Face ao escandaloso ranking dos custos por dormida de cada selecção do europeu de futebol que coloca Portugal no topo com 33 mil euros e Espanha no último com 4700 euros(embora me custe muito acreditar que conseguem alojar uma selecção e respectivo staff por apenas 4 mil e 700 euros diários havendo claramente aqui um problema de metodologia), Humberto Coelho, membro da comitiva, fez o comentário que já se esperava: não custou um tostão porque foi pago com prémios da UEFA.
Procurando afastar-me da típica bipolaridade do povo português que oscila entre uma euforia desmedida pela selecção e um descrédito e mesmo rancor profundo, quero aproveitar a oportunidade para uma lição de economia.
Esta ideia de que o dinheiro vai de um sítio (UEFA) para o outro (Federação) sem passar pela casa da partida (o Orçamento do Estado) e que por isso "é deles", é muito comum. É comum em institutos, entidades reguladoras ou qualquer tipo de organização com fins públicos que tenha em seu poder a capacidade de cobrar alguma espécie de taxa ou licença pela utilização de um recurso público, seja o solo português para fazer estradas, meter cabos e canos, o espectro, o ar para andar com aviões, as fronteiras para deixar entrar turistas etc.
Como recebem directamente o dinheiro porque têm a função de cobradores, ficam com a ilusão de que são autónomos, como uma empresa (e logo uma monopolista) e só precisam de dar um excedente ao estado no fim de cada ano.
É por este motivo tão prosaico que existe uma certa cultura de despesismo e luxo neste tipo de entidades: procura-se gastar o mais possível para reter as "receitas" daquele ano e evitar "perder" dinheiro para o estado. A Federação Portuguesa de Futebol não é diferente, aliás, é provavelmente a mais mimada de todas e a julgar pelos números (já lá vou) aquela que melhor segue a máxima do estoirar até onde dá. A FPF explora talvez a expressão máxima do activo intangível "Portugal": o nome, a cor, a bandeira, o hino, a história, o patriotismo e claro, o direito a participar nas provas oficiais da UEFA. E se o recurso natural "jogadores portugueses" não é suficiente, naturalizam-se os que forem precisos.
Só em 2010 se extinguiu o curioso estatuto de utilidade desportiva pública à Federação, estatuto que lhe garantia 1,8 milhões de euros por ano pagos directamente pelo estado português. Contudo, mesmo que recebesse este subsídio, Humberto Coelho (e qualquer outro dirigente), podia alegar que o dinheiro que é utilizado para pagar o hotel na Polónia é aquele que vem dos prémios da UEFA, pois é também muito comum a ideia, em Portugal, de que o dinheiro se mantém compartimentado na mesma conta. Basta ouvir os nossos governantes quando dizem que o que vão cobrar especificamente ali, vão aplicar especificamente acolá.
A Federação movimenta milhões em direitos e patrocínios, mas esse dinheiro também é nosso, ou do Estado, porque o Estado podia atribuir a outra entidade qualquer o direito de explorar o activo intangível "selecção portuguesa", que não é diferente do ar, do mar ou do solo. O Estado podia (e devia) exigir essas receitas e redistribuir como fosse melhor. À FPF caberia aquilo que conseguisse justificar com orçamentos anuais. Assim, a FPF consegue a proeza de prever lucros de apenas 150 mil euros, quando tem 37 milhões de euros de receitas. Por mágica coincidência (ou pelo motivo que expus acima) as despesas somam quase o mesmo valor das receitas.
Em 2010/2011:
Na proposta da direcção, a que a agência Lusa teve acesso, estão previstos 37,741 milhões de euros de despesas, contra 37,891 de proveitos, «valores que representam um ligeiro aumento em relação à época de 2009/2010».Isto é que foi pontaria, ficou ali rés vés Campo de Ourique, à continha. Mesmo assim ainda sobraram 150 mil euros para uma gorjeta. Era só mais umas noites nos hotéis certos ou subir um bocadinho de nada os prémios de jogo aos atletas e conseguiam acertar as contas.
Até porque os atletas merecem, vestir o recurso português que é a camisola das quinas não deve ser fácil, é muita pressão, ainda por cima depois de épocas esgotantes em clubes de topo onde também há muita pressão. A Federação Portuguesa de Futebol só paga prémios que mal chegam aos 112 mil euros (a cada jogador) com os apuramentos. Só o Ricardo Carvalho por exemplo (e é só um exemplo e eu até gosto muito dele como jogador) pela sua titularidade na selecção entre 2004 e 2011 recebeu mais de 900 mil euros em prémios.
Depois de escrever isto, vou fazer um esforço para evitar ressentimentos e aproveitar bem o Europeu porque adoro futebol. Ficam por isso aqui os meus votos de boa sorte à Irlanda.
4 comentários:
Grande Irlanda.
De resto, deixei aqui a minha opinião acerca da Selecção. Calculo que existão pontos comuns com o teu pensamento:
http://simaoescuta.blogspot.pt/2012/06/portugueses-vs-portugueses.html
Esta mentalidade tão Portuguesa põe-me doente, dá vontade de os correr a todos à chapada, a verdade é que não acredito que possa vir alguém, um dia, pôr ordem nisto.
escândalo é o que ganha o Zeinal sem saber sequer dar um chuto numa bola!!! haha
Obrigada pela lição de economês, Tolan, incluindo a não consignação de receitas.
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