quarta-feira, 27 de junho de 2012

o primeiro passo é reconhecer que se tem um problema


Quero deixar aqui o meu testemunho. Olá, sou o Tolan e sou viciado em Magic. Depois de ter estado numa clínica de reabilitação de Magic The Gathering no final dos anos 90, enquanto era (tentava ser) estudante, passei mais de uma década sóbrio e limpo, focado em vícios inocentes como black jack, poker e álcool. O Magic é considerado o "crack" dos jogos. Os danos que o Magic me causou no período universitário foram graves e irreversíveis no que respeita à minha actividade académica, ao meu rendimento disponível para comprar uma alimentação rica em vitaminas e nutrientes e, muito especialmente, à minha vida sexual. Retirava mais prazer erótico em abrir um pacotinho novo de cartas do que um soutien. A meio de qualquer interacção com o sexo oposto, sentia falta de instant spells como "Enchant female creature. Enchanted female creature performs sex with you".
Também comecei a entender, já no fim do curso, que ser um bom jogador de Magic não era considerado uma característica atraente para mulheres per si.
Como em tudo na vida, o importante são as companhias. A Plaft é uma jogadora compulsiva, sofre de hiperactividade, ADD  e tem a consciência do vazio e da dor primordial a que se resume toda a existência. Somos, portanto, muito compatíveis e era impossível não nos apaixonarmos muito, uma vez que fazemos uma espécie de processo de feedback contínuo informação -> processamento -> avaliação -> reacção -> informação etc. Mas tudo tem limites. Tomar xanax fora do prazo e misturar com vodka enquanto temos sexo com pinturas tribais na cara feitas com o sangue do período ao invocar ktulu enquanto ela me estrangula com uma corda de seda é uma brincadeira nossa totalmente inocente, jogar Magic é uma actividade mais perigosa e sinistra.


Para muitos, um rupo de nerds a jogar cartas. Para outros... uma terrível batalha entre poderosos magos e feiticeiros pelo domínio do universo


Tudo isto começou de forma inocente. Saiu um jogo para playstation, um jogo de magic e eu disse assim à Plaft: "olha, se calhar ias gostar deste" e comprei o jogo mais na expectativa de que ela gostasse daquilo e jogasse muito. É bom quando isso sucede porque, pela observação dos homens casados, percebi que eles acham excelente quando a mulher está fortemente entretida com algo. Liberta-lhes espaço para serem maus maridos e relaxarem um pouco. Nesta fase, evidentemente, não necessito dessa liberdade porque acho entretenimento suficiente e divertido vê-la no sofá a ver televisão ou a franzir as sobrancelhas quando algo a intriga ou com a língua de fora quando está concentrada em qualquer coisa. Mas nem sempre é assim. Também vi muitos filmes do Bergman e sei que os casais costumam acabar em choro convulsivo no meio de uma sala de jantar toda partida, com ela deitada no chão com o vestido rasgado e o lábio a sangrar e ele com uma pistola apontada à própria cabeça a gritar Jag hatar dig! jag hatar dig!

Ora, uma relação é como um bom baralho de magic, tem de ter o equilíbrio certo de terrenos, criaturas, feitiços e artefactos e o que se faz na fase do namoro é construir um baralho suficientemente forte para o casamento e a paternidade, altura em que será testado em condições reais. A experiência resultou bem, infelizmente. Ela adorou o jogo e ficou viciada. O problema é que eu também experimentei e fiquei agarrado outra vez, uma enorme recaída. Meti-me no magic the gathering online para PC e voltei ao crack. A minha colecção vai já em quase 3000 cartas e começo a sofrer do síndrome do jogador de Magic de novo. Sonho com combos fatais, viro cartas de mana imaginárias sempre que quero fazer algo, divido o mundo físico real em artefactos, feitiços e criaturas, organizo as pessoas em grupos como orcos, fadas, zombies ou dragões e dou comigo a pensar instintivamente em cartas para representar acções. No outro dia, um pedinte pediu-me um cigarro e eu, enquanto dava o cigarro, pensava "sacrifice one cigarette to ban beggar creature". A Plaft também sofre de alguns dos sintomas mas tem consciência do que está acontecer e decidiu agir antes de ser tarde demais.

Apareceu no escritório (onde eu estava a meio de um torneio online com o meu baralho zombie tipo aggro vs. um blue wizards deck do tipo control) com o xanax, a vodka e um penso usado e disse-me  aquelas palavras fatais: "não me dás atenção". Reflecti muito depois disso.

O primeiro passo é reconhecer que se tem um problema. Já reconheci o problema e já identifiquei a solução. Não consegui ganhar ao gajo dos cabrões dos wizards porque preciso de 4  Zombie Apocalypses neste baralho: Return all Zombie creature cards from your graveyard to the battlefield tapped, then destroy all Humans.



  Nem imaginam a quantidade de vezes que sonho com esta carta no dia a dia no trabalho, a ver o telejornal, no trânsito...  E quanto à Plaft, o essencial é voltar a outro vício menos grave e equilibrar tudo. O blogue parece-me uma boa opção. Está a resultar. Penso menos em magic, a cada minuto que passa.

ps: e logo à noite é o jogo. Espero que Portugal jogue com um combo deck, espanha deve jogar com um control deck. Portugal tem a rare creature Cristiano Ronaldo:


CR7 - Creature
Flying
CR7 can't block and is unblockable.
*/1: tap mountains to charge CR7
 If Cristiano Ronaldo is targeted by stupid trolls chanting "Messi Messi" , double the damage to target

"when hell flames unleashed their child, he came to earth to rule upon humans and win le balon d'or" - Mourinho, Wizard of Soccer



quinta-feira, 21 de junho de 2012

crítica literária séria: Nas Montanhas da Loucura - H.P. Lovecraft

Se googlou por uma crítica séria a este livro, veio ao lugar certo. Neste blogue fazem-se importantes críticas literárias, muito influentes. Aqui um exemplo do que sucedeu às vendas de camiões e automóveis depois de uma crítica minha favorável aos camiões em 1992. Gostava muito mais de camiões do que de carros em 1992. Em 2006 mudei de ideias e depois em 2008 voltei a dizer que os camiões e os carros eram bons.

