de semana dos vampiros

Nunca fui à bola com os Vampire Weekend. Acho que é por causa das letras que são inconsequentes no pior sentido, aquela nonchalance de beto feliz, um non-sense que não cria imagens poderosas e que parece servir apenas para camuflar o facto de não se ter nada para dizer, com trezentas referências hipsters pelo meio etc. Este vídeo da música step mete isso bem em evidência porque, para além do cliché Nova Iorque a preto e branco (parece-me que até reconheço planos que são fotos de fotógrafos famosos), tem a letra lá espetada para todos poderem confirmar o que digo. Contudo, já vão no 3º álbum e são bons, os sacanas. É bonito quando isto acontece.


Aproveito também para deixar aqui esta faixa do DJ Koze que é uma das coisinhas melhores que ouvi nos últimos tempos no ramo da música adequada para trabalhar com o Excel (não com o Powerpoint, cuidado!) no ritmo certo.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

bilf, obmmuf e prémios literários.

A Pólo Norte abriu as hostilidades do BILF 2013 (Blogger I'd Love to Fuck), o único concurso literário credível em Portugal.

Obtive sempre generosas votações, incluindo uma vitória e vários vice-bilfs. Tudo isto culminou no meu prémio Plaft carreira, o que me possibilitou vencer de seguida o OBMMUF (Ó Blogger, Make Me Um filho!) No OBMMUF entram outras variáveis na equação e julgo que e é muito mais exigente do ponto de vista literário. É uma obra de fôlego, mesmo que o início seja muito divertido e fácil.

Não sei se por esta blogosfera há mais bloggers que se podem gabar de engravidar uma leitora, mas sou novo demais para fazer balanços e deixo o assunto entregue aos futuros estudiosos da literatura portuguesa do início do século XXI a quem, já agora, informo que sou um neo-futurista.

Claro que tudo isto faz parte de um plano de longo prazo, um plano literário. Tijolo a tijolo, o edifício vai-se construindo, ou a obra digamos assim. Entretanto, para além da Plaft, do prémio do OBMMUF que lhe cresce na pança e do BMW preto que o Bukowski diz que todos os tipos duros conduzem, já tenho uma agente literária de fabrico alemão e não preciso de mais nada: ela trata de lidar com as rejeições das editoras com muito mais profissionalismo e organização do que eu conseguiria fazer sozinho ao longo da minha carreira. As editoras são indiferentes a isto, ao conceito de seduzir leitoras exclusivamente pela escrita. Depois têm de gastar dinheiro em marketing para que os seus escritores fiquem apelativos e possam ter vida sexual, largando assim o vício da masturbação que tanto atrapalha a mão que escreve e atrasa o próximo lançamento. Mas agora é diferente, tenho uma agente, é como no Jerry Maguire, ela é o Tom Cruise e eu o seu pretinho esforçado que lhe manda sinopses de romances que não faço qualquer intenção de escrever. Bom, talvez um dia. A minha agente também não conhecia o BILF. Aliás, manifestou alguma perplexidade quando, a propósito de uma conversa em que era suposto eu dar-lhe referências credíveis ou prémios literários que a pudessem ajudar no seu trabalho, eu lhe expliquei o que era o BILF e lhe passei os prints dos screenshots das votações (várias cópias agrafadas para ela levar às editoras). Ela acha que talvez não seja boa ideia para já ter essa abordagem. Pelos vistos, o BILF é pouco conhecido nos círculos das feiras literárias de Frankfurt, Buenos Aires...  Ainda insisti com ela que cá em Portugal o BILF é um prémio ainda mais conceituado que o prémio Saramago, porque não há limite de idade e o prémio Saramago é para sub-35. Mas tudo isto, em qualquer caso, já não interessa. Não dá para jogar na divisão do OBMMUF e querer entrar no BILF. As regras são distintas. Isto é muito importante. Se tiver de dar um conselho literário a jovens aspirantes a BILF, diria que a regra número um é evitarem ao máximo falar na namorada ou na mulher ou perdem logo metade do vosso apelo literário (cof cof). Quando a relação acabar, então aproveitem e façam uns posts melancólicos e muito sentidos, de despedida, coisas como:

 tomei café no nosso café.  eu não me sentia à vontade  naquele café, lembras-te? era a tua casa, a casa onde nos tampos das mesas riscaste as iniciais de outros, tantos, tantos os que passaram por ti, por dentro de ti, mas ia sempre, porque tu ias e porque o dono te conhecia e te cumprimentava, porque podias fumar e ler com a cabeça encostada à janela, e eu olhava para ti e sentia-te distante, os olhos pousados em algo  que se te desenhara do poema que lias para mim, mas depois tu voltavas para mim, para o meu rosto e sorrias, voltavas, voltarias sempre, acreditei... e hoje fui eu que escrevi as minhas iniciais no tampo da nossa mesa preferida.

... tão a ver o género? Elas mamam sempre disto, é tiro e queda, há escritores que fazem carreira e prémios à base deste concentrado :)) E matam dois coelhos de uma cajadada. Por um lado demonstram que são sensíveis e que não são uns sacanas frios, por outro, dão o sinal claro e inequívoco às outras de que agora estão disponíveis. Boa sorte amigos. Sejam BILFs com responsabilidade, isto é, sempre com o objectivo de serem OBMMUF. Alguém vai ter de pagar os empréstimos do regresso de Portugal aos mercados. Só na semana passada foram 2,5 mil milhões de uma vez e que vão ter de ser pagos com outro empréstimo a dez anos e depois outro e outro... as dívidas não se pagam, gerem-se, como dizia o outro, mas é preciso pequenada para nos pagar as reformas.

domingo, 12 de maio de 2013

ai, ai, vamos lá ver

Eu continuo a gostar do JJ. Ainda ontem tive de apanhar mais dois taxistas benfiquistas que não entendem nada de probabilidades, o que me surpreende num taxista, ainda por cima do benfica. É uma coisa que me enerva. "O JJ falha nos momentos decisivos"... isto aplicado ao Benfica desta época é o mesmo que lançar uma moeda ao ar 20 vezes e achar que se falhou no momento decisivo porque 2 lançamentos deram cara em vez de coroa. Estou cansado, vou dormir, hoje não não dormi nada. Mas se querem ler um bom post sobre isto, recomendo este. E os comentários, discordantes, que tocam nos pontos que eu considero críticos em Jesus, a saber, a forma como contra o FCP, apesar do bloqueio psicológico histórico que já herdou e que ele próprio perpetuou (em 8 jogos só ganhou 1), continuar a insistir numa deturpação radical do sistema táctico, como se estivesse a jogar com o Barcelona ou o Bayern e não contra um clube pelo menos igual (nesta época, até seria inferior) e que perpetua o bloqueio psicológico.

Sugestões para Jorge Jesus

Perder o campeonato para o FCP no penúltimo jogo aos 91 minutos contra o FCP é de facto uma experiência interessante e com um belo cunho trágico, bem mais do que os outros campeonatos que o Benfica demolidor e fantástico de Jorge Jesus perdeu espectacularmente para o FCP. Contudo, penso que podem ainda melhorar este aspecto e acho que com esforço e dedicação, Jorge Jesus consegue dar mais emoções deste género aos adeptos benfiquistas. Parece-me que ainda temos margem para sentir mais desilusões sem morrer (qual será o limite? haverá limite?). Ficam aqui as minhas sugestões para construírem cenários propícios a que isso aconteça:

1-Chegar a três jornadas do fim do campeonato com 8 pontos de vantagem sobre o FCP.

 2-Chegar à última jornada, em que se jogará em casa com o FCP, com 5 pontos de vantagem sobre o FCP, mas ter o jogo da primeira volta contra o FCP em atraso.