Esta aqui é a capa do livro que vou criticar hoje, talvez já a tenham visto porque nos últimos dias tenho almoçado a ler o livro e reparei que algumas pessoas olharam para a capa. Se forem uma dessas pessoas, era eu que estava a ler este livro. Os outros ficam a saber que a capa do livro é assim.
É uma capa muito suí generis.Vamos então ao livro. Vou tentar poupar-vos aos detalhes biográfios de H.P.Lovecraft, podem procurar na wikipedia ou noutros sítios da Internet por informação sobre o mesmo. Eu descobri que não posso fazer isso antes de escrever uma crítica séria ou não consigo escrever nada porque fico bloqueado com tanta informação e pontos de vista diferentes. É o problema das pessoas com cultura, que sabem coisas, normalmente começam a resignar-se ao silêncio e a citações, um problema de que os taxistas não padecem.

O Stephen King diz que o Lovecraft é o maior escritor de terror do século XX e realmente, assim parece ser. Contudo, apesar de formalmente perfeito e com aura de clássico, este livro sofre de pequenos problemas que se prendem com ser um bocado datado e o efeito no sistema límbico (o medo) ficar assaz neutralizado. Parece ter sido escrito pelo cruzamento de um geólogo com um arqueólogo com imaginação fértil. Está pejado de detalhes científicos. Estes detalhes são essenciais para a construção da atmosfera. Um grupo de investigadores vai explorar a Antárctica, continente até então muito desconhecido, como o era na época (1931). O homem sempre projectou no desconhecido os seus mitos e medos. Toda a mitologia ligada ao mar e aos descobrimentos é um exemplo. O blogue Abrupto do Pacheco Pereira é outro. No livro, uma civilização muito anterior à nossa veio do espaço, montou a base em montanhas na Antárctica e gerou toda a vida na terra de forma artificial. Isto é o exorcismo da ciência, da crueza e horror da ciência que, com a teoria da evolução de Darwin, deixou de permitir uma concepção antropocêntrica do universo. Não só não fomos criados por Deus e descendemos dos macacos, como somos o resultado de experiências científicas para a criação de escravos miseráveis, por civilizações muito mais avançadas e seres muito mais poderosos. Se considerarmos a época em que este romance foi escrito, podemos perceber porque é um clássico, visto que contém uma miríade de elementos que ainda hoje são usados em qualquer história do género. Não pude deixar de me lembrar do The Thing de 1982 de John Carpenter.

 Nas montanhas da Loucura temos "acreditar"no facto de existirem montanhas muito mais altas que o Evereste na Antárctica e isso, sendo descrito de forma meticulosa e científica. Sei que parece um detalhe, mas a base do romance é a atmosfera. Os detalhes científicos, biológicos, antropológicos, históricos e geológicos são atirados para credibilizar a ficção e destinados a um tipo de leitor que, na época do livro, acreditaria nisso. É um bocado o mesmo princípio que torna obras como o Código Da Vinci profundamente datadas a curto prazo se descobrirem, graças a poderosos instrumentos de datação de carbono, que Jesus não só não era casado nem teve filhos, como era gay e tinha, com Judas, adoptado um pretinho.

Este tipo de livro acaba por sobreviver ao teste do tempo por um motivo diferente da intenção que o gerou. Deixa de ser um livro de terror, mas um livro sobre os terrores daquela época, é como ver o RTP memória e ver um programa de debate sobre a CEE. Tal como no Dracula de Bram Stoker (este sim, resiste ao teste do tempo e continua a ser arrepiante), é fascinante o contraste entre o estilo contido, científico, objectivo e algo "formal" (profundamente anglófilo) destes narradores que são quase sempre cavalheiros cientistas /médicos  e que lidam com o grotesco das fronteiras do desconhecido e do horror inominável. Um bocado como eu me sinto quando oiço pessoas de esquerda falar de "economia" ou leio blogues femininos. E pronto, obrigado por lerem esta crítica, espero que tenham aprendido qualquer coisa. O livro é bom, era o que eu queria dizer.

domingo, 17 de junho de 2012

Solar do Vinho do Porto

Solar do Vinho do Porto fechou em Janeiro e não tem data de reabertura - Público

 Na minha última ida ao Porto dei com o nariz na porta do Solar do Vinho do Porto: "Encerrado Temporariamente". Fiquei bastante aborrecido. Era um dos meus sítios (o sítio?) preferido na cidade do Porto e visita obrigatória. Leio agora no Público que fechou mesmo. Parece que tinha uma exploração altamente deficitária (mais de 40 mil euros de prejuízo por ano) e que precisava de obras. Fica ao lado do Museu Romântico, tem uma vista esplendorosa sobre o Douro e era a única forma economicamente viável de provar vinhos do Porto com 20 anos ou mais sem ficar falido.

 Claro que, com este conceito, quem ia à falência era o Solar. Os preços eram algo ridículos para os padrões de Lisboa.. Os vinhos do Porto mais antigos têm de se beber todos rapidamente depois de aberta a garrafa, oxidam muito rápido, 24 horas é o limite e, raramente temos a oportunidade (ou intenção) de esvaziar uma garrafa preciosa inteira numa ocasião, pelo que poder pedir a copo, num contexto daqueles, com vista sobre as caves e emoldurados pelos jardins românticos, era a forma ideal de o consumir.

 Não havia dois sabores iguais. E a experiência não tinha nada de snob chic. O serviço era simples, muito simpático e discreto. Em qualquer outro sítio normal de Lisboa teriam feito um esforço para acomodar mais pessoas, até para rentabilizar as garrafas raras e cartas abertas só para servir um cálice. A maior parte dos restaurantes reserva um ou dois vinhos para vinho a copo. Naquele tinha-se uma carta com dezenas e dezenas de vinhos diferentes. Seria preciso uma rotação enorme de gente para não atirar hectolitros de vinho oxidado para o lixo. Podiam ter retirado os canteiros e arbustos do pátio em frente ao solar para colocar mais umas mesas. Talvez até pudessem abater o muro de pedra para libertar a vista para as 2 mesas infelizes que ficavam mais afastadas do muro ou mesmo da parte interior do Solar que ficava num piso térreo.

 Uma mesa. Penso que a foto é antiga, acho que depois colocaram mais 2 mesas(!)
 

Mesmo tão pouco divulgado, era muito complicado conseguir uma das poucas mesas com vista e ficava-se frequentemente à espera no interior. E aí, os poucos sofás eram francamente pouco adequados a beber vinho do Porto e a conviver.