3- Bastar uma vitória para confirmar o título, estar a ganhar 2-0 ao FCP, mas faltarem ainda 5 minutos para acabar o jogo.

 4- Ser diagnosticado um cancro a Vítor Pereira, mas o cancro ter 1% de hipóteses de cura.

5- Chegar a cinco jornadas do fim com quatorze pontos de vantagem sobre o FCP.

6- Estar a ganhar em casa ao FCP por 3-0 aos 75 minutos e o Varela fazer quatro cruzamentos para uma área só com jogadores do Benfica.

7- Estar um ponto atrás do FCP na última jornada, o FCP perde 1-0 com o Paços aos 90 minutos e o Benfica ganha ao Moreirense aos 90 minutos por 1-0, mas os respectivos árbitros dão 4 minutos de compensação.

 8- O Benfica vence o campeonato por dois pontos contra o FCP, mas entretanto surgem os resultados de um controlo antidoping a Carlos Martins.

 9- O Benfica faz 29 jornadas sempre com vitórias, mas o FCP, orientado por um jovem escuteiro com trissomia 21 que o Papa Francisco recomendou a Pinto da Costa, também. Na jornada 30, a perder por 1-0 contra o Benfica a 10 minutos do fim, o treinador com trissomia lança Izmailov e Helder Postiga.

Ficam aqui estas sugestões, embora suspeite que Jorge Jesus tem a sua lista e será capaz de fazer ainda melhor.

oh Jesus, Jesus

quinta-feira, 9 de maio de 2013

marketing de escritores

Tenho a experiência de observar pessoas atrás de um espelho duplo, filmadas, gravadas, agrupadas em perfis socio-demográficos homogéneos. Miúdos de liceu, estudantes universitários, trabalhadores liberais, donas de casa, consumidores de telemóveis, professores, grávidas, eleitores, reformados, classe A, B, C, Porto, Lisboa, sujeitos a um guião. Para lá dos objectivos de cada trabalho, sempre relacionados com marketing, observo os padrões de grupos de pessoas que de outra forma não conheceria. Os produtos e serviços visam suprir aspirações, sonhos. Até um sabonete pode lidar com questões de autoestima e identidade. São metáforas que as pessoas discutem de forma mais espontânea do que se tentássemos abordar directamente temas como "quem sou eu" e "qual é o sentido da vida", uma vez que aí estariam demasiado conscientes daquilo que se espera que digam. É frequente até, depois de uma breve interacção e debate, corrigirem os pontos de vista originais, rabiscando as pontuações que deram, tornando-as mais "próximas" da conclusão do grupo, dando-me a mim o trabalho de ter de perceber o que tinham escrito num primeiro impulso (e que é o que me interessa).

A publicidade, muito mais do que a arte, é a expressão dos nossos tempos, o sonho do agora, mesmo que mais limitada na sua expressão. A publicidade é levada a cabo por profissionais, sujeita a restrições, mediações e negociações. A maior parte das vezes, as ideias mais disruptivas são rejeitadas em detrimento de uma evolução segura, conservadora, dentro de uma média de aprovações, quer dos potenciais clientes alvo do segmento, quer dos anunciantes. Os criativos publicitários acabam por, com o tempo, começar a pensar de forma publicitária, levando em conta a apreciação previsível do superior que têm na agência, do cliente e do público, não sem uma certa frustração recorrente. Um bom criativo é alguém que, sob pressão e constrangimentos, consegue mesmo assim sacar uma ideia em tempo útil, sacrificando frequentemente as suas próprias convicções e instintos. É um profissional. Sucederá o mesmo com muitos escritores que se profissionalizam após inícios promissores e começam a produzir dentro desta lógica. Quanto a isso, nada contra, eu próprio adoraria ser um escritor de best sellers de terror à Stephen King e não vejo problema nenhum numa abordagem em que se procura um determinado impacto no público. É indiferente, porque a grande arte aparece tão bem aqui como noutro lado qualquer, frequentemente por acaso e tudo, o que ainda é melhor, como um Huckleberry Finn ou um Robison Crusoe. É exactamente como a dona de casa que no focus group é capaz de fazer um retrato vivo e literário das interacções familiares a propósito da escolha do operador de tv cabo, mas se lhe perguntássemos para discorrer sobre as mesmas interacções em abstracto, diria coisas demasiado previsíveis.

Contudo, o pior acontece quando uma coisa quer parecer algo que não é. No fundo, publicidade enganosa, um produto de luxo que afinal é um pechisbeque de plástico lacado a tinta dourada que sai com a unha. Uma das coisas mais estranhas que observo no meio literário  português (e incluo nele o público) - é a ideia de que por se ser um escritor que fala de forma séria de coisas sérias, se é "sábio" e se tem uma compreensão superior do mundo, uma espécie de macro-perspectiva que escapa ao cidadão comum. Em Portugal, a importância que se atribui ao livro é meio mística e inversamente proporcional aos magros hábitos de leitura. De facto, só é possível mistificar algo com que não se contacte assim muito. A maior parte das entrevistas a escritores na tv  tem invariavelmente perguntas sobre a sociedade, a economia de mercado (sempre desumanizante, como se sabe), a reflexão sobre os nossos tempos de relações virtuais da internet em que não conhecemos o vizinho, a condição humana, a pátria que é a língua, o subúrbio neo-realista, a inevitável piscadela de olho ao Brasil e à lusofonia, a importância de ler, a importância do livro, a importância de ler livros, o papel do livro, o livro de papel. O que acha, senhor escritor, do livro hoje em dia? O senhor escritor responde que o livro existirá sempre, embora de outras formas, que é para não ser velho, mas dirá que nada substitui o objecto papel, que é para ser clássico, arrancando sorrisos ternos ao espectador, uma vez que os escritores também se querem como referências afectivas e conservadoras. As perguntas têm como resposta algo que não foge muito ao registo do jogador de futebol que fala na importância do colectivo e de continuar a trabalhar escrevendo e lendo para o mister literatura, disposto a carregar a cruz de viver à margem da vida e coisas que tal. Comparar a forma como é tratado um escritor português em Portugal com outros países como Inglaterra, EUA ou França (vejo pelo youtube), é como comparar o um Quarta a Fundo com o Top Gear. No Top Gear chegam ao desplante de discutir carros e testá-los. Na versão portuguesa, os automóveis a cheirar a novo desfilam ao som de uma música agradável, conduzidos placidamente pela marginal ou pela serra alentejana e o locutor vai enumerando as características boas como as jantes em liga insustentavelmente leve e a excelente dinâmica na autoestrada da lusofonia.

Poderão dizer que estas entrevistas, programas ou debates não interessam, remetendo o pobre artista para a esfera do que faz lá no seu sossego e retiro, que o que interessa são os livros, mas estas coisas mediáticas estão para os escritores como a publicidade para um perfume da chanel. Se a publicidade é a expressão da vontade colectiva relativamente a um determinado produto que é uma metáfora de uma necessidade "aspiracional", uma entrevista a um escritor num telejornal é a expressão daquilo que o público deseja ver nele, que a editora quer vender com ele e, com o tempo e tão frequentemente, daquilo que o próprio escritor acaba por querer ser: a figura mítica do grande sábio, pensador e cidadão do mundo, conhecedor da condição humana, a testemunha do nosso tempo que nos faz reflectir. Há mesmo livros que têm isto escrito na capa, assim de chapa logo ali, como se fosse um iogurte que dá imunidade e resistências naturais à peçonha da ignorância.