Parte do falhanço do Solar do Vinho do Porto era também o que o tornava único e especial. Parecia "um segredo" que se descobria por acaso, uma excentricidade ali metida. Há muito sítios assim no Porto, que causam uma espécie de sentimento de culpa porque parece que estamos a "roubar" em vez de ser roubados, habituados que estamos ao mind set de Lisboa.

A vista das 5 ou 6 pequenas mesas privilegiadas...


sexta-feira, 15 de junho de 2012

a iminência de colapso económico global dá-me sempre vontade de ouvir John Lennon

Ando tão stressado com trabalho que isso já começou a afectar a minha vida pessoal


Sender: Tolan
Subject: call up para o wrap up da to do list

Cara Plaft,

Peço-te um status report dos teus sentimentos por mim. Não deste resposta ao meu request de informação na kick off meeting de 14 de Junho de 2012 pelas 8:10, um request a que anexei algumas sacudidelas para ver se pelo menos abrias  os olhos. A informação prestada não foi de todo satisfatória, tendo-se resumido a breves resmungos que são completamente entrópicos no âmbito do projecto "namoro Plaft & Tolan". É do teu maior interesse que a prossecução do projecto Plaft&Tolan seja bem sucedida e que se atinjam os KPI definidos. Porque sem mim e a nossa sinergia, o EBITDA da tua felicidade é negativo e entras em default e insolvência num ápice. Se por um lado estamos acima dos objectivos em muitos KPI (#beijos por dia, #lambidelas por dia etc.) e o EBITDA será positivo, existem KPI que definimos na assembleia de accionistas de início de namoro que nos parecem longe da performance ideal, como "nº de sopas que disseste que ias fazer e que fazias umas sopas muita boas" e, muito crítico, o teu comportamento na kick off meeting matinal diária. Não podemos afastar-nos do critical path . Temos de garantir a entrega dos deliverables diários em todas as áreas, sendo essencial uma sinergia sinérgica, por forma a assentar o projecto da relação nos valores da visão que definimos na relation project meeting de Maio.

O teu desempenho é extremamente satisfatório em todas as fases do cronograma diário, com a excepção, conforme explanado acima, do KPI "sopas cozinhadas" e da kick off meeting das 8:00 em que manifestamente, não estás imbuída do team spirit necessário, não prestando assistência emocional ao teu namorado quando ele se está a despedir de ti, stressado com  dia que aí vem. Concordei consigo em  riscar da lista o KPI "morning blowjob every day" que eu incluí de livre iniciativa na mesma, com a melhor das intenções e com preocupação pelos interesses de todos os stake-holders da relação. Contudo, no acordo de para-social que firmámos no segundo ou terceiro work shop de team spirit hardcore bonding, não vem qualquer menção a problemas de mood e motivation matinais quando acordada de forma coerciva às 8:00.

Aguardo feedback,
continuo a nutrir por si a visão e o posicionamento da mulher ideal
Tolan

Ps:
Deixei uma to do list na mesa de cabeceira esta manhã pelas 8:00 e ela inclui a lista de supplies para cadeia de produção do jantar. Passa pelo economato para retirar o saco reciclável do pingo doce. Devem estar 20 euros na caixa de biscoitos da tesouraria.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

crítica literária: O Leviatã, Joseph Roth

Comprei o livro a pensar noutro leviatã qualquer. Leviatã é uma daquelas palavras que eu conhecia mas não sabia o significado ou a origem e tinha vergonha de perguntar às pessoas que sabiam. Como em muita coisa na vida, prefiro aprender sozinho. No outro dia, eu e a Plaft descobrimos que sabíamos exactamente qual era a cor de burro quando foge (é uma espécie de cinzento acastanhado) e depois fomos ver na net e afinal "é uma cor que não existe, indefinida". Sabia que "Leviatã" era uma coisa muito  importante, meio bíblica e que aparecia no Moby Dick a espaços e que não sei porquê confundi com outra merda qualquer do tipo Comédia Divina ou Inferno, aquilo do Dante. Afinal é um peixe, tipo o charroco ou dourada, mas também pode ser uma lula gigante (o Kraken), um hipopótamo, uma baleia (que não é um peixe, como a lula ou o hipopótamo), etc. de maneiras que é perfeitamente normal alguém não saber exactamente o que é um leviatã.

Este livro não era o Leviatã que eu pensava que seria, mas é muito bom na mesma. O Joseph Roth é judeu (surpresa, com um nome assim ninguém diria) e foi uma pessoa notavelmente infeliz, como aliás, o são a maior parte dos judeus que estão no sítio errado na hora errada. Atraiu-me muito a biografia dele. Ele bebia, o que é sempre bom. Depois apaixonou-se e deixou de beber tanto, só que a mulher dele era maluca e ele passou a beber ainda mais. Juntem-lhe uma vida miserável em Berlim nos anos 30 em plena efervescência anti-semita e têm um judeu típico que se mete a escrever e a ler ou a fazer outras coisas do género para se ocupar sem incomodar muito os outros.

O livro, como já perceberam, é sobre um comerciante de corais judeu que faz jóias com os corais, coisas muito bonitas e que vive apaixonado pelo mar (que nunca viu, pois vive numa pequena aldeia do interior). É uma história muito bonita, vale bem a pena o investimento de tempo porque conseguem ler o pequeno livro de uma assentada, o que é sempre bom porque assim podem dizer "este mês li um livro", o que não acontece quando lemos uma coisa como o Dom Quixote e parecemos uns ignorantes durante meses.
 

terça-feira, 12 de junho de 2012

:'(






















































  


Ohhh :'(

ainda mais um

só para vocês verem a máquina que eu sou a fazer posts, não entendo as pessoas a quem custa fazer posts. Eu só não faço 5 por dia porque depois parece spam, mesmo nas vossas cabeças, parece spam, vocês lêem um e dois e ao terceiro já estão "foda-se, este gajo não se cala" e desvalorizam os textos por causa da quantidade, já para não falar no facto de serem de borla e num blogue, porque se eu escrevesse num jornal ou revista em papel, o valor emocional dos textos subia em flecha. Uma pessoa paga então quer (racional ou irracionalmente, não interessa) sentir que o que está a ler valeu a pena. Um nome em papel vale por 1000 nomes em pixel. Isto é um bocado como os diamantes, se fossem tão comuns como areia não valiam nada, no entanto, não deixavam de ser bonitos como os diamantes são, pois são mais bonitos que areia. Eu penso assim a propósito de coisas como as sardinhas frescas ou aquelas azeitonas alentejanas enormes ou o pão de mafra genuíno com um bocado de manteiga e um bom vinho e os meus posts. São diamantes, deu-se o acaso de serem mais acessíveis que o caviar ou aquele livro do Gonçalo M. Tavares que comprei, o do senhor Valery, que me custou uma fortuna tendo em conta o tempo que o demorei a ler (era curto, tinha bonecos e só li 2 páginas porque me senti embaraçado como se tivesse apanhado o meu filho a masturbar-se em frente à tv a ver a Bulma no dragonball). Quando era puto pensava muito isto, perguntava-me se as coisas boas não eram necessariamente raras, como se fosse uma espécie de trade-off da natureza, sendo impossível algo de muito bom ser muito barato e saudável. O bacalhau é que me lixava a teoria porque o meu pai me dizia que o bacalhau era comida de pobre quando era miúdo e depois ficou caro. E que tinha de roubar toucinho, o toucinho era tipo ouro naquela época, até me admira o Banco de Portugal não ter umas toneladas de toucinho nos cofres e apresentar aquilo aos senhores alemães da troika como garantia de mais um empréstimo de 100 mil milhões de euros... São estes os mistérios do universo e que nos incitam ao capitalismo e à escravidão do trabalho. Boa noite e sejam felizes, com os vossos rendimentos miseráveis.


outra coisa

Outra coisa que me lembrei agora (isto agora é umas atrás das outras, podia escrever 3 horas de seguida só coisas destas): as pessoas deprimem-me um bocado.

Não levem a mal, vocês são pessoas. Mas é verdade. Deprimem-me mesmo, a maior parte delas. Não entendo, é como se tivessem os olhos fechados para as coisas e depois são muito previsíveis e básicas, e lembram-me o que eu próprio devo ser para o mundo exterior. Eu também pareço assim às outras pessoas. Já me disseram isso ou coisas parecidas, pessoas que primeiro contactaram comigo em ambientes de circunstância, em que somos forçados a conviver uns com os outros, e que depois foram encorajadas por horas tardias e bebida a mais, que me achavam arrogante. Da primeira vez que ouvi isto fiquei muito sentido, "eu, arrogante?", achava injusto porque realmente eu sou simpático porque quero que as pessoas estejam bem dispostas, coitadas, a vida delas é uma merda. Também não gosto nada quando as pessoas se dão à liberdade de me caracterizarem, tipo, nunca me passaria pela cabeça dizer a alguém assim o que penso dela, acho isso uma violência totalmente desnecessária. Vou ao mesmo café e restaurante há 4 anos quase todos os dias e os senhores do dito esboçam às vezes (1 ou 2 vezes por mês) tentativas de fazer conversa comigo, a propósito de um rodapé no telejornal ou uma manchete da bola, visto que sou responsável por 50% dos lucros deles. Eu fico sempre meio confuso porque eles não acertam uma, dizem sempre coisas sem sentido como os taxistas. Eles depois calam-se. Mas vejo como gajos que só começaram a frequentar aquele café ou restaurante há muito menos tempo e com menos frequência estão cheios de à vontade e discutem tudo e tratam-se por tu e metem-se uns com os outros. Eu só quero beber o café, almoçar, acho que há assim uma dignidade e respeito mútuo em não encher os ouvidos de um empregado de balcão ou de mesa, até porque já fui empregado numa quinta de casamentos e sentia exactamente o mesmo desconforto quando clientes queriam conversa. O meu refúgio é o Moamba em Alcântara, é para onde vou quando quero estar mesmo sossegado, a comida africana (cachupa, moamba, etc.) afasta os estômagos sensíveis de conhecidos na zona e o empregado preto é discreto como um ninja, consigo acabar capítulos inteiros naquele restaurante, apesar das páginas ficarem manchadas de óleo de palma e molho picante. Outro é o irlandês das Docas, gosto dos hamburguers e uma pessoa fica ali à beira do rio, a ver os barquinhos. Há um veleiro que se chama "Evadido", gosto muito daquele barco e está sempre lá, atado ao cais.

turmalina

Vocês acreditam em fantasmas? Eu acho que não, mas agora ando com uma turmalina negra que a Plaft me deu para me proteger nas reuniões do projecto internacional transatlântico em que sou normalmente trucidado e por isso já não sei. É uma pedra irregular e negra, parece o estado intermédio entre o carvão e o diamante. O melhor é postar uma foto.
Olha aqui ela, é mais ou menos assim:


Mais ou menos, a que a Plaft me deu é mais irregular e bonita.

Este domingo vimos o Biutiful do Alejandro González Iñárritu que realizou, entre outros, o assombroso Amores Perros. Que grande filme, a Plaft chorou muito e eu chorei um bocadinho numa cena, o que é sempre agradável porque estou farto de ser comovido apenas pelas cebolas que pico. O filme tem aquele misticismo / esoterismo sem cair nos clichés infantis do Shyamalan (Sexto Sentido) e tem paneleiros também mas sem a rabichice do Almodovoar, até porque é entre chineses e então é diferente, eles são mais contidos e sérios. Que cabrão de filme. Deram uma turmalina negra ao Javier Bardem para o proteger das cenas e eu então aceitei a turmalina negra da Plaft que ela me quis oferecer para me proteger e eu não tinha ligado muito a isso porque não sou cá de esoterismos.

Andei com ela o dia todo no bolso das calças. Não sei se fez efeito, mas fiquei com uma nódoa negra porque o bolso me apertou a turmalina um bocado e então pode ser que a nódoa negra faça um coágulo e eu vou ter um aneurisma ou assim. Se calhar protegeu-me de coisas, nós nem damos por isso porque não somos afectados pelas coisas que não nos afectam, só somos afectados pelas coisas que nos afectam. Pensem nisto.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

e agora, um exemplo cultural, o cinema

Façam um esforço, vá lá.

Depois do exemplo abaixo, que tenta expor o absurdo do raciocínio de que receitas que não advenham directamente do orçamento de estado não saem do bolso dos portugueses, pego neste artigo de opinião de Pedro Borges, no DN, intitulado "Verdades e Falsidades sobre o cinema português".