Por outro lado, somos bons a discutir futebol com violência. Somos categóricos. Há lenços brancos, insultos e euforias. Os programas de TV são animados e têm cromos que odiamos e raramente amamos e quanto mais maniqueístas forem, melhor. No meu bairro há um ajuntamento espontâneo de cinquentões e sessentões ao pé do quiosque. Todos os dias, de bola, record e o jogo na mão (o que facilita a identificação clubística), discutem no meio da rua as opções tácticas e cada lance do jogo da véspera. Porra, também me dá para falar de futebol e pensar em futebol. Nunca vi pessoas a discutir assim sobre escritores, excepto nas épocas gloriosas dos grandes SL Lobo Antunes Vs Saramago FC em plena força e que tanto debate animavam, mesmo entre pessoas que não tinham lido um ou o outro e, muito frequentemente, nenhum dos dois.

não é problema aqui dos tipos duros...

«Eu e a Sarah estávamos à espera do Jon junto ao nosso BMW 320i preto quando o Jon chegou de carro. Entrámos e dirigimo-nos ao gueto.
- O que é que os teus leitores e críticos dirão quando descobrirem que compraste um BMW?
- Esses sacanas vão ter de me continuar a julgar pela qualidade da minha escrita, como, aliás, sempre fizeram.
- Mas eles nem sempre o fazem.
- Isso não é problema meu.
 (...)
- Eu também tenho um BMW preto - comentou o Victor Norman.
- Os tipos duros conduzem BMW pretos - respondi-lhe eu»
Charles Bukowski, Hollywood (1989), edição da Alfaguara

... até porque o meu bmw 320d preto não é propriamente meu e tenho ido de bicicleta todos os dias porque não há lugar para o estacionar.

(e penso que andar de bicicleta em Lisboa me qualifica como um tipo ainda mais duro, se é que isso é possível)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

é apenas uma questão de ter fé na própria loucura


(...)


Comi as papas de aveia, mastigando cuidadosamente para mexer a cara o menos possível. Quase não posso abrir a boca, mas como não sou do tipo de pessoa de falar sozinho ou de mexer os lábios enquanto leio, o único problema é mesmo comer. Para passar tempo, contemplei um pouco  o recorte da fotografia da rapariga, muito séria, a falar para microfones. A sua postura, o olhar como se fosse para uma grande plateia, tudo aquilo tinha muita convicção, muito dramatismo. Arrumei a foto debaixo da almofada e fiquei assim na cama, sentado de pernas cruzadas, encostado à parede. Desde o enxerto de porrada de porrada do Martim no interrogatório que decidi mimar-me um pouco, ser menos severo comigo. Assim, em vez de me preocupar com o quadrado de luz da janela que se arrasta lentamente pelo chão e paredes ou em reservar a cama para dormir, optei por esquecer tudo isso e aproveitar para descansar no colchão sempre que me apeteça. Ademais, o calor do sol faz-me latejar a cara dorida. E ainda por cima, sinto-me deprimido com a minha situação em geral. Um sem fim de problemas e contrariedades, ao fim e ao cabo. Que porra, que depressão. Desculpem. Começo a ter saudades dos tempos em que não estava numa cela. O meu escritório não era nada mau, comparado com certos aspectos da minha situação actual. O que um bom enxerto não faz a uma pessoa. E ainda dizem que não se deve bater nas crianças ou nos cães... Tudo isto relativiza um pouco os problemas, pelo menos podemos retirar lições da desgraça. Lembro-me de uma manhã em que o meu computador crashou umas três ou quatro vezes e, enquanto esperava pelo restart e ouvia o ruminar da Alexandra a propósito do sistema operativo da Apple que era infinitamente superior ao Windows e que o Observatório devia dar McBooks a todos, tive um pequeno acesso de fúria. Não, não atirei mesas pelo ar. Primeiro, nem se manifestou no exterior do corpo, ficou cá dentro, a borbulhar. Mas criou tanta pressão que às tantas tive de me mexer e bati com o rato do computador na mesa, algumas vezes, mas com pouca força para não o partir. E tive cuidado de o fazer em cima do tapete fofinho, um brinde da TMN.