Antes de começar, e porque dizer mal do futebol é fácil tendo em conta o meu target, devo advertir que sou totalmente favorável a cinema financiado directamente pelo estado.

Tenho algumas ideias a esse propósito que não cabem neste post, mas o ponto a reter é que, no leque de gastos extremamente questionáveis por parte do estado português, considero que há um ataque ideológico ao sector da cultura, visto que é um sector normalmente dominado pela esquerda que, com  excepção da Fernanda Câncio, só se pode defender com a natural falta de capacidade argumentativa da esquerda (como vão ver).

 Depois de afirmar isto, vamos então a estes dois parágrafos épicos, em que Pedro Borges tenta separar as verdades das mentiras.

O cinema português é produzido com dinheiros do Estado: FALSO. Durante década e meia, os fundos públicos para o cinema resultaram de uma taxa sobre os bilhetes de cinema. Depois disso, de uma taxa cobrada pelas televisões aos anunciantes (4%), da qual quatro partes revertem para o Instituto de Cinema e uma parte para o (ridículo) orçamento com que trabalha a Cinemateca. Nem um cêntimo do Orçamento do Estado... 

Em Portugal há muitos milhões de euros para a produção de cinema: FALSO. O orçamento anual de apoios à produção não chega a nove milhões de euros: o equivalente a dois filmes médios europeus. Com esse dinheiro, e custos não muito diferentes, cria- -se em Portugal dez vezes mais filmes...

Bom, só coloquei o segundo parágrafo porque é totalmente contraditório com a afirmação do primeiro. O primeiro diz que o cinema não é produzido com dinheiros do estado (usa o termo "públicos" que na opinião do autor significa outra coisa), o segundo diz que há um orçamento de 9 milhões de... enfim, não vamos perder mais tempo com o segundo.

É no primeiro parágrafo que está o sumo. Lá está o que referia no post abaixo a propósito do dinheiro da UEFA, cobrado pela FPF que actua como intermediário do Estado. Na opinião de Pedro Borges (e de muita gente a propósito de muita coisa do género), o facto de se cobrar uma taxa sobre bilhetes e uma taxa aos anunciantes, não é o mesmo que receber dinheiros do estado.

Lá está o mesmo raciocínio da compartimentação de contas, quando no fundo se trata de dinheiro que é "taxado" a pessoas e que tem o mesmo efeito no rendimento delas e das distribuidoras / salas de cinema que tem o IVA. Na prática aquela taxa é uma espécie de agravamento do IVA nos bilhetes de cinema, não há diferença.

Federação Portuguesa de Futebol, um case study

Face ao escandaloso ranking dos custos por dormida de cada selecção do europeu de futebol que coloca Portugal no topo com 33 mil euros e Espanha no último com 4700 euros(embora me custe muito acreditar que conseguem alojar uma selecção e respectivo staff por apenas 4 mil e 700 euros diários havendo claramente aqui um problema de metodologia), Humberto Coelho, membro da comitiva, fez o comentário que já se esperava: não custou um tostão porque foi pago com prémios da UEFA. Procurando afastar-me da típica bipolaridade do povo português que oscila entre uma euforia desmedida pela selecção e um descrédito e mesmo rancor profundo, quero aproveitar a oportunidade para uma lição de economia. Esta ideia de que o dinheiro vai de um sítio (UEFA) para o outro (Federação) sem passar pela casa da partida (o Orçamento do Estado) e que por isso "é deles", é muito comum. É comum em institutos, entidades reguladoras ou qualquer tipo de organização com fins públicos que tenha em seu poder a capacidade de cobrar alguma espécie de taxa ou licença pela utilização de um recurso público, seja o solo português para fazer estradas, meter cabos e canos, o espectro, o ar para andar com aviões, as fronteiras para deixar entrar turistas etc. Como recebem directamente o dinheiro porque têm a função de cobradores, ficam com a ilusão de que são autónomos, como uma empresa (e logo uma monopolista) e só precisam de dar um excedente ao estado no fim de cada ano.

É por este motivo tão prosaico que existe uma certa cultura de despesismo e luxo neste tipo de entidades: procura-se gastar o mais possível para reter as "receitas" daquele ano e evitar "perder" dinheiro para o estado. A Federação Portuguesa de Futebol não é diferente, aliás, é provavelmente a mais mimada de todas e a julgar pelos números (já lá vou) aquela que melhor segue a máxima do estoirar até onde dá. A FPF explora talvez a expressão máxima do activo intangível "Portugal": o nome, a cor, a bandeira, o hino, a história, o patriotismo e claro, o direito a participar nas provas oficiais da UEFA. E se o recurso natural "jogadores portugueses" não é suficiente, naturalizam-se os que forem precisos.

Só em 2010 se extinguiu o curioso estatuto de utilidade desportiva pública à Federação, estatuto que lhe garantia 1,8 milhões de euros por ano pagos directamente pelo estado português. Contudo, mesmo que recebesse este subsídio, Humberto Coelho (e qualquer outro dirigente), podia alegar que o dinheiro que é utilizado para pagar o hotel na Polónia é aquele que vem dos prémios da UEFA, pois é também muito comum a ideia, em Portugal, de que o dinheiro se mantém compartimentado na mesma conta. Basta ouvir os nossos governantes quando dizem que o que vão cobrar especificamente ali, vão aplicar especificamente acolá.
 
A Federação movimenta milhões em direitos e patrocínios, mas esse dinheiro também é nosso, ou do Estado, porque o Estado podia atribuir a outra entidade qualquer o direito de explorar o activo intangível "selecção portuguesa", que não é diferente do ar, do mar ou do solo. O Estado podia (e devia) exigir essas receitas e redistribuir como fosse melhor. À FPF caberia aquilo que conseguisse justificar com orçamentos anuais. Assim, a FPF consegue a proeza de prever lucros de apenas 150 mil euros, quando tem 37 milhões de euros de receitas. Por mágica coincidência (ou pelo motivo que expus acima) as despesas somam quase o mesmo valor das receitas.

 Em 2010/2011: Na proposta da direcção, a que a agência Lusa teve acesso, estão previstos 37,741 milhões de euros de despesas, contra 37,891 de proveitos, «valores que representam um ligeiro aumento em relação à época de 2009/2010».Isto é que foi pontaria, ficou ali rés vés Campo de Ourique, à continha. Mesmo assim ainda sobraram 150 mil euros para uma gorjeta. Era só mais umas noites nos hotéis certos ou subir um bocadinho de nada os prémios de jogo aos atletas e conseguiam acertar as contas.

Até porque os atletas merecem, vestir o recurso português que é a camisola das quinas não deve ser fácil, é muita pressão, ainda por cima depois de épocas esgotantes em clubes de topo onde também há muita pressão. A Federação Portuguesa de Futebol só paga prémios que mal chegam aos 112 mil euros (a cada jogador) com os apuramentos. Só o Ricardo Carvalho por exemplo (e é só um exemplo e eu até gosto muito dele como jogador) pela sua titularidade na selecção entre 2004 e 2011 recebeu mais de 900 mil euros em prémios.

Depois de escrever isto, vou fazer um esforço para evitar ressentimentos e aproveitar bem o Europeu porque adoro futebol. Ficam por isso aqui os meus votos de boa sorte à Irlanda.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

walk through the fire

"what matters is how well you walk through the fire" - Bukowski

 Estou com uns níveis de stress estupidamente elevados. Nunca em toda a minha carreira alguma vez tive uma tempestade perfeita assim, uma conjugação de factores agressivos e complicados, no pano de fundo da crise que lança um permanente tom de descrença na razão de ser de tudo. Às vezes sinto todo o meu corpo a comprimir-se esmagado pela pressão de dez atmosferas. A responsabilidade, uma espécie de mandamento genético do meu pai, não me deixa abandonar as coisas a meio. Dou por mim a fantasiar com um colapso, um esgotamento. A ideia de me deitar no chão do escritório e de me deixar ficar assim sossegado até alguém estranhar e vir ver o que se passa parece tentadora. Podia demorar algum tempo até virem ver o que se passa porque tendo a adoptar posições estranhas quando estou a reflectir em problemas. E depois chamavam alguém e levavam-me para casa, talvez passando pelo hospital primeiro. Eu teria um genuíno ar de alienado. Veria bocas a mexer, talvez me sacudissem um pouco, mas ia continuar a olhar de forma fixa para os coelhos cor de rosa a dançar em rodinha atrás dos médicos.

ontem tentei escrever uma peça de teatro

 Paula, para o berço:
 O teu pai é um cão. Ouviste, querida? O teu pai é um cão! Deve andar por aí a perseguir coelhos, a rebolar-se na lama, o costume. São onze da noite! A minha mãe tinha razão. As mães têm sempre razão. (Entra João, sujo de lama, de fato, com um coelho na mão, parece hipnotizado)

 Paula
 Isto são horas de chegar?

João
Hã? Eu… eu trouxe-te um coelho. (oferece o coelho a Paula)

Paula
Não quero o teu coelho estúpido. Tenho a arca cheia de coelhos congelados! Estou farta de comer coelho! Coelho com vinho tinto, coelho à caçador, coelho guisado, coelho assado, coelho no forno, coelho panado…

 João
Vou pôr este na arca.

 Paula
Não! Chega de coelho! Chega, deita-o fora. Fiz esparguete à bolonhesa. Está frio. Estiveste a rebolar na lama?

João (parece surpreendido de se ver coberto de lama)
 Não sei... se calhar...

 Paula
Como é que encontraste lama? Estamos em Agosto. Vou ter de mandar limpar isso a seco.

Bowie Song

escrita realista

A Plaft terminou hoje a intensa revisão ao meu romance. Todas as 280 páginas têm anotações em caps lock o que me dá a sensação que ela está a gritar comigo (já me explicou que não, que era para distinguir bem do meu texto). Invisíveis ficaram as correcções ortográficas, gramaticais e de conjugação de verbos, que ela aplicou de forma discreta e eficaz, como um assassino profissional. No total, acho que acrescentou cerca de 20 páginas de anotações.

Alguns exemplos escolhidos ao acaso:

CUIDADO COM ESTA DESCRIÇAO DAS MANCHINHAS, APARECE MAIS VEZES 

 (...)

PARA ALEM DA REPETICAO, ESTE TIPO DE FRASEAMENTO É ESQUISITO PARA UM GAJO COMO TU, “EM SUA CASA”

(...)
e as lessem num livro ou na letra de uma canção ou no cinema SE AS LESSEM NO CINEMA?!

(...)
 QUE ESPECIFICO, É CREDIVEL? INTERESSA-TE/SABES SEQUER O QUE ELE ESTUDA OU QUE AULA VAI TER? 

(...) 

O estômago apertava-se-me de fome e era quase hora de almoço POIS, MAS JÁ ESTAMOS NO FIM DA TARDE. HORA DE JANTAR?  

(...)
NÃO ESQUECER QUE JÁ LA VAI O FIM DA TARDE, QUANDO ACORDASTE

(...)
 ESTA DESCRIÇÃO ACIMA ESTÁ TODA UM POUCO CONFUSA. O MACIÇO DE ROCHAS É A PAPOA? MAS ABAIXO FALAS DA 'ENSEADA DA PAPOA'. ESTOU BARALHADA, BARALHADA.  <--- aqui sente-se o desespero da revisora


(...)


TENHO QUASE A CERTEZA DE JÁ TER LIDO ISTO, APAGA 


(...)
DEVES TER CORTADO ALGUMA COISA, PORQUE ACABASTE DE ALMOÇAR E JÁ ESTÁS A DORMIR COMO SE FOSSE NOITE, MAS PRONTO.  <--- pressentimos que a revisora está à beira de um ataque de nervos

(...)
 
 TOO MUCH, ESCOLHE UMA E APAGA A OUTRA. ABAIXO TAMBEM já TENS 'FOCA DESNORTEADA', APAGA O GOLFINHO.
(...)

:') Gosto tanto destas anotações que tenho vontade de o entregar assim a uma editora. É muito mais realista.

terça-feira, 5 de junho de 2012

uma mulher com eles no sítio

Maria José Oliveira demitiu-se do jornal Público. «A jornalista lamenta que a direção do Público não lhe tenha o pedido autorização para divulgar o conteúdo da ameaça do ministro Miguel Relvas e que não tenha «sublinhado que se trata de uma informação falsa que pretendia colar-me a uma agenda ideológica e descredibilizar o meu trabalho». A isto, Maria José Oliveira acrescenta outro lamento, que ao dar conta da alegada ameaça de Miguel Relvas, «o jornal tenha transformado em facto a ideia de que eu vivo com uma pessoa da oposição, quase corroborando as queixas do ministro sobre a perseguição que lhe faço».»