Serei uma pessoa intrinsecamente violenta? Não foi a primeira vez que descarreguei num rato, mas dessa vez tive mais cuidado que da primeira. Da primeira vez parti o rato todo e tive a Sílvia do economato e o departamento de informática à perna durante semanas, à procura de uma justificação. Não lhes cabia na cabeça que eu tivesse partido material informático, assim de propósito, era pior do que o ter roubado como, de resto, todos faziam. Deram-me um velho rato de mil novecentos e noventa e três, uma relíquia de museu. Tinha sarro fossilizado e foi preciso remover a bolinha do rato e limpá-lo com um xis acto que também tive de pedir à Sílvia do Economato. Mas era um bom rato, sólido, fiável, podia bater com ele na mesa, não era como os modernos ratos ópticos que inventaram depois e que são demasiado leves e frágeis. Devo mesmo ser um pouco nervoso, agora que penso nisso, batia com o rato tanta vez no tapete… O escritório estava sempre gelado pelo ar condicionado e café no copinho de plástico arrefecia em dois tempos. Era preciso bebê-lo depressa ou já não valia a pena e eu batia com o rato, frustrado de ter de ir buscar outro e fazer mais um risquinho na folha de contabilização dos cafés que tinham posto na copa para evitar abusos, quando todos sabíamos que o responsável era o segurança que, à noite, consumia umas dez cápsulas, para além de se masturbar no WC das mulheres. A minha colega Sara, a que tinha o chefe apaixonado por ela, atravessava uma menopausa fulgurante e era acometida de calores que a faziam impor um clima siberiano no escritório. Se alguém se atrevesse a desligá-lo ou subir a temperatura numa das suas frequentes idas ao WC, era pessoa para gritar ‘foda-se, quem é que mexeu no ar!?’ com tanta raiva e mágoa à mistura que todo o escritório ficava em silêncio e raramente o responsável se acusava. Em silêncio e consternação, víamos a Sara regular de novo o ar condicionado nos 10º polar ártico, turbo fan e sweep mode. Os que estavam na zona de influência daquele ar condicionado, sofriam. A Rita, uma das três administrativas do piso, ajeitava a manta nos ombros, a Sílvia do economato espirrava e assoava-se e o Manuel...  o Manuel via-se que queria protestar mas não o fazia, só demonstrava que queria protestar, mas de maneira a que a Sara não percebesse porque os dois davam-se muito mal e ele tinha medo dela. Aliás, ninguém se dava bem com eles, excepto o chefe que estava apaixonado pela Sara. E simpatizaram com o Manuel na fase da ginástica. Mas depois ele foi o primeiro a fartar-se dos exercícios e desmotivou toda gente, então toda gente lhe reservava ressentimento por ter sido o primeiro a desistir.

É complexo e delicado, um ecossistema de escritório. As saudades de um bom café. De um bom rato sobre um tapete confortável para se poder bater nele quanto as janelas do browser encravam e o computador crasha, de ler os jornais desportivos do dia na Internet… Agora só tenho uma rapariga numa fotografia e um texto sobre antioxidantes no verso.

Então, ouvi psst, psst da janela da prisão. Ainda não tinham orientado a câmara de vigilância para a janela.

─ Psst! Chega aqui ó!

Levantei-me e aproximei-me, arrastando o pequeno cobertor puído. A luz da janela ofuscava-me e a contra-luz vi a silhueta de duas pequenas orelhas a assomar de uma cabeça felpuda. Os meus olhos adaptaram-se à claridade. Reconheci o Guaxinim Neurótico. Estava agarrado às grades com as pequenas patas cheias de pelo cinzento e branco todo hirsuto e enfiava o focinho para conseguir espreitar melhor para dentro da cela. 
 (...)