Conheço pessoalmente a Maria e a informação é completamente falsa, se é que alguém a acharia credível ou sequer relevante. Estou solidário com ela e com jornalistas  que mesmo em condições de carreira cada vez mais degradadas, tentam fazer jornalismo de qualidade e independente. Para algumas pessoas (imagino que raras, como a Maria), a degradação ética é a mais grave. Pode ser menos mediático que a demissão de um qualquer administrador conhecido, pago a peso de ouro e com uma boa network, mas a decisão que ela tomou é muito mais significativa, porque é alguém como nós, que não vergou. Que nos sirva de inspiração e que Miguel Relvas aprenda qualquer coisa com isso, até porque, de acordo esta sondagem, é já o ministro mais penalizado do governo.

eles vão lá

Os Beach House vão estar no Primavera Sound 2012, no Porto. Estes aqui são eles, numa cena do Tree of Life do Malick que acabou por ser cortada.
 Aqui é uma música do último albúm deles, que é assim assim, mas esta música é gira.
O cartaz do Primavera Sound é, em geral, muito interessante e em particular também. O Porto é uma cidade superior a Lisboa se tivermos em conta indicadores como "coisas fixes per capita", a comida e o vinho.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Tolan e Plaft, no Spa



Depois de meses a ser sujeito a um programa de esquerdamento por parte da Plaft, que envolveu, entre outras coisas, andar de autocarros da Carris e sair à rua para tomar café no 1º de Maio com a Plaft a puxar por mim e a bater palmas (em vez de me barricar com as latas de atum e a pressão d’ar como nos anos anteriores), decidi que eu também iria tentar fazer com que a Plaft se chegasse um pouco mais à direita.
Sendo a Plaft uma mulher de esquerda e ainda por cima artística, pus de parte qualquer tentativa de aproximação racional. O importante é a experiência, é isso que as mulheres procuram hoje em dia quando usam um perfume, têm um filho ou arranjam um emprego: experiências. Por isso reservei um fim-de-semana num hotel & spa 5* para lhe dar a experiência de como vive uma mulher de direita no dia-a-dia. Expliquei-lhe o meu plano e, para minha surpresa, ela não demonstrou grande resistência. Disse-me que sim, que estaria disposta a fazer esse sacrifício e ser uma cobaia. Transferi todos os meus fundos do PPR e da conta poupança para a conta à ordem, fiz um cartão de crédito gold e pude reservar um quarto no hotel.
Devo dizer que eu próprio nunca tinha metido os pés num hotel de spa. A atmosfera zen de relaxe fez-me subir os níveis de stress porque comecei a sentir que tinha de me sentir relaxado visto que estava a pagar bastante por isso. Fazendo as contas, cada minuto de relaxe estava a custar-me meio jogo de playstation novo. A Plaft pareceu-me bem à vontade, vestiu imediatamente o roupão e os chinelos e foi toda contente para o Spa. Eu fui atrás dela com o roupão e o meu speedo da Adidas. Pelo sim pelo não trouxe também os óculos de natação, o cloro arde-me os olhos. Fiquei muito confuso com o menu de tratamentos. A Plaft escolheu logo o balanceamento dos Chacras com pedras quentes e desapareceu numa sala escura e a cheirar a óleos perfumados, deixando-me sozinho no meio de uma floresta de bambu. Estava à espera de ver um panda de toalha à cintura a qualquer momento, mas em vez disso, só passavam por mim saudáveis pessoas de direita, bem bronzeadas e com medalhas e crucifixos ao peito, relógios de ouro e dentes bem brancos.

Também pensei em brincar ao balançar chacras mas se calhar era uma coisa só para mulheres. A Plaft sugeriu-me a vinoterapia mas isso é uma coisa que eu faço todos os dias, achei um bocado estúpido vir a um hotel tão caro quando uma boa garrafa se compra por cinco euros no mini preço. O funcionário do hotel, um jovem daqueles com um pé à frente do outro e a cabeça de lado, também não parecia disposto a ajudar-me, até porque eu fingia saber exactamente o que estava a fazer e não demonstrava precisar de ajuda. Abri o menu tratamento para homens: tratamento esfoliante regenerador, tratamento remineralizante desintoxicante… parecia-me indicado para vítimas de Chernobyl... Continuei a ler o menu… às tantas decidi que ia escolher ao calhas. Aponto com o dedo, leio e digo: “quero um facial intensivo”. O senhor com o pé à frente do outro sorriu e disse-me para o seguir, mas eu fugi e escondi-me no sítio mais hétero que me pareceu haver, o banho turco. Tudo cheio de vapor, não via absolutamente nada e a temperatura era sufocante. Parecia o ip4 numa manhã de inverno com a chauffage no máximo. Aquilo sim, era um ambiente de homem. Às apalpadelas encontrei o banco de pedra e azulejo encostado à parede. Sentei-me e pensei “agora vou descontrair caralho”. Nisto, vejo que estou mesmo ao lado de um tipo qualquer, também de toalhinha, todo a transpirar. E que do outro lado está outro gajo. Os meus olhos começaram a adaptar-se ao vapor todo e descubro com choque que somos os únicos naquela sala do banho turco. Fui-me sentar mesmo entre os dois. Tudo vazio e eu vou-me sentar mesmo entre os dois. Às tantas começam a falar um com o outro, conheciam-se e ficaram um bocado acanhados quando eu cheguei. Olhei para o relógio e exclamei “ena, as horas que são, tshh tenho de ir descontrair depressa noutro lado” e saí do banho turco e entrei numa cabine que dizia duche tropical, todo a transpirar e a ofegar. Era um mero cubículo forrado a azulejos e com um grande botão a dizer “START”. Ainda hesitei um pouco mas carreguei no botão. O duche tropical consistia num duche gelado com muita força com água a vir de muitos sítios, o que fez um relaxante contraste com a minha temperatura elevada do banho turco. Tudo extremamente relaxante. Depois de me erguer do chão onde caí devido ao choque térmico e à força da água, saí do duche tropical. Encontrei-me com a Plaft que vinha da sauna e já com os chacras todos balançados. Ela queria o banho de chocolate. Disse-me o preço e eu comecei a fazer contas mentalmente, com o volume cúbico da minha banheira e embalagens de nutela e estava quase a tentar demovê-la quando reparei numa cintilação nos olhos da Plaft, algo de novo no sorriso… uma espécie de brilho interior de prazer e felicidade… uma paz… estava a transformar-se numa pessoa de direita! Fiquei tão feliz que tive vontade de chorar. Claro que a deixei ir.

O resto do fim-de-semana correu bastante bem. Descobri uma bomba da Repsol nas imediações do hotel e comprei vinho para a minha vinoterapia. Enquanto bebia e via tv por cabo na cama gigante, tentando não gastar dinheiro sem querer, pensei em tudo aquilo, em toda aquela experiência científica. Também me estava a transformar numa pessoa mais de esquerda porque estava a ficar mais pobre ao ritmo de um accionista do BCP. Creio que o resultado final foi positivo. Um dia, com isto de me chegar um pouco mais para a esquerda e a Plaft um pouco mais para a direita, encontramo-nos no centro, o meu objectivo. Aí filiamo-nos os dois no CDS.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

dia da criança - composição infantil


Sou uma menina que tem dois anos. Vivo num castelo muito grande há muito tempo. Tem um corredor muito comprido e muitos quartos. O céu dos quartos está muito longe porque é um castelo muito grande e antigo. Às vezes há nuvens e não dá para ver o céu dos quartos por causa das nuvens. A mãe e o pai construíram uma tenda no quarto da princesa real. A princesa real é eu. A mãe às vezes quer entrar na tenda mas a tenda é da princesa e ela fica triste e começo a chorar e a mãe foge. O Sujinho é o coelho. Nasceu ao mesmo tempo que eu que sou a princesa. Somos os melhores amigos e gosto de o mastigar e depois de brincar com ele ao atira-te ao chão Sujinho! ou ao vai pelo ar Sujinho!

 Os pais é deram a ele o nome de Sujinho, não sei porquê. Uma vez tiraram o Sujinho e depois fiquei a ver o Sujinho na máquina a andar à roda e tinha as patinhas encostadas ao vidro e rodava, rodava, rodava. E depois ficou no estendal do pátio preso pelas orelhas e eu sei que doía e chorei muito e depois ele veio e cheirava mal, demorou muito a ser o Sujinho outra vez.

Eu e o Sujinho gostamos de ver o carteiro Paulo, é sempre emocionante. O carteiro Paulo é um carteiro que tem um gato preto e branco e depois tem aventuras. O pai comprou os filmes todos do carteiro Paulo. Já vi mil vezes infinitas o episódio em que o carteiro Paulo não pode entregar o correio porque caiu uma árvore na estrada. E o gato Preto e Branco olha para ele e depois adormece. É muito engraçado porque o gato adormece. São sempre histórias emocionantes mas fazem impressão aos pais porque tem muita emoção e suspense e eles não aguentam. O pai e a  mãe fogem quando começa a tocar a música do carteiro Paulo e vão os dois beber chá de uma garrafa escondidos na cozinha e o pai começa a fumar.

O carteiro, o carteiro

E o seu gato preto e branco

O pai gosta de ver senhores a falar na televisão e depois começa a falar na crise. O meu pai é uma pessoa importante e manda muito e vai salvar o reino. A minha mãe foge para a cozinha quando ele começa a falar disso e depois o meu pai fala para mim e para o Sujinho e ouvimos os dois com muita atenção até começar outro episódio do carteiro Paulo. 

Quando os meus pais estão tristes do dia no reino lá fora eu gosto de os ajudar porque sou uma princesa generosa. O carteiro Paulo é muita emoção para eles, mas o pai fica muito feliz quando a princesa generosa deixa o Economist no colo. A minha mãe gosta que a princesa peça colinho. Gerir uma relação com os pais é difícil e temos de fazer sacrifícios. Senti que era altura de deixar de usar fraldas e a semana passada comecei a fazer chichi e cocó na sanita onde o Sujinho tomava banho às escondidas. Os pais ficaram muito contentes. Se eu soubesse tinha feito isso há uns meses.

Às vezes o meu pai começa com um cachecol verde a dizer “Spoooorting!” até eu e o Sujinho dizermos “Spooorting” também e ele fica todo contente. Os mais crescidos são muito simples. Não têm de lidar com a complicação que é ser uma princesa num castelo e tomar conta do pátio das flores.

Tenho um pátio que tem muitas flores. As flores são bonitas e nascem abelhas para mim. Tenho um regador cor de rosa com pintas pretas e sou eu que salvo as flores de morrerem à sede e a água depois faz nascer abelhas nas flores. Gosto das abelhas porque são amarelas e pretas e voam como eu e o Sujinho quando joga ao vai pelo ar Sujinho mas a minha mãe não gosta que eu tente apanhar as abelhas e tem medo delas. O meu pai não gosta que eu brinque com as flores. Elas querem brincar comigo e começam a dançar e a dizer para as salvar porque estão presas nos vasos e não podem ver o castelo.  Assim que arranco umas flores para brincar com elas e mostrar-lhes o castelo, o pai vem a correr a dizer “não, não! Não faz isso às flores!” 

É muito mau para as flores, o pai. E fala comigo na terceira pessoa do singular sempre que se trata de um contexto de limitação da minha liberdade. Mas dá jeito porque quando tenho fome ou quero brincar com ele e não sei onde ele está, é só arrancar uma flor e ele vem a correr. Para chamar a minha mãe é mais fácil ainda, é só chorar. Ela é capaz de ouvir eu a chorar de uma ponta à outra do castelo, mesmo quando o pai tem a televisão muito alto para ver senhores sérios a falar. E acorda a qualquer hora da noite e vem a correr. Às vezes gosto de brincar ao chora chora vem a correr mãe toda noite porque passado um bocado vem o meu pai também, e depois a minha mãe e é à vez. É muito divertido.

Também gosto de me esconder. Os meus pais gostam muito desse jogo. Uma vez escondi-me no roupeiro da mãe debaixo da roupa dela que cheira bem e adormeci e acordei com a minha mãe a chorar sentada na cama e o meu pai a gritar por mim na rua. Foi muito divertido para mim e para o Sujinho e para eles também porque quando a mãe viu eu e o Sujinho a sair do roupeiro ficou muito contente e o pai subiu as escadas a correr todo contente também!

Para a Catarina, o J e a R